segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O EXTERMÍNIO DA PALESTINA



Palestinos fizeram um funeral simbólico em Ramallah, Cisjordânia, com 500 caixões para as vítimas dos bombardeios israelenses contra a Faixa de Gaza já no início da ofensiva, em 22 de julho.

1ª PARTE:

Resolução 181: PARTILHA DA PALESTINA E OCUPAÇÃO ISRAELENSE

"Resolução 181. Os palestinos têm este e outros números memorizados na defesa da sua causa. Em 1947, a ONU "partilhou" a Palestina entre árabes e judeus, mas o único resultado foi a continuidade da história de massacres e de ocupação. Apenas o Estado de Israel foi agraciado com a plena existência. Em 29 de novembro de 1947, a Palestina seria partilhada, mas segue ocupada. Talvez por sentimento de culpa, a data [29 Nov] é hoje o "Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino".

Por Moara Crivelente, cientista política e jornalista

Este é o primeiro de dois artigos sobre a Palestina e o "Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino"

Em 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas deu o pontapé inicial ao papel da organização recém-criada na Palestina, em evidente ineficácia e exponencial inocuidade, com a Resolução 181, chamada de "Plano de Partilha". Dezenas de resoluções foram aprovadas pelos cinco principais órgãos da ONU todos os anos desde então para afirmar os direitos dos palestinos à autodeterminação, assim como para tentar mitigar os efeitos da invasão e ocupação israelense, do seu regime de segregação, do despojo, da expulsão (como o caso do direito dos refugiados ao retorno) e da recusa completa, pelos líderes sionistas, em resolver a malfadada “Questão Palestina”.



Em 1948, a atuação disseminada e brutal de milícias sionistas pela "independência" de Israel frente ao Mandato Britânico instaurado ainda em 1917 resultou no massacre de mais de 15 mil palestinos e na expulsão de cerca de 750 mil, além da destruição de cerca de 500 vilas palestinas. Essa é a Nakba, "Catástrofe" palestina, marcada todos os anos em 15 de maio.

A espiral de violência subsequente é notória. A ocupação israelense expandiu-se em ritmo acelerado, inclusive durante os chamados “processos de paz”, com a farsa diplomática por parte do regime israelense e seus patrocinadores, Reino Unido, França e, principalmente, os Estados Unidos.

Vários episódios evidenciaram a expansão da ocupação, como o marco reconhecido na Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel [invadiu e] ocupou a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e também outros territórios da Síria, do Egito e do Líbano, movimentos delineados pelo aparato militar israelense como medidas de "segurança e defesa".

Mas poucas semanas após o 10º aniversário desde a morte do líder palestino Yasser Arafat (em 2004), com análises sobre o seu papel nos mais importantes intentos diplomáticos e os 26 anos da declaração quase simbólica de independência da Palestina, em 1988, dá-se a retomada de uma narrativa forjada sobretudo por sionistas radicais sobre um suposto “conflito religioso” na Palestina.



Em 2014, definido pela ONU como o "Ano Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino", o regime israelense liderado pelo premiê Benjamin Netanyahu lançou a terceira grande ofensiva militar contra a Faixa de Gaza em cinco anos. Foram aproximadamente 2.200 mortos entre os palestinos, majoritariamente civis e centenas de crianças, além da destruição de cerca de 10 mil lares (ao menos 65 mil palestinos continuam desabrigados) e a repetida devastação do território, completamente sitiado pela ocupação israelense, mas que [ironicamente] deve ser reconstruído por benevolentes “doadores” internacionais que incluem grandes aliados políticos e fornecedores de material militar de Israel, como os EUA.

Não bastasse o cinismo da situação, grande parte do material comprado para a reconstrução virá de Israel, cuja economia se beneficiará, nas mais variadas formas, da tragédia que seu governo impôs aos palestinos. Antes disso, já se beneficiara com a demonstração do equipamento militar e das armas usadas no massacre palestino e comercializadas mundo afora. A bolsa israelense de valores também apresentou altas durante a “operação militar Margem Protetora", entre 8 de julho e 26 de agosto, e a economia já se beneficia da “assistência” internacional enviada através das instituições financeiras e governamentais [israelenses], assistência essa que ainda lhes serve de margem de pressão política contra os palestinos.

Exemplo disso foi a suspensão do repasse dos impostos recolhidos por Israel pelas exportações palestinas quando a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e o Hamas, partido e movimento de resistência no governo da Faixa de Gaza, anunciaram, enquanto findava mais um período de negociações infrutíferas com Israel, em abril, um acordo de reconciliação para a unidade política nacional, que fortaleceria o povo palestino.

Resistência e repressão

Enquanto questões levantadas sobre a possibilidade de uma terceira intifada (“levante”, em árabe) parecem tensionar a situação, as autoridades israelenses já se preparam para intensificar a repressão aos palestinos; por exemplo, com a instituição da demolição de lares como medida para “dissuadir” quaisquer revoltas ou atos taxados de “terroristas”. Nas primeira e segunda intifadas (em 1987 e 2000, respectivamente), a opressão foi generalizada, com confrontos abertos e invasões militares com tanques em campos de refugiados como o de Jenin, onde um massacre ocorreu em 2002, durante uma batalha com a resistência palestina.

Além disso, as chamadas “detenções administrativas” já vigoram, encarcerando “suspeitos” de ações que “ameacem a segurança do Estado de Israel”, inclusive as de lançar pedras em protesto. Há cerca de 500 palestinos assim arbitrariamente detidos, que podem passar períodos renováveis de seis meses na prisão sem acesso à defesa ou sem uma acusação formal, sujeitos a tratamentos cruéis como a tortura ou a recusa de tratamentos médicos. De acordo com a "Associação Palestina de Apoio aos Prisioneiros e Direitos Humanos" (Addameer), em outubro havia 6.500 palestinos encarcerados em prisões israelenses, inclusive 182 crianças (19 delas menores de 16 anos), 19 mulheres e 18 parlamentares. Além disso, 478 dos prisioneiros cumprem sentenças perpétuas.





Devido ao recrudescimento da situação na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e em Jerusalém (note-se que a atomização entre os territórios palestinos é intencional, fruto de política calculada da ocupação israelense), Marwan Barghouti, importante líder popular do partido Fatah (à frente do governo na Cisjordânia), detido há cerca de 10 anos, emitiu uma carta por ocasião dos 10 anos da morte de Arafat, instando o povo palestino à resistência e a liderança a boicotar Israel, repensando o papel da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Trata-se de um órgão de autogoverno transicional criado no início dos anos 1990, no contexto dos Acordos de Oslo, supostamente temporário, [previsto durar] até uma negociação conclusiva sobre o Estado da Palestina, acordada para o fim daquela década, mas até hoje pendente.

Um motivo de críticas entre vários movimentos e partidos palestinos foi a imposição, por Israel e seus aliados mediadores em Oslo, da chamada "coordenação securitária", dispositivo cunhado pela Declaração de Princípios, assinada em 1993 (conhecida como Oslo 1, entre os acordos desse contexto). A coordenação pressupõe o trabalho conjunto entre autoridades israelenses e palestinas no setor da segurança, enquanto a estrutura da ocupação se arraigava: a divisão da Cisjordânia nas áreas A, B e C, em que a maior parte do território ficou sob o controle militar israelense; os postos de controle espalhados por toda a Cisjordânia e também no interior de cidades como Hebron; outras formas de restrição da movimentação dos palestinos, entre outras medidas.

Os palestinos acreditaram e empenharam-se na diplomacia como via para o seu Estado, enquanto a liderança sionista enxergara nessa [atitude] mais uma forma de ocupar a Palestina. Por isso e pelas subsequentes demonstrações de Israel sobre sua falta de compromisso com o fim da ocupação e do conflito, Barghouti apelou à resistência e retomou um debate há tempos presente no seio da ANP e nas ruas da Palestina, sobre abrir mão da chamada "cooperação securitária" com Israel. A alternativa é a resistência e o Direito Internacional, disse o líder em sua carta, o que lhe custou a pena de sete dias em regime solitário e uma multa, na prisão em que foi sentenciado a viver para sempre".

FONTE: escrito por Moara Crivelente, cientista política e jornalista, membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) assessorando presidência do Conselho Mundial da Paz. Artigo publicado no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/254380-9).[Título, imagens do google e trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].

COMPLEMENTAÇÃO
2ª PARTE:

Resolução 181: RESISTÊNCIA E IMPUNIDADE NA PALESTINA OCUPADA

Este é o segundo de dois artigos sobre a Palestina em 29 de novembro, Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino.

"O presidente palestino Mahmoud Abbas escreveu à ONU, por ocasião do Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, 29 de novembro. Abbas agradeceu as manifestações de apoio à causa do seu povo pela autodeterminação, mas lembrou à ONU seu compromisso desde que, em 1947, adotou a Resolução 181 pela Partilha da Palestina. Demandando o fim da longa [invasão e] ocupação sionista, os palestinos recorrem ao Direito Internacional e à responsabilização de Israel.

Por Moara Crivelente*, para o Vermelho


Palestinos do campo de refugiados de Aida, na Cisjordânia, fazem funeral simbólico em homenagem às vítimas dos bombardeios israelenses na Faixa de Gaza, em julho, numa demonstração de unidade nacional.


Apesar de um histórico que favoreceu o regime israelense de ocupação e segregação contra os palestinos, a liderança de Israel tem logrado isolar todo o país no cenário internacional, embora não abra mão de um discurso de "vítimas", segundo o qual o mundo inteiro é “antissemita”, inclusive os judeus que se opõem ao sionismo.

Ainda antes da campanha de bombardeios contra a Faixa de Gaza, os palestinos já angariavam apoio contra a expansão da ocupação israelense em seus territórios, cujas práticas incluíram a construção de mais milhares de novas casas nas colônias ilegais (depois da expropriação ou demolição de terras e lares palestinos) e o aumento brutal da repressão contra manifestantes, seus vizinhos, seus irmãos e o resto das suas famílias ou comunidades.


No campo de refugiados de Balata, próximo à cidade de Nablus, na Cisjordânia, um residente apresenta um mapa histórico da Palestina e do avanço israelense (Foto: Daniel Bar-On / no "Haaretz")

Centenas de crianças também foram detidas, interrogadas ou agredidas por soldados israelenses nos territórios palestinos, além de sofrerem atos de vingança por parte de colonos incitados pelos líderes mais extremistas, após o sequestro e assassinato de três jovens israelenses na Cisjordânia, em junho. A repressão militar e os ataques dos colonos custaram 75 vidas aos palestinos do território desde o início de 2014, de acordo com o "Departamento de Negociações" da "Organização para a Libertação da Palestina" (OLP), mas a mídia sionista prefere dar importância apenas às suas próprias vítimas, em recentes atentados de indivíduos ou grupos palestinos contra israelenses, como foi o caso da grande comoção em torno do assassinato de cinco judeus em uma sinagoga, invadida por dois palestinos armados com facas, logo mortos por soldados israelenses.

Nenhuma palavra sobre a sinagoga ser localizada onde era a vila palestina de Deir Yassin, por exemplo, onde ao menos 107 palestinos foram mortos em abril de 1948 por milícias sionistas, o que revela a continuidade de uma história de violência e massacre, principalmente em Jerusalém, onde a vida dos palestinos foi deliberadamente tornada insuportável. Não se trata de “justificar a violência”, mas de traçar seu histórico no esforço de romper o ciclo de repetições ou o vício de taxar os palestinos de “terroristas” sem sentido. Entretanto, como escreveu o colunista israelense (ameaçado de morte por alguns compatriotas devido às suas críticas contra as políticas de massacre do seu governo) Gideon Levy, “em Israel, apenas o sangue israelense choca”.

O resultado dessa abordagem é que, dos mais de 850 ataques dos colonos contra palestinos na Cisjordânia, apenas 7,5% resultaram em punições dos colonos, de acordo com a organização israelense de defesa dos direitos humanos "Yesh Din", citada pela OLP, enquanto 85% dos casos de violência ou assassinato perpetrados pelos soldados foram arquivados. Entre os assassinatos de palestinos, estão casos em que os soldados usaram munições letais para reprimir manifestações que incluíam o arremesso de pedras. Outros foram detidos, taxados de “terroristas”.

Menor "terrorista" lança pedra contra carro de combate na zona invadida e ocupada por Israel

Religião como instrumento da ocupação

Os episódios de violência e ataque por parte dos palestinos rebelados contra israelenses nos territórios ilegalmente [invadidos e] ocupados por eles foram taxados de forma tergiversada de “atos terroristas”, no contexto de “conflitos religiosos”. O politizado conceito de “terrorismo” é impulsionado em todo o mundo especificamente contra árabes e muçulmanos. Além disso, os discursos extremistas de lideranças sionistas, como o ministro da Economia Naftali Bennett (um dos representantes dos colonos no governo israelense) e tantos outros parlamentares, assim como o próprio premiê Benjamin Netanyahu, deram impulso à retrógrada e fundamentalista lei para instituir Israel como “Estado judeu”, aprovada na semana passada, provocando turbulência até mesmo no seio do governo.


O reconhecimento de Israel como “Estado judeu” foi inaugurada por Netanyahu como parte das suas exigências no âmbito das negociações com os palestinos.

A nova medida reforça um sistema já segregacionista que cimenta a categoria de cidadãos de segunda classe para 1,6 milhão de cidadãos palestinos em Israel (com uma população total de 8,1 milhões) e também serve, segundo o próprio Netanyahu, para enterrar de vez a demanda dos refugiados palestinos ao retorno às terras hoje dentro das "novas" fronteiras do Estado de Israel. Atualmente, ao menos cinco milhões de palestinos estão refugiados ou na diáspora em todo o mundo.

Como dizia Yasser Arafat e outras lideranças palestinas, empurrar a questão para o terreno religioso é uma estratégia para torná-lo intratável. Este é um conflito político e nacional, resultante do movimento europeu de colonização da Palestina e do imperialismo sionista, ideologia racista e colonialista gestada no fim do século 19 e que culminou na criação do Estado de Israel, em 1948.

A escalada da violência em Jerusalém não se baseia essencialmente na religião, nem especificamente na importante Mesquita Al-Aqsa, tida como alvo por extremistas judeus que apelam por sua destruição para a reconstrução de um Templo (embora outros reivindiquem apenas acesso ao local, também considerado sagrado para o Judaísmo). A situação é deliberadamente incendiada pelas políticas sistemáticas de exclusão e expulsão dos residentes árabe-palestinos e por suas condições precárias de vida em sua porção da cidade, Jerusalém Oriental, também ocupada e irregularmente anexada por Israel através de uma lei que “expande a jurisdição” israelense, adotada ainda em 1980.

Direito e solidariedade internacional

Em 2012, mais de 130 países reconheceram o Estado da Palestina na Assembleia Geral da ONU, o que deu impulso à sua estratégia de afirmação como sujeito de Direito Internacional, ainda disposto a dialogar com Israel, mas que terá como alternativa (diante da negativa israelense de tratar assuntos fundamentais para o conflito) a acusação contra os líderes responsáveis por incontáveis episódios de crimes de guerra e até de crimes contra a humanidade.

A possibilidade de adesão da Palestina ao Estatuto de Roma, que constitui o Tribunal Penal Internacional, também causou a reação agressiva de Israel, uma vez que o principal objetivo seria a responsabilização dos seus líderes. Ainda que Israel não seja signatário do Estatuto, o caso poderia ter sido remetido ao Tribunal pelo Conselho de Segurança, mas um consenso que viabilizasse a medida não seria alcançado [certamente os EUA apoiariam Israel].



Em dezembro, a Suíça, depositária da Quarta Convenção de Genebra sobre a proteção dos civis em tempos de guerra (inclusive ocupação militar), pode organizar uma conferência entre os seus 196 signatários, embora o plano já conte com a oposição ativa dos EUA, Israel, Canadá e Austrália, dedicados a pressionar os outros membros da Convenção a rechaçar a sua realização. A iniciativa foi da Palestina para demandar a discussão das diversas violações cometidas por Israel como “Potência Ocupante” dos seus territórios, uma classificação que o regime israelense deliberadamente rechaça, alegando tratarem-se de “territórios em disputa”, e não “ocupados”, numa afronta aos fatos comprovados.

A liderança palestina também vem dialogando com diversos países sobre uma proposta de resolução, a ser apresentada ao Conselho de Segurança da ONU, com um prazo limite para o fim da ocupação, mas enfrenta os mesmos desafios, com o veto certo dos EUA e a oposição de outros membros (alegando que a medida prejudicaria o diálogo com Israel). Ainda, uma nova comissão de inquérito do Conselho de Direitos Humanos da ONU deverá apresentar conclusões em 2015 sobre a conduta do Exército e do governo de Israel durante sua última ofensiva contra a Faixa de Gaza. Entretanto, um relatório que apresentou conclusões nesse sentido, após a ofensiva “Chumbo Fundido” (2008-2009, com mais de 1.400 palestinos mortos) foi engavetado novamente, devido à reação agressiva do governo israelense.

Por tudo isso, os movimentos sociais e indivíduos solidários com a causa palestina têm muito trabalho adiante, para apoiar as estratégias elaboradas pelos palestinos, apesar de seus desafios também internos. Para exigir o fim da ocupação e da impunidade israelenses e o cumprimento da autodeterminação palestina, aqueles que saíram às ruas ou pressionaram seus governos contra o mais recente episódio do genocídio dos palestinos precisam continuar engajados".

FONTE: escrito por Moara Crivelente, cientista política e jornalista, membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) assessorando presidência do Conselho Mundial da Paz. Artigo publicado no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/254400-9).

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