segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

ENERGIA NUCLEAR É A SOLUÇÃO





A energia está no núcleo

Por Alexandre F. Ramos*

"A escassez de chuvas trouxe a tona a possibilidade de racionamento de energia elétrica se os reservatórios das hidrelétricas chegarem a 10% de sua capacidade. Enquanto uma parte do debate público sobre o tema se ocupa da economia de “fagulhas” de eletricidade, propondo a substituição de lâmpadas, chuveiros etc, o problema do Brasil decorre, especialmente, de baixa capacidade instalada e da composição de sua matriz por elementos especialmente sujeitos à sazonalidade. Por exemplo, o consumo de eletricidade per capita do Brasil é da ordem de 2 kWh enquanto que nos Estados Unidos esse consumo é da ordem de 12 kWh.

Ressalte-se a relação direta entre o IDH de uma nação e seu consumo de eletricidade. Nações com IDH acima de 0,9 proveem boa qualidade de vida a sua população e têm consumo de eletricidade acima de 4 kWh per capita. Podemos concluir que não somente somos baixos consumidores de eletricidade como necessitamos expandir a oferta energética se quisermos melhorar nossa qualidade de vida, por exemplo, ampliando a oferta de transporte sobre trilhos, hospitais equipados etc. 

Neste artigo, trataremos da expansão da oferta energética brasileira e da necessidade de introduzirmos mais elementos geradores de energia firme, em particular a matriz nuclear.

O planejamento do sistema elétrico brasileiro prevê, para o ano de 2030, que o país terá exaurido o seu potencial de geração de eletricidade pela matriz hidráulica. Adicione-se que as novas usinas hidrelétricas [por pressões de ONG "ambientalistas" estrangeiras e nacionais] funcionam "a fiod’água", reduzindo sua capacidade de armazenar energia em forma de reservatórios e, dessa maneira, contornar efeitos sazonais. Faz-se mister, portanto, que a cesta energética brasileira receba novas componentes que possam prover-nos de energia firme, com capacidade de fornecimento praticamente ininterrupto. De agora em diante, esse papel caberá, principalmente, às matrizes termelétricas, cujos combustíveis podem ser o carvão mineral, gás natural ou o nuclear. Dentre essas matrizes, a nuclear apresenta o menor custo. Ademais, por tratar-se de matriz de demanda de tecnologias de alta performance, contribui à criação de valor nos produtos envolvidos em sua cadeia produtiva, formação de profissionais altamente qualificados e uma cultura urgentemente necessária ao país.

A expansão da oferta de energia nuclear no país, pela construção de novas usinas nucleares, representa oportunidade de arrasto científico e tecnológico valiosos, com amplo impacto econômico. O Brasil possui abundância de combustível nuclear em seu território e domina o ciclo do combustível. Sendo assim, podemos atingir a autonomia de produção de combustível e, eventualmente, adentrar um mercado ainda restrito de exportadores de urânio enriquecido. Ademais, o combustível nuclear apresenta alta densidade energética que implica em redução de impacto ambiental. Por exemplo, 1 kg de urânio gera energia elétrica equivalente à energia gerada por 14 toneladas de carvão mineral.

Quanto ao arrasto científico da pesquisa nuclear, tomemos por exemplo o projeto genoma. Embora o conceito de mapa genético já fosse conhecido pela comunidade de Biologia Molecular desde o início do século 20, somente em meados dos anos 80, com a disponibilidade dos instrumentos necessários à realização desse projeto, é que ele foi proposto pelo DoE (o ministério de Minas e Energia dos Estados Unidos). Esse esforço iniciou-se da necessidade de estabelecer com clareza os efeitos da radiação em humanos e, apesar de seu escopo inicialmente nacional (nos EUA), atingiu escala mundial posteriormente. O desenvolvimento das técnicas de sequenciamento ocasionado pelo projeto genoma fundou nova era na medicina, em processos de despoluição e na biotecnologia. Por exemplo, anteriormente, o tratamento de diabéticos empregava insulina de suínos enquanto hoje é possível produzir insulina humana em escala utilizando bactérias.

Do ponto-de-vista tecnológico, considere-se a construção do submarino nuclear brasileiro em andamento, ou o desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação para enriquecimento do urânio. Esse programa iniciou-se nos anos 50, com a iniciativa do Almirante Álvaro Alberto, de fomentar a pesquisa em Física Nuclear no Brasil com a criação do CNPq. Posteriormente, nos anos 70, o governo decidiu pela capacitação do país para o domínio tecnológico do ciclo do combustível nuclear, construção de reatores de potência e de pesquisa, e da tecnologia de reprocessamento de combustível usado. Nesse contexto, o país celebrou um convênio com a Alemanha que incluía a transferência da tecnologia de ultracentrifugação para o enriquecimento de urânio. Por pressões internacionais, essa transferência não ocorreu e foi necessário o desenvolvimento de tecnologia nacional. Tal feito foi realizado pela Marinha Brasileira, em projeto liderado pelo Alm. Othon Pinheiro da Silva, a partir dos anos 80. Esse projeto realizou-se em parceria com a indústria, Institutos de Pesquisa, Universidades, e perdurou por 15 anos.

Desdobramentos tecnológicos são, por exemplo, o desenvolvimento de aços de alta resistência e válvulas especiais para operação com substâncias corrosivas. Em andamento está um projeto para produção de fibras de carbono de alto desempenho pelo país, numa parceria entre a Marinha, a Força Aérea Brasileira, Universidades e Institutos de Pesquisa, e com suporte da Financiadora de Projetos (FINEP), órgão financiador do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Em contrariedade ao uso da energia nuclear, costumam-se levantar três argumentos principais: a possibilidade de uso bélico; o risco de acidentes; a destinação do combustível usado.

No Brasil, o primeiro argumento é incabível. A Carta Magna brasileira estabelece que o Estado é detentor do monopólio do desenvolvimento de tecnologias nucleares e define o uso pacífico dessas tecnologias. Essa decisão é reafirmada pelo país ao assinar o Tratado de Não-Proliferação e outros acordos bilaterais. Por fim, no próprio Livro Branco da Defesa Nacional, o Estado reforça o caráter pacífico do Programa Nuclear Brasileiro. Portanto, a nação pode preservar postura de firme e contínuo fomento ao programa nuclear, pois este atende às necessidades de ampliação do bem-estar da população, seja no setor energético, na medicina nuclear, ou agricultura.

Quanto aos acidentes, construiu-se na cultura contemporânea um mito chamado Chernobyl. O acidente ocorreu em um dos quatro reatores tipo RBMK localizados em Pripyat, Ucrânia, no dia 26 de abril de 1986, durante um teste de segurança e que se verificou ter sido causado por erro humano. No acidente, o núcleo do reator foi exposto e partículas radioativas foram emitidas ao ambiente. Quanto aos efeitos da radiação em humanos, foram confirmados 134 casos de Síndrome da Radiação Aguda, dentre os quais 28 indivíduos sofreram óbito ainda em 1986. Outras 19 pessoas faleceram entre os anos 1986 e 2004 por causas não necessariamente ligadas a efeitos de radiação.

Também houve uma detecção estatisticamente distinguível de 4000 casos adicionais de câncer na tireoide na população da região afetada pelo acidente, que à época do mesmo estava na infância. Pode-se dizer que uma fração considerável desses casos teve a radiação devido ao acidente como causa.

Casos de câncer sólido ou leucemia não tiveram incrementos que possam ser detectados estatisticamente e, em particular, não é possível estabelecer a radiação devida ao acidente como causa dessas enfermidades. Quanto a outros efeitos, por exemplo, incremento de mutações nas populações animais da região, muitos estudos apresentados a respeito apresentam gravíssimas limitações metodológicas que tornam suas conclusões questionáveis ou errôneas.

O acidente de Chernobyl é tratado com seriedade pela comunidade envolvida em geração de energia nuclear e motivou medidas de ampliação de segurança como o desenvolvimento de novas gerações de reatores nucleares mais seguros e menos suscetíveis ao erro humano. Mesmo assim, o acidente ocasionou um receio da energia nuclear que, se não é derivado dos fatos, têm raízes profundas na construção de uma mitologia contemporânea. Essa mitologia é facilmente absorvida pela população devido aos fenômenos ocorridos no núcleo atômico exigirem sofisticado aparato tecnológico para sua compreensão e análise. Por exemplo, aparelhos tecnológicos que ocasionam numerosos danos à saúde física e psicológica da população não motivam tamanhos receios, como por exemplo o trânsito no Brasil. Apenas no ano de 2012, morreram 60 mil pessoas em decorrência de acidentes de transito e outras 352 mil ficaram inválidas.

Resta discutir a destinação dada ao combustível nuclear irradiado, que o senso comum trata como um lixo descartável. Devido à existência de alternativas técnicas para o tratamento e uso desses materiais, considerar o combustível nuclear como um rejeito é cientificamente impróprio. Por exemplo, o combustível usado poderia ser utilizado como uma manta em reatores mistos de fusão-fissão, reduzindo a meia-vida de alguns de seus componentes e até mesmo gerando energia.

A matriz energética brasileira é predominantemente composta de recursos renováveis, de baixa emissão de carbono. O planejamento de longo prazo mostra que o uso pleno da matriz hídrica sofrerá maiores influências de efeitos sazonais. Destarte, o sistema nacional necessitará compensar esses efeitos pela inclusão de matrizes provedoras de energia firme a sua cesta energética. Esse nicho pode receber, entre outros componentes, a matriz nuclear. A nação será fortemente beneficiada pelo arrasto científico e tecnológico dessa matriz que poderá, dessa forma, contribuir para o estabelecimento de nível cultural condizente com sua importância geopolítica.

Adendo – Os próximos três parágrafos discorrem breve e superficialmente sobre a Física subjacente aos fenômenos nucleares, almejando assim iluminar o debate e talvez aguçar a curiosidade do leitor para este ramo científico apaixonante.

A abundância energética exibida pela matriz nuclear pode ser compreendida no contexto do modelo padrão para a estrutura da matéria. O núcleo atômico é composto por prótons (cargas positivas) e nêutrons (cargas neutras) e sua estabilidade deve-se à chamada "interação nuclear forte". Essa interação é cem vezes mais intensa que a eletromagnética, que responde pela repulsão entre as cargas positivas, e por sua intensidade garante a estabilidade do núcleo atômico.

Efeitos da "interação nuclear forte" podem ser observados em reações nucleares, como a fissão do átomo de urânio. Essa reação acontece pela ruptura do núcleo do átomo de urânio em dois núcleos atômicos menores e menos massivos. Uma maneira de causar esse rompimento é bombardear o átomo de urânio, por exemplo o isótopo 235, com um nêutron, que gera um novo átomo de urânio, o isótopo 236. Esse novo núcleo é instável e o "acoplamento nuclear forte" é insuficiente para compensar as forças de repulsão do interior do núcleo. Assim, o núcleo desintegra-se, num belo processo que Bohr descreveu matematicamente a partir de uma analogia com a divisão de uma gota líquida em duas.

A fissão do átomo de urânio libera uma vasta quantidade de energia, da ordem de 100 milhões de vezes mais energia que uma única reação de combustão de carvão mineral. Isso ocorre devido ao fato de reações de combustão serem químicas e envolverem as energias dos níveis eletrônicos do átomo. Nesses níveis, as energias envolvidas são resultantes da interação eletromagnética."



FONTE: escrito por Alexandre F. Ramos, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Dept. Radiologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP). Publicado no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/noticia/a-energia-esta-no-nucleo).[Título e trecho entre colchetes acrescentado por este blog 'democracia&política']. 

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