terça-feira, 5 de janeiro de 2016

PARA ENTENDER O CONFLITO ENTRE IRÃ E ARÁBIA SAUDITA





Para entender o conflito entre Irã e Arábia Saudita


Do "Jornal GGN"

"Gustavo Chacra, especialista em política internacional do [jornal tucano israeloamericanófilo] "Estadão", explica as razões para o conflito entre o Irã e a Arábia Saudita. Segundo ele, há diversas disputas em andamento no Oriente Médio, mas a mais importante envolve os dois países, que apoiam lados opostos em conflitos na Síria, Iraque, Bahrain e Yemen, assim como grupos políticos rivais no Líbano.

No caso da Síria, Irã está ao lado do regime de Assad, enquanto a Arábia Saudita dá suporte a grupos extremistas sunitas da oposição, como o "Jaysh al Islam" e a "Frente Nusrah" (Al Qaeda). O estopim foi a execução, por parte do regime saudita, de 47 pessoas, incluindo um clérigo xiita, crítico da política da monarquia contra a minoria xiita do país.

Guia para entender o conflito entre Irã e Arábia Saudita

Por Gustavo Chacra

Há um conflito entre o Ocidente e o Mundo Islâmico?

Ao contrário do que muitos propagam, não há um conflito entre o mundo islâmico e o Ocidente. Afinal, se houvesse, seriam cristãos (ou ateus), e não muçulmanos, sejam eles curdos, árabes ou persas, lutando contra o ISIS, também conhecido como "Grupo Estado Islâmico" ou "Daesh", na Síria e no Iraque. Todos os países de maioria islâmica do mundo, com as exceções do Irã, Síria (laica e em guerra civil) e Sudão são aliados dos EUA. E, não podemos esquecer, o regime sírio e o iraniano estão na vanguarda da luta contra o ISIS e contra a Al Qaeda, que também são, oficialmente, inimigos de todos os países de maioria islâmica. A popularidade do ISIS é maior em alguma nações europeias do que no Líbano (0% de apoio) e na Jordânia, que fazem fronteira com a Síria.

Mas há um conflito entre Irã e Arábia Saudita, duas nações islâmicas?

Há uma série de disputas em andamento no Oriente Médio. Mas, a mais importante envolve a Arábia Saudita e o Irã. Esses dois países apoiam lados opostos em conflitos na Síria, Iraque, Bahrain e Yemen e apoiam agrupamentos políticos rivais no Líbano.

Esse conflito é entre xiitas e sunitas?

Muitos descrevem um conflito entre sunitas e xiitas. Em parte e dependendo do lugar, realmente colocam seguidores de uma vertente do islamismo contra a outra. Esse é o caso do Iraque e de Bahrain. Também, no Líbano, onde não há guerra, mas uma coalizão política, apoiada pelo Irã, reúne os xiitas e a maioria dos cristãos, enquanto a outra, com o suporte saudita, reúne os sunitas e uma minoria dos cristãos. Na Síria, essa divisão não se aplica. Afinal, os xiitas são apenas 2% da população. O Irã está ao lado do regime de Assad, que conta com o apoio dos cristãos (10% da população), alauítas (10%), a maioria dos drusos (10%) e dos sunitas árabes moderados (10%). A Arábia Saudita dá suporte a grupos extremistas sunitas da oposição, como o "Jaysh al Islam" e a "Frente Nusrah" (Al Qaeda). Os curdos sírios (sunitas), são neutros, mas toleram Assad e lutam contra os rebeldes.

Sunitas e xiitas sempre foram inimigos?

Sempre houve problemas, desde o início do islamismo. Os cristãos e os judeus, por séculos, eram bem mais integrados aos sunitas do que os xiitas aos sunitas. Mas houve momentos de muita coexistência, sendo comum casamentos de xiitas com sunitas no Líbano e no Iraque, por exemplo. Soldados iraquianos xiitas defenderam o regime de Saddam (laico, embora sunita de nascimento) contra o Irã, xiita. O Hezbollah, até uma década atrás, desfrutava de enorme popularidade entre sunitas no mundo árabe mesmo sendo xiita.

Por que o cenário se agravou agora?

Arábia Saudita e Irã sempre evitaram confrontos diretos. Atuavam em uma Guerra Fria muito similar à que existiu por décadas entre EUA e Rússia. Mas o regime saudita, o mais conservador do mundo, em apenas um dia executou 47 pessoas, incluindo um clérigo xiita, que criticava a política de quase Apartheid da monarquia contra a minoria xiita do país. Essa atitude revoltou o regime de Teerã. Manifestantes invadiram e atearam fogo à Embaixada saudita na capital iraniana e até o aiatolá Khamanei prometeu uma dura resposta.

Quem é mais extremista, Irã ou Arábia Saudita?

Apenas para frisar, o Irã, embora possua uma sociedade sofisticada, é governada por um regime teocrático que segue uma vertente radical do islamismo xiita (xiita não significa extremista). Existe uma série de restrições religiosas, mas as mulheres e as minorias cristãs e judaicas possuem infinitamente mais liberdades do que na Arábia Saudita, embora menos do que no Líbano ou na Tunísia, por exemplo – os bahai, no entanto, são perseguidos. A não ser por raros expatriados, não há judeus e cristãos na Arábia Saudita. Os xiitas são perseguidos. Mulheres sofrem um quase Apartheid. A Arábia Saudita é, portanto, mais radical. Isso não significa, em hipótese alguma, que o Irã seja liberal.

Qual a relação do Irã e da Arábia Saudita com o ISIS?

O Boko Haram, o ISIS, a Al Qaeda e o Al Shebab seguem o wahabismo, uma vertente ultraconservadora do islamismo sunita propagada pela Arábia Saudita. O ISIS considera o Irã seu maior inimigo. O regime saudita, formalmente, também é inimigo dessa organização, apesar de suspeitas de que, no passado, braços do serviço de inteligência saudita tenham dado suporte a essa organização. O Hezbollah, inimigo de Israel, é xiita e tem apoio do Irã. No Líbano, por questões de política doméstica complexas e sem relação com Israel, o Hezbollah é aliado dos principais partidos cristãos.

Qual a relação do Irã e da Arábia Saudita com os EUA e com Israel?

O Irã é inimigo dos EUA, mas houve um acordo no ano passado estritamente na área nuclear, envolvendo outras potências (Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha). Israel, retoricamente, seria o maior inimigo dos iranianos, mas o regime de Teerã, na prática, trata a Arábia Saudita como seu maior rival

A Arábia Saudita é aliada histórica dos EUA, mas houve deterioração nas relações no governo Obama. Israel, embora não tenha relações formais com os sauditas, age em coordenação no campo diplomático em Washington em oposição ao Irã e troca informações no campo militar."

FONTE: escrito por Guga Chacra, blogueiro de política internacional do "Estadão" e comentarista do programa "Globo News Em Pauta" em Nova York [ambos veículos tradicionalmente israeloamericanófilos]. É mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo" no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da "Folha" em Buenos Aires. Artigo transcrito no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/noticia/para-entender-o-conflito-entre-ira-e-arabia-saudita). [Trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].

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