sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

O CAPITALISMO MONOPOLISTA TRANSNACIONAL




Acerca do capitalismo monopolista transnacional

Por Daniel Vaz de Carvalho, de Portugal

"O monopólio penetra imperiosamente em todos os domínios da vida social, independentemente do regime político e de todas as outras contingências.
(Lenine, "O imperialismo estado supremo do capitalismo") 

1 – Do CME ao CMT
2 – Países dominantes e países dominados
3 – CMT e “comércio livre”
4 – “Construtores de uma civilização mundial”

1 – Do CME ao CMT

No início dos anos 70, o capitalismo monopolista de Estado (CME) evidenciava os limites do capitalismo perante o agudizar das suas contradições. Para as superar, bem como à crise que se instalava, restavam duas vias: a progressista de transição para o socialismo, a reacionária neoliberal e imperialista.

Em “A catástrofe iminente e os meios de a conjurar”, Lenine escrevera: “O capitalismo monopolista de Estado é a mais completa preparação para o socialismo, a antecâmara do socialismo, o degrau histórico que nenhum outro degrau intermédio separa daquele a que se chama socialismo”.

Os partidos socialistas/social-democratas [como o PSDB no Brasil] renegando os seus próprios programas em que preconizavam atingir o socialismo pele via reformista, seguiram a sua verdadeira agenda: defender o sistema capitalista e a aliança com o imperialismo, acabando assim por assegurar o domínio do neoliberalismo.

O grande capital encontrara no ultraliberalismo da “escola de Chicago” a justificação teórica para a sua ofensiva contra o CME keynesiano, forçando a instauração de um capitalismo monopolista transnacional (CMT).

Em dezembro de 1970, a "Business Week" postulava: “Sem um governo mundial não pode haver verdadeira economia mundial”, salientando que “doravante, o Estado encontra-se apoiado de modo periclitante entre o seu quadro nacional e o internacional”. [1]

A social-democracia [como o governo PSDB/FHC] aceitou como boas as teses neoliberais (não podemos ignorar os interesses pessoais e materiais envolvidos nestas opções), convencendo-se, ou apenas tentando convencer os demais, que manteria a mesma relação de forças capital-trabalho, que os trabalhadores partilhariam dos aumentos de produtividade e da exploração dos outros povos.

No fundo, aceitavam a tese do “gotejamento”, pela qual o grande capital iria enriquecer ainda mais. Tudo isso, disfarçado com o culto do “mercado”, apresentando-o de forma mecanicista em que as ações humanas perdem conteúdo social e se resumem à hipotética racionalidade e predeterminação do homo economicus.

Uma intensa propaganda pretende que o Estado seja gerido como o comum das famílias, portanto retirando-lhe as funções próprias à sua soberania. O Estado submeter-se-ia totalmente à voracidade do capital transnacional, perdendo inclusive o papel que a social-democracia lhe reservava como protagonista na conciliação de classes a favor do capital. A conciliação passou a submissão, e o protagonismo pertence ao grande capital financeiro.

As privatizações fazem parte do processo de desmantelamento do CME, sendo desde logo, ou posteriormente, absorvidas pelos grandes grupos transnacionais. As regras da UE e a sua “união bancária” visam em absoluto esse objetivo.

A União Europeia (UE) é exemplo da ilusão de criar um sistema capitalista, neste caso transnacional, esvaziado de contradições, perfeitamente racional e solidário. Assim, enquanto os preâmbulos dos tratados e principais diretivas apontam para mais emprego, aumento de riqueza dos cidadãos, solidariedade, crescimento intensivo, a sua prática apenas defende “ûber alles” os interesses dos grandes grupos transnacionais.

O CMT representa o predomínio da oligarquia sobre a democracia: livre circulação de capitais, hipertrofia das atividades improdutivas, repressão dos ideais e movimentos progressistas, expansão e propaganda de ideologias reacionárias. Tudo o que é social e coletivo fica entregue aos exclusivos interesses do lucro capitalista. E chamam a isto eficiência…

2 – Países dominantes e países dominados

O CMT estabelece e torna permanentes relações de dependência entre as nações, relações que não são apenas econômicas, mas também políticas (os tratados), ideológicas (direitos e deveres dos cidadãos e dos povos) e culturais como modelos de comportamento. A libertação das cadeias de dependência implica a superação do CMT.

Objetivamente o CMT visa estabelecer uma repartição internacional da mais-valia a favor do grande capital transnacional, assumindo-se a superpotência imperialista como garante da exploração do proletariado em nível mundial.

O mais favorável desempenho dos países dominantes é apresentado como resultante do seu modelo, tendo em vista a manutenção das relações de dependência e a sua aceitação pelos países dominados.

Na UE, os mecanismos de dependência conduziram os países menos desenvolvidos para a via do subdesenvolvimento, os casos da Grécia e Portugal são evidentes, mas logo na sua esteira estão a Espanha, a Itália, apenas menos pressionados devido à sua dimensão que provocaria o rápido desmoronamento dessa construção imperialista. Quanto aos países da Europa do leste, foram (des)estruturados ao nível do chamado “terceiro mundo”.

A financeirização constitui uma estrutura fundamental de suporte do CMT, sendo a forma de o grande capital tentar escapar à baixa tendencial da taxa de lucro. A função da banca seria transformar dinheiro (capital fictício) em capital produtivo, criando valor. Transformou-se no seu contrário: acumula valor através da usura e transforma-o em capital fictício através da especulação.

A "lei do valor" (transformação do valor em preço de mercado) passa a realizar-se em nível global, controlada pelas transnacionais com nítidos prejuízos para os trabalhadores de todos os países envolvidos e com o poder do Estado capturado nessa lógica.

A extorsão do excedente econômico dos países dominados faz-se pelos juros, pela troca desigual, pela livre transferência de capitais, pela (criminosa) concorrência fiscal e seus “paraísos”, mas também pela emigração altamente qualificada.

À perda de soberania e da autonomia democrática dos Estados corresponde o acréscimo de relações de dependência econômica, monetária, tecnológica, modelos de consumo. Os ataques aos direitos e salários como forma de criar “confiança” ao investimento estrangeiro contribuem para estabelecer uma rede de exploração em nível global sob o controle das transnacionais.

3 – CMT e “comércio livre”

A liberdade de comércio é a liberdade do capital”, escrevia Marx em “Miséria da filosofia”. O CMT elimina limitações nacionais à penetração do capital transnacional, justificando-se com uma aparente neutralidade e eficiência dos mercados, pelos quais se obteria a otimização dos recursos produtivos em nível mundial.

Contudo, essa aparência esconde as relações de produção que suportam os mercados e a forma como atuam nos espaços onde se inserem. Praticamente, todos os mercados estão programados pelas grandes transnacionais, numa ótica monopolista, sob a proteção do imperialismo. O preço é então uma grandeza determinada por esses interesses, frequentemente com o apoio (vergonhoso) de entidades ditas "reguladoras".

Quanto à função reguladora que o mercado poderia desempenhar, desaparece sob a ação dos monopólios e o domínio da finança. Tal função só seria possível entre unidades de dimensão e com fatores de produção equivalentes.

A mera constatação da realidade mostra que o comércio externo baseado na teoria das “vantagens comparativas” (algo completamente fora do contexto!) conduz ao aumento das desigualdades e desequilíbrios estruturais dos países menos competitivos, impedindo a reestruturação das suas economias, estabelecendo relações de dependência e subdesenvolvimento. Tal é evidente no nosso país [Portugal] com as acríticas e alienantes opções europeias.

A “concorrência livre e não falseada” da UE não passa de um sofisma para estabelecer mecanismos de troca desigual. A competição pelo preço mascara a desigualdade dos valores trabalho trocados pela igualdade das taxas de lucro, em vez de: a trabalho igual, salário igual; mesmo capital, mesmo lucro. [2]

A partir do momento em que a OMC escapava de alguma forma às intenções do imperialismo e se tornava um instrumento insuficiente para impor o CMT [3] passou-se à fase a dos tratados transcontinentais como o TPP (acordo de parceria transpacífica), o TTIP, a ser negociado em segredo entre os EUA e a UE (mas em conluio com as grandes transnacionais) e o TISA (tratado de serviços e investimento, em negociação). [4]

Esses tratados são uma arma contra os povos e a formalização institucional do CMT, colocando as transnacionais acima da democracia e do próprio poder dos Estados, nada mais reconhecendo senão esses interesses, movidos por uma insana ambição de maximizar os lucros, lei que sobrepõem a qualquer outra.

De fato, com esses tratados as transnacionais podem submeter totalmente as nações aos seus interesses e penalizá-las caso considerarem que, de alguma forma, as suas perspetivas de lucro foram prejudicadas.

São tratados que vão muito para além do “comércio livre”: visam assegurar o domínio absoluto do CMT tornando a democracia, as aspirações e a vontade dos povos uma ficção. Trata-se de nivelar por baixo em nível mundial a legislação laboral, políticas de taxação de rendimentos e lucros, mas também requisitos de qualidade e sanidade, regulamentações ambientais etc.

Alguns empresários, políticos e os omnipresentes “comentadores” declaram o seu apoio a esse “comércio livre” que possibilitaria a expansão dos mercados. A pergunta que se deve fazer é: a troco de quê para o país e para o seu povo? Ou tal não lhes diz respeito?

4 – “Construtores de uma civilização mundial”

Os ideólogos do CMT defendem os seus políticos como “construtores de uma civilização mundial”. A insanidade dessa obsessão evidencia-se pela mera circunstância de que, para a formação dos EUA como Estado federal, foi necessária uma sangrenta e prolongada guerra, cujas sequelas se mantiveram durante décadas.

O CMT procura criar a ilusão de uma economia mais produtiva, permitindo mais empregos, maiores níveis de desenvolvimento e correção das ineficiências de cada país. Na realidade, resultou num descontrolado aumento das desigualdades e em intermináveis crises.

A ação combinada do capital financeiro e das megaempresas transnacionais levaram as contradições do sistema capitalista para um nível ainda mais gravoso e antagônico. O CMT está a ser imposto através da chantagem do “não há alternativa”, da conspiração e da ingerência, guerras de agressão, desmembramento de Estados, caos social, desastres humanos, apoio (camuflado) ao terrorismo.

A UE ultraliberal integra-se nesse modelo de capitalismo, sem soluções para os problemas que origina, no fundamental escamoteados pelos “analistas” e comentadores de serviço que não ultrapassam o estado de miopia ideológica ou da mera estratégia de desinformação. Uma evidência é a estagnação econômica, desemprego massivo, aumento da pobreza, apesar dos 60 mil milhões que o Banco Central Europeu (BCE) programou despejar mensalmente sobre o sistema financeiro e que não consegue transformar-se em capital produtivo.

As contradições entre as necessidades de desenvolvimento nacional e os interesses das transnacionais são evidentes: o capital transnacional apenas ocorre para os locais onde a taxa de lucro é maior, independentemente de considerações éticas e humanistas. Para serem defendidos os lucros do grande capital, as funções sociais do Estado são destruídas.

A imposição de um modelo que se pretende global e uniforme para todos os povos, regido exclusivamente pelas leis do lucro monopolista, não apenas bloqueia a democracia e o desenvolvimento como destrói a cultura e a identidade de cada povo: em suma a capacidade para decidir o seu destino coletivo.

Sem a transformação das relações de produção, as soluções reformistas apenas conduzem a uma situação instável que a oligarquia reverterá a seu favor. Mas a transformação das relações de produção só é possível realizar por um movimento revolucionário, popular de massas, na base de uma estratégia antimonopolista, indo ao encontro dos mais profundos interesses nacionais. Relembremos que nesse sentido o 25 de ABRIL foi de fato um movimento revolucionário ao definir uma “estratégia antimonopolista”. Logo revertida quando se estabeleceram políticas de direita.

As necessidades de desenvolvimento econômico e social dos povos têm de sobrepor-se às iníquas condições impostas aos Estados para lhe serem proporcionados capitais, e à “racionalidade” dos preços internacionais, que as transnacionais controlam em seu benefício.

O desenvolvimento terá de ser, como é mais que evidente numa entidade coletiva, baseado em custos e benefícios sociais e numa estratégia de longo prazo.

O CMT representa um gravíssimo retrocesso civilizacional em todos os campos da atividade humana e mostra que o capitalismo atingiu o seu limite como fator de desenvolvimento, mergulhando a humanidade em quatro crises insuperáveis nesse sistema: a crise económica e financeira, a crise social, a crise ambiental e a crise belicista. A alternativa a esse sistema é a transformação das relações de produção e a opção libertadora pela paz e pelo socialismo."

[1] Business Week de 19/12/1970, Special Report, citado em “A economia mundial capitalista Vol. II”, Christian Palloix, Ed. Estampa, 1972, p. 188
[2] Idem, p. 68
[3] Acerca das recentes posições da OMC ver: A nova estratégia de negociação comercial do imperialismo , Prabhat Patnaik,
[4] Ver: O tratado de comércio livre EUA-UE: a grande golpada , Daniel Vaz de Carvalho, e O Acordo TPP: o tratado de comércio livre mais agressivo da História , Florentino Lopez Martinez

FONTE: escrito por Daniel Vaz de Carvalho, de Portugal. Este artigo encontra-se em http://resistir.info/. Transcrito no "Pátria Latina"  (http://www.patrialatina.com.br/acerca-do-capitalismo-monopolista-transnacional/).

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