Hassan Rohani e Xi Jinping
O Irã é a Nova China?
"Se o Irã engajar-se com sucesso num programa de desenvolvimento econômico de estilo chinês, ampliará sua significação e o próprio status geopolítico.
Por Pepe Escobar, na Telesur
Hoje, já praticamente se tem de sortear na moedinha, para indicar qual o trabalhador mais ativo e empenhado nos negócios da geopolítica: se Xi Jinping da China, ou Hassan Rouhani do Irã.
As respectivas rotas cruzaram-se espetacularmente semana passada em Teerã, quando Xi e Rouhani firmaram uma parceria estratégica crucial. As duas nações decidiram aumentar o comércio bilateral entre elas para US$ 600 bilhões ao longo da próxima década. Em termos geoestratégicos, como já comentei, foi jogada de mestre(s).
Pequim vê o Irã, não só para o Sudoeste Asiático mas para toda a Eurásia, como o eixo essencial de qualquer movimento que vise a fazer frente ao muito propagandeado “pivô para a Ásia” centrado na hegemonia naval dos EUA. Não surpreende que Xi tenha deixado bem claro que o Irã será integrado à Organização de Cooperação de Xangai (OCX) como membro pleno, ainda durante 2016.
Parceria estratégica implica pleno apoio de Pequim ao renascimento econômico-político-diplomático do Irã em todo o arco que se estende do Golfo Persa ao Cáspio – e além. O arco também cobre todas as cruciais Novas Rotas da Seda marítimas e terrestres, vitalmente importantes para a projeção global do sonho chinês cunhado por Xi.
E então, poucos dias depois, Rouhani já estava em Roma, em afetuoso encontro a portas fechadas com o Papa Francisco, depois de ter assinado US$ 17 bilhões em vários negócios.
Essa atividade frenética pós-sanções só faz ressaltar, em perspectiva, o absurdo que foi a crise nuclear iraniana integralmente fabricada em Washington. Realismo geopolítico na Europa e na Ásia não pode ignorar uma nação localizada na intersecção dos quatro mundos – mundo árabe, mundo turco, mundo indiano e mundo russo – ainda subestimada em seu papel de ponto de entrada e saída para o vasto conjunto Cáucaso-Ásia Central, que também inclui o Afeganistão.
Geoestrategicamente, como derradeiro entroncamento eurasiano, o Irã é imbatível, conectando o Oriente Médio, o Cáucaso, a Ásia Central, o subcontinente indiano e o Golfo Persa; entre três mares – Cáspio, Golfo Persa e Mar de Omã; relativamente próximo do Mediterrâneo e da Europa; e junto à porta de entrada para a Ásia.
Xi nem teve de falar sobre política explícita em Teerã; bastou-lhe assinar negócio depois de negócio, que já deixou impressão profunda também no campo político. A tendência de longo prazo, inevitavelmente, é a da visão chinesa de Um Cinturão, uma Estrada, que preencherá o hiato rumo a uma liderança sino-russa em toda a Eurásia, e que se traduz, na prática, em ir deixando de lado o continuum imperial britânico-norte-americano. Ao mesmo tempo, Itália e França, durante o tour europeu de Rouhani, mantiveram-se mutuamente ocupadíssimas brincando de pega-pega.
Quando Khamenei vira Deng
A cena frenética desse Irã pós-sanções afinal interrompe a incansável demonização obrada pelo ocidente e lança as bases para o desenvolvimento econômico em todas as esferas. A República Islâmica do Irã enfrentou tremenda dificuldade ao longo dos últimos 36 anos – tão terrível, que teria partido a espinha dorsal de sociedade menos bem servida de recursos.
Nos últimos dez anos, as sanções custaram ao Irã pelo menos 480 bilhões de euros; equivale a um ano inteiro do PIB iraniano. Em mundo no qual não reinassem os suspeitos de sempre da oligarquia financeira, Teerã teria bases jurídicas e morais para levar Washington aos tribunais, e arrancar-lhe a frio todos os dentes.
Quanto ao meme da “agressão iraniana” – o qual, por falar dele, persiste –, não passa de sórdida piada imperial. O Irã gasta 3,9% do PIB na Defesa; compare com os 10,3% da "hacienda de petróleo" que é a Casa de Saud. No total, o Irã gasta sete vezes menos em Defesa que as petromonarquias do Golfo, que não sobrevivem sem receber armas de (principalmente) EUA, Grã-Bretanha e França.
A estrada à frente, para o Irã, será cheia de obstáculos. Graves problemas dentre os quais corrupção, burocratas incompetentes e setores econômicos reservados para interesses especiais, ou fechados a qualquer investimento estrangeiro. Setores da elite no poder – como as "bonyads" (em persa, “fundações religiosas”) e o "pasdaran" (em persa, o Corpo de Guardas Revolucionários da República Islâmica) – não dão sinais de interesse em abandonar o controle que têm sobre setores vitais da economia nacional. A abertura econômica do Irã acelerará inevitavelmente a transformação social do país.
O que acontecer na sequência dependerá muito das cruciais eleições de fevereiro – que elegerão um novo Majlis (Parlamento) e uma nova Assembleia dos Sábios encarregada de escolher o próximo Supremo Líder.
O Irã é caso geopolítico único – de república cuja legitimidade advém simultaneamente do Islã e do voto universal. Pode não ser a democracia parlamentar ocidental clássica, mas tampouco é variante do autoritarismo nu e cru da Arábia Saudita. Há em ação um sistema complexo de pesos e contrapesos, que envolve a presidência, o Parlamento, o Conselho dos Guardiões, a Assembléia dos Sábios e diferentes corpos como o Conselho do Discernimento e o Conselho de Segurança Nacional.
O Supremo Líder Aiatolá Khamenei deixou muito claro que dedicará atenção especial às consequências de uma abertura econômica que pode debilitar a ideologia revolucionária da República Islâmica. Certo é que o Supremo Líder – como árbitro – preservará o cuidadoso equilíbrio das forças políticas no Irã.
Significa na prática que a Equipe Rouhani não será liberada para extrair ilimitado capital político da abertura econômica, ao mesmo tempo em que a transformação social e cultural do país não será sinônimo de invasão cultural pelo ocidente.
O acordo nuclear firmado em Viena no verão passado foi nada menos que evento geopolítico sísmico no Irã. Internamente, selou um consenso entre a máquina de estado de Teerã e a maioria da população, que desejava que o país voltasse a ser nação “normal”.
Agora vem a parte mais difícil. O cenário mais provável parece ser uma República Islâmica do Irã engajada num programa de desenvolvimento à moda chinesa. Uma espécie de remix persa de “enriquecer é glorioso”, sob estrito controle político.
Aí, há uma pergunta inescapável: estamos todos preparados para o novo papel do Supremo Líder, como um Deng Xiaoping iraniano? "
FONTE: escrito por Pepe Escobar, na Telesur. Transcrito no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/275998-9).
Por Pepe Escobar, na Telesur
Hoje, já praticamente se tem de sortear na moedinha, para indicar qual o trabalhador mais ativo e empenhado nos negócios da geopolítica: se Xi Jinping da China, ou Hassan Rouhani do Irã.
As respectivas rotas cruzaram-se espetacularmente semana passada em Teerã, quando Xi e Rouhani firmaram uma parceria estratégica crucial. As duas nações decidiram aumentar o comércio bilateral entre elas para US$ 600 bilhões ao longo da próxima década. Em termos geoestratégicos, como já comentei, foi jogada de mestre(s).
Pequim vê o Irã, não só para o Sudoeste Asiático mas para toda a Eurásia, como o eixo essencial de qualquer movimento que vise a fazer frente ao muito propagandeado “pivô para a Ásia” centrado na hegemonia naval dos EUA. Não surpreende que Xi tenha deixado bem claro que o Irã será integrado à Organização de Cooperação de Xangai (OCX) como membro pleno, ainda durante 2016.
Parceria estratégica implica pleno apoio de Pequim ao renascimento econômico-político-diplomático do Irã em todo o arco que se estende do Golfo Persa ao Cáspio – e além. O arco também cobre todas as cruciais Novas Rotas da Seda marítimas e terrestres, vitalmente importantes para a projeção global do sonho chinês cunhado por Xi.
E então, poucos dias depois, Rouhani já estava em Roma, em afetuoso encontro a portas fechadas com o Papa Francisco, depois de ter assinado US$ 17 bilhões em vários negócios.
Essa atividade frenética pós-sanções só faz ressaltar, em perspectiva, o absurdo que foi a crise nuclear iraniana integralmente fabricada em Washington. Realismo geopolítico na Europa e na Ásia não pode ignorar uma nação localizada na intersecção dos quatro mundos – mundo árabe, mundo turco, mundo indiano e mundo russo – ainda subestimada em seu papel de ponto de entrada e saída para o vasto conjunto Cáucaso-Ásia Central, que também inclui o Afeganistão.
Geoestrategicamente, como derradeiro entroncamento eurasiano, o Irã é imbatível, conectando o Oriente Médio, o Cáucaso, a Ásia Central, o subcontinente indiano e o Golfo Persa; entre três mares – Cáspio, Golfo Persa e Mar de Omã; relativamente próximo do Mediterrâneo e da Europa; e junto à porta de entrada para a Ásia.
Xi nem teve de falar sobre política explícita em Teerã; bastou-lhe assinar negócio depois de negócio, que já deixou impressão profunda também no campo político. A tendência de longo prazo, inevitavelmente, é a da visão chinesa de Um Cinturão, uma Estrada, que preencherá o hiato rumo a uma liderança sino-russa em toda a Eurásia, e que se traduz, na prática, em ir deixando de lado o continuum imperial britânico-norte-americano. Ao mesmo tempo, Itália e França, durante o tour europeu de Rouhani, mantiveram-se mutuamente ocupadíssimas brincando de pega-pega.
Quando Khamenei vira Deng
A cena frenética desse Irã pós-sanções afinal interrompe a incansável demonização obrada pelo ocidente e lança as bases para o desenvolvimento econômico em todas as esferas. A República Islâmica do Irã enfrentou tremenda dificuldade ao longo dos últimos 36 anos – tão terrível, que teria partido a espinha dorsal de sociedade menos bem servida de recursos.
Nos últimos dez anos, as sanções custaram ao Irã pelo menos 480 bilhões de euros; equivale a um ano inteiro do PIB iraniano. Em mundo no qual não reinassem os suspeitos de sempre da oligarquia financeira, Teerã teria bases jurídicas e morais para levar Washington aos tribunais, e arrancar-lhe a frio todos os dentes.
Quanto ao meme da “agressão iraniana” – o qual, por falar dele, persiste –, não passa de sórdida piada imperial. O Irã gasta 3,9% do PIB na Defesa; compare com os 10,3% da "hacienda de petróleo" que é a Casa de Saud. No total, o Irã gasta sete vezes menos em Defesa que as petromonarquias do Golfo, que não sobrevivem sem receber armas de (principalmente) EUA, Grã-Bretanha e França.
A estrada à frente, para o Irã, será cheia de obstáculos. Graves problemas dentre os quais corrupção, burocratas incompetentes e setores econômicos reservados para interesses especiais, ou fechados a qualquer investimento estrangeiro. Setores da elite no poder – como as "bonyads" (em persa, “fundações religiosas”) e o "pasdaran" (em persa, o Corpo de Guardas Revolucionários da República Islâmica) – não dão sinais de interesse em abandonar o controle que têm sobre setores vitais da economia nacional. A abertura econômica do Irã acelerará inevitavelmente a transformação social do país.
O que acontecer na sequência dependerá muito das cruciais eleições de fevereiro – que elegerão um novo Majlis (Parlamento) e uma nova Assembleia dos Sábios encarregada de escolher o próximo Supremo Líder.
O Irã é caso geopolítico único – de república cuja legitimidade advém simultaneamente do Islã e do voto universal. Pode não ser a democracia parlamentar ocidental clássica, mas tampouco é variante do autoritarismo nu e cru da Arábia Saudita. Há em ação um sistema complexo de pesos e contrapesos, que envolve a presidência, o Parlamento, o Conselho dos Guardiões, a Assembléia dos Sábios e diferentes corpos como o Conselho do Discernimento e o Conselho de Segurança Nacional.
O Supremo Líder Aiatolá Khamenei deixou muito claro que dedicará atenção especial às consequências de uma abertura econômica que pode debilitar a ideologia revolucionária da República Islâmica. Certo é que o Supremo Líder – como árbitro – preservará o cuidadoso equilíbrio das forças políticas no Irã.
Significa na prática que a Equipe Rouhani não será liberada para extrair ilimitado capital político da abertura econômica, ao mesmo tempo em que a transformação social e cultural do país não será sinônimo de invasão cultural pelo ocidente.
O acordo nuclear firmado em Viena no verão passado foi nada menos que evento geopolítico sísmico no Irã. Internamente, selou um consenso entre a máquina de estado de Teerã e a maioria da população, que desejava que o país voltasse a ser nação “normal”.
Agora vem a parte mais difícil. O cenário mais provável parece ser uma República Islâmica do Irã engajada num programa de desenvolvimento à moda chinesa. Uma espécie de remix persa de “enriquecer é glorioso”, sob estrito controle político.
Aí, há uma pergunta inescapável: estamos todos preparados para o novo papel do Supremo Líder, como um Deng Xiaoping iraniano? "
FONTE: escrito por Pepe Escobar, na Telesur. Transcrito no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/275998-9).
2 comentários:
PREPARADOS OU NAO O IRÃ TEM QUE SEGUIR SEU CAMINHO. Nao cabe a nenhum país dizer a ele o que deve ou tem de fazer e sim ao proprio IRÃ.Ninguem pode construir armas de destruiçao em massa cada dia mais sofisticada e poderosa e exigir que este ou aquele nao crie sua propria tecnologia.É assim que funciona: NÓS A POTENCIA DO OCIDENTE COMANDADA POR UMA OTAN QUE É COMANDADA POR UMA POTENCIA PREPOTENTE, fabrica o que bem quer quando quer. como quer mais naoi quer que os outros façam o mesmo para nao ter o mesmo poder de fogo e ficar subjulgada as potencias que tem.Os acordos entre Irã e China sao uma grande oportunidade para que essas naçoes unidas a Coreia do Norte,e principalmente a Russia criem um elo muito forte e intransponivel e ´possam enfrentar a tirania do ocidente. do contrario o mundo vai desabar. por que o ocidente nao tem coraçao. so armas - quando nao sao as letais sao as economicas
Ao Edson Tadeu,
Também acho indevida essa ingerência no Irã. Ela existe principalmente porque Israel não quer nenhum obstáculo para ser a única potência atômica da região e continuar invadindo e ocupando impunemente a Palestina, a Síria (Golan), o Líbano, e os EUA são comandados pelo poder financeiro do lobby judeu. Além disso, há interferência negativa no Irã vinda da Arábia Saudita e Qatar, com viés religioso. O cenário complica-se ainda mais com o petróleo e a vontade do Irã de fugir do petrodólar.
Maria Tereza
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