sexta-feira, 17 de outubro de 2008

DECADÊNCIA DO OCIDENTE?

O jornal espanhol El Pais publicou esta semana (15) o seguinte artigo de Miguel Ángel Bastenier, escrito em São Paulo. Li no UOL em texto traduzido por Luiz Roberto Mendes Gonçalves:

“O cataclismo financeiro de Wall Street servirá algum dia para balizar o início da decadência do Ocidente - seu domínio sobre o mundo?

Nestes últimos anos não faltaram sinais no caminho, como as guerras do Iraque e do Afeganistão com sua exibição de impotência militar e política; ou o que promoveu o desencadeamento desses dois conflitos, como o 11 de Setembro. Mas, mais que buscar datas chaves, parece mais útil enumerar fenômenos de média e longa duração, e por isso dificilmente individualizáveis, sempre com um denominador comum: a oposição generalizada, não só aos EUA como a todo o mundo ocidental.

Embora as conseqüências da debacle sejam de alcance universal, são os países mais desenvolvidos que mais terão de pagar a fatura da extrema desregulamentação da economia, e da mesma forma que, por exemplo, a crise de 1929 afetou menos a Espanha de Primo de Rivera do que a Alemanha de Weimar, o Terceiro Mundo não deve temer, ao contrário da Europa ou dos EUA, perder o que não tem. E esse estar parcialmente ao abrigo da catástrofe torna-se compatível com uma certa satisfação - um deleite - pelo que acontece no Ocidente, como já ocorreu no caso dos EUA e as Torres Gêmeas.

É um sentimento difuso que habita grande parte do mundo árabe e islâmico, estimulado pelo colonialismo, o conflito árabe-israelense, a invasão do Iraque e a guerra não se sabe como nem contra quem das áreas tribais do Paquistão; do mesmo procede e medra a idéia mais que a organização das diversas Al Qaedas que há no mundo; está longe e pacificamente aparentado com uma sensação que o visitante ocidental pode perceber na China, de que os nativos trabalham como se lhes devessem algo, como se houvesse uma conta - e Max Weber falava na cobiça da alma oriental - para ganhar, de preferência em moeda forte.

Da mesma forma, o denota a existência de uma neopirataria nas costas da Somália e outras águas do Índico, cujos promotores encontram algum reflexo na opinião própria, quando afirmam que o deles não é saque, mas pedágio por navegar águas cuja posse reclamam; e, de notável interesse para a Espanha, quando o indígena latino-americano, empenhado no que considera a reconquista de seu próprio país, ou as forças que nesse mundo pós-ibérico se dizem antiimperialistas, fazem cara de está tudo muito bem empregado.

Uma fenomenal carga de adversidade ativa, unida sem qualquer contradição a um formidável fascínio pelo êxito material dos países envolvidos, vai crescendo de temperatura em tudo o que nos últimos séculos - a grosso modo, desde o início da era colombiana - foi para o Ocidente "o resto do mundo". A exceção talvez seja a África Negra, que talvez não esteja suficientemente articulada para se expressar com algum grau de força coletiva.

Mas essa carga, que se expressa em seu caso criminoso e extremo no terrorismo internacional, também está presente em fórmulas basicamente mitológicas de oposição ao poderoso, como a adoção de estratégias e teorizações alternativas, tal como ocorre com o chamado socialismo do século 21 do presidente venezuelano, Hugo Chávez, ou o comunitarismo aymara do boliviano Evo Morales; ou, ainda mais genericamente, na contraposição, que se dá em alguns países da Ásia, entre um "etos" confuciano e o individualismo possessivo ocidental, cujo subtexto consiste em negar a plena aplicabilidade da democracia tal como se conhece hoje nessa parte do mundo. A hostilidade que sempre existiu entre o favorecido e o que não o é encontra sua "justificativa" intelectual. Contra o suposto espólio, uma nova "justiça redistributiva".

E entre toda essa preamar, incitada por uma televisão ubíqua e a globalização eletrônica que mostram como é o Ocidente e a tudo o que crê ter direito, floresce uma reação generalizada, que no tocante à reivindicação antiespanhola na América Latina se resume em um díptico perfeito: paga e cala; tanto vale o barril de petróleo ou a restauração do barroco colonial; e se abrir a boca que seja para pedir desculpas.

Esse é o mundo que parece que vem; muito mais complexo e perigoso que o da extinta bipolaridade das duas superpotências; a neonata unipolaridade da grande potência restante, ou a multipolaridade indecifrável, dentro da qual a Europa ainda não decidiu que papel quer um dia exercer”.

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