segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O IRÃ É A NOVA CHINA?


                      Hassan Rohani e Xi Jinping 


O Irã é a Nova China?

"Se o Irã engajar-se com sucesso num programa de desenvolvimento econômico de estilo chinês, ampliará sua significação e o próprio status geopolítico.

Por Pepe Escobar, na Telesur

Hoje, já praticamente se tem de sortear na moedinha, para indicar qual o trabalhador mais ativo e empenhado nos negócios da geopolítica: se Xi Jinping da China, ou Hassan Rouhani do Irã.

As respectivas rotas cruzaram-se espetacularmente semana passada em Teerã, quando Xi e Rouhani firmaram uma parceria estratégica crucial. As duas nações decidiram aumentar o comércio bilateral entre elas para US$ 600 bilhões ao longo da próxima década. Em termos geoestratégicos, como já comentei, foi jogada de mestre(s).

Pequim vê o Irã, não só para o Sudoeste Asiático mas para toda a Eurásia, como o eixo essencial de qualquer movimento que vise a fazer frente ao muito propagandeado “pivô para a Ásia” centrado na hegemonia naval dos EUA. Não surpreende que Xi tenha deixado bem claro que o Irã será integrado à Organização de Cooperação de Xangai (OCX) como membro pleno, ainda durante 2016.

Parceria estratégica implica pleno apoio de Pequim ao renascimento econômico-político-diplomático do Irã em todo o arco que se estende do Golfo Persa ao Cáspio – e além. O arco também cobre todas as cruciais Novas Rotas da Seda marítimas e terrestres, vitalmente importantes para a projeção global do sonho chinês cunhado por Xi.

E então, poucos dias depois, Rouhani já estava em Roma, em afetuoso encontro a portas fechadas com o Papa Francisco, depois de ter assinado US$ 17 bilhões em vários negócios.

Essa atividade frenética pós-sanções só faz ressaltar, em perspectiva, o absurdo que foi a crise nuclear iraniana integralmente fabricada em Washington. Realismo geopolítico na Europa e na Ásia não pode ignorar uma nação localizada na intersecção dos quatro mundos – mundo árabe, mundo turco, mundo indiano e mundo russo – ainda subestimada em seu papel de ponto de entrada e saída para o vasto conjunto Cáucaso-Ásia Central, que também inclui o Afeganistão.

Geoestrategicamente, como derradeiro entroncamento eurasiano, o Irã é imbatível, conectando o Oriente Médio, o Cáucaso, a Ásia Central, o subcontinente indiano e o Golfo Persa; entre três mares – Cáspio, Golfo Persa e Mar de Omã; relativamente próximo do Mediterrâneo e da Europa; e junto à porta de entrada para a Ásia.

Xi nem teve de falar sobre política explícita em Teerã; bastou-lhe assinar negócio depois de negócio, que já deixou impressão profunda também no campo político. A tendência de longo prazo, inevitavelmente, é a da visão chinesa de Um Cinturão, uma Estrada, que preencherá o hiato rumo a uma liderança sino-russa em toda a Eurásia, e que se traduz, na prática, em ir deixando de lado o continuum imperial britânico-norte-americano. Ao mesmo tempo, Itália e França, durante o tour europeu de Rouhani, mantiveram-se mutuamente ocupadíssimas brincando de pega-pega.

Quando Khamenei vira Deng

A cena frenética desse Irã pós-sanções afinal interrompe a incansável demonização obrada pelo ocidente e lança as bases para o desenvolvimento econômico em todas as esferas. A República Islâmica do Irã enfrentou tremenda dificuldade ao longo dos últimos 36 anos – tão terrível, que teria partido a espinha dorsal de sociedade menos bem servida de recursos.

Nos últimos dez anos, as sanções custaram ao Irã pelo menos 480 bilhões de euros; equivale a um ano inteiro do PIB iraniano. Em mundo no qual não reinassem os suspeitos de sempre da oligarquia financeira, Teerã teria bases jurídicas e morais para levar Washington aos tribunais, e arrancar-lhe a frio todos os dentes.

Quanto ao meme da “agressão iraniana” – o qual, por falar dele, persiste –, não passa de sórdida piada imperial. O Irã gasta 3,9% do PIB na Defesa; compare com os 10,3% da "hacienda de petróleo" que é a Casa de Saud. No total, o Irã gasta sete vezes menos em Defesa que as petromonarquias do Golfo, que não sobrevivem sem receber armas de (principalmente) EUA, Grã-Bretanha e França.

A estrada à frente, para o Irã, será cheia de obstáculos. Graves problemas dentre os quais corrupção, burocratas incompetentes e setores econômicos reservados para interesses especiais, ou fechados a qualquer investimento estrangeiro. Setores da elite no poder – como as "bonyads" (em persa, “fundações religiosas”) e o "pasdaran" (em persa, o Corpo de Guardas Revolucionários da República Islâmica) – não dão sinais de interesse em abandonar o controle que têm sobre setores vitais da economia nacional. A abertura econômica do Irã acelerará inevitavelmente a transformação social do país.

O que acontecer na sequência dependerá muito das cruciais eleições de fevereiro – que elegerão um novo Majlis (Parlamento) e uma nova Assembleia dos Sábios encarregada de escolher o próximo Supremo Líder.

O Irã é caso geopolítico único – de república cuja legitimidade advém simultaneamente do Islã e do voto universal. Pode não ser a democracia parlamentar ocidental clássica, mas tampouco é variante do autoritarismo nu e cru da Arábia Saudita. Há em ação um sistema complexo de pesos e contrapesos, que envolve a presidência, o Parlamento, o Conselho dos Guardiões, a Assembléia dos Sábios e diferentes corpos como o Conselho do Discernimento e o Conselho de Segurança Nacional.

O Supremo Líder Aiatolá Khamenei deixou muito claro que dedicará atenção especial às consequências de uma abertura econômica que pode debilitar a ideologia revolucionária da República Islâmica. Certo é que o Supremo Líder – como árbitro – preservará o cuidadoso equilíbrio das forças políticas no Irã.

Significa na prática que a Equipe Rouhani não será liberada para extrair ilimitado capital político da abertura econômica, ao mesmo tempo em que a transformação social e cultural do país não será sinônimo de invasão cultural pelo ocidente.

O acordo nuclear firmado em Viena no verão passado foi nada menos que evento geopolítico sísmico no Irã. Internamente, selou um consenso entre a máquina de estado de Teerã e a maioria da população, que desejava que o país voltasse a ser nação “normal”.

Agora vem a parte mais difícil. O cenário mais provável parece ser uma República Islâmica do Irã engajada num programa de desenvolvimento à moda chinesa. Uma espécie de remix persa de “enriquecer é glorioso”, sob estrito controle político.

Aí, há uma pergunta inescapável: estamos todos preparados para o novo papel do Supremo Líder, como um Deng Xiaoping iraniano? "


FONTE: escrito por Pepe Escobar, na Telesur. Transcrito no portal "Vermelho"  (http://www.vermelho.org.br/noticia/275998-9).

2 comentários:

brasilpensador.blogspot.com disse...

PREPARADOS OU NAO O IRÃ TEM QUE SEGUIR SEU CAMINHO. Nao cabe a nenhum país dizer a ele o que deve ou tem de fazer e sim ao proprio IRÃ.Ninguem pode construir armas de destruiçao em massa cada dia mais sofisticada e poderosa e exigir que este ou aquele nao crie sua propria tecnologia.É assim que funciona: NÓS A POTENCIA DO OCIDENTE COMANDADA POR UMA OTAN QUE É COMANDADA POR UMA POTENCIA PREPOTENTE, fabrica o que bem quer quando quer. como quer mais naoi quer que os outros façam o mesmo para nao ter o mesmo poder de fogo e ficar subjulgada as potencias que tem.Os acordos entre Irã e China sao uma grande oportunidade para que essas naçoes unidas a Coreia do Norte,e principalmente a Russia criem um elo muito forte e intransponivel e ´possam enfrentar a tirania do ocidente. do contrario o mundo vai desabar. por que o ocidente nao tem coraçao. so armas - quando nao sao as letais sao as economicas

Unknown disse...

Ao Edson Tadeu,
Também acho indevida essa ingerência no Irã. Ela existe principalmente porque Israel não quer nenhum obstáculo para ser a única potência atômica da região e continuar invadindo e ocupando impunemente a Palestina, a Síria (Golan), o Líbano, e os EUA são comandados pelo poder financeiro do lobby judeu. Além disso, há interferência negativa no Irã vinda da Arábia Saudita e Qatar, com viés religioso. O cenário complica-se ainda mais com o petróleo e a vontade do Irã de fugir do petrodólar.
Maria Tereza