terça-feira, 26 de janeiro de 2010

HÁ GOVERNO EM HONDURAS?

"A maioria esmagadora dos Estados integrantes da comunidade internacional não apenas recusou-se a reconhecer o governo hondurenho que se seguiu à deposição de Manuel Zelaya, como, na iminência da posse do presidente eleito Porfírio Lobo, ainda não emitiu sinais de que pretende reconhecer o novo governo.

Essa posição quase comum certamente não decorre da fragilidade do atual governo de Roberto Micheletti, da existência de núcleo de poder alternativo a conquistar cada vez maior apoio popular ou de fraudes e boicote à eleição presidencial realizada em novembro do ano passado. Ao contrário, não há registro de contestações significativas ao poder do Estado, a oposição liderada por Zelaya demonstra desarticulação e o índice de comparecimento à eleição, que contou com observadores internacionais, foi elevado, apesar de o ex-presidente Zelaya ter conclamado os hondurenhos a boicotarem a votação, em manifestação de repúdio ao suposto golpe militar.

A ampla recusa a reconhecer o governo de Honduras tem causa clara: a comunidade internacional considera que Zelaya foi ilegalmente desempossado e que reconhecer os novos governos, não importa as características que apresentem, equivaleria a legitimá-los. Com isso, demonstra uma compreensão equivocada do instituto jurídico do reconhecimento de governo.

Esse instituto não se presta à manifestação de juízos valorativos a respeito da legitimidade democrática de governos de outros países, mas simplesmente à constatação dos sujeitos responsáveis pela condução dos assuntos políticos internos e externos, pela manutenção da ordem e pelo cumprimento dos tratados vigentes.

Aliás, não são poucos os juristas que defendem a extinção da prática de reconhecer governos, uma vez que a costumeira facilidade da verificação dos sujeitos com efetivo controle sobre um Estado torna sua importância reduzida. Caso um Estado não deseje manter relações com outro em razão do caráter antidemocrático de seu governo, pode valer-se do instituto jurídico correto: a ruptura de relações diplomáticas.

Um governo não deixa de ser um governo porque um indivíduo ou um Estado não aprovam sua natureza. Não reconhecer um governo que inegavelmente desfruta da obediência de sua população e mantém a ordem jurídica, a paz interna e a integridade territorial significa dar as costas à realidade.

Embora cultivar relações diplomáticas íntimas com governos ditatoriais possa representar um incentivo a que outros golpes ocorram, fazer de conta que um governo não existe evidentemente não levará à prevalência de regimes democráticos. Ainda que isolar países não seja o melhor caminho para impulsionar seu desenvolvimento político e o primado da paz nas relações internacionais, sempre resta o legítimo instrumento do rompimento de relações diplomáticas.

Mudanças marginais no território, na população e no governo não são suficientes para alterar a condição de Estado. Assim como não é necessário reconhecer o território de um país a cada modificação em seu desenho cartográfico ou a sua população a cada alteração em seu corpo demográfico, mudanças de governo não deveriam motivar reconhecimentos, exceto em casos limites, de real disputa pelo poder, como muitos países europeus já fazem.

Não é razoável afirmar que Honduras não tem um governo respeitado por sua população e com controle incontestável do território. Todas as evidências provam o contrário e acabarão se impondo sobre os desejos de transformação da realidade refletidos no não reconhecimento do governo hondurenho. Até lá, o povo hondurenho acumulará os prejuízos da cessação das relações políticas e econômicas com a comunidade internacional."

FONTE: escrito por Ricardo Bernhard, diplomata de carreira, graduado em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Publicado hoje (26/01) no Correio Braziliense.

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