quinta-feira, 29 de novembro de 2012

POR QUE É [TERIA SIDO] CERTO INDICIAR POLICARPO (“Veja”)

[O editor da “Veja” Policarpo Júnior, apontado (com base em escutas da PF) como integrante da quadrilha Cachoeira/Demóstenes]

“Antes de tudo: não acredito que o jornalista Policarpo Júnior tenha tido, em suas relações com Carlinhos Cachoeira, a intenção de obter nada além de furos. Isso posto, do ponto de vista estritamente jornalístico, Policarpo foi longe demais em sua busca de notícias, como os fatos deixaram claro.

Por Paulo Nogueira [ex-editor da "Veja" e diretor da "Globo"], em seu blog “Diário do Centro do Mundo”

Policarpo infringiu uma lei capital do bom jornalismo, enunciada há mais de um século por um dos mais brilhantes jornalistas da história, Joseph Pulitzer: “Jornalista não tem amigo”.

Pulitzer sabia que a amizade acaba influenciando o discernimento do jornalista, e subtraindo dele a capacidade de enxergar objetivamente sua fonte. É um preço muito alto para o bom jornalismo.

Os telefonemas trocados entre [o criminoso] Cachoeira e Policarpo não mostram cumplicidade, no sentido pejorativo de companheirismo em delinquências. Mas revelam intimidade inaceitável no bom jornalismo, uma camaradagem que vai além dos limites do que é razoável.

Tiremos o excesso das palavras que têm varrido as discussões políticas, jurídicas e ideológicas no Brasil. Somos, subitamente, a pátria dos “quadrilheiros”. Policarpo está longe de se enquadrar, tecnicamente, nessa categoria, e disso estou certo. Não vararia madrugada em redação se recebesse de Cachoeira mais que dossiês.

Mas, por ter se tornado "tão próximo de Cachoeira", ele acabou se deixando usar por um grupo no qual o interesse público era provavelmente a última coisa que importava. Logo, havia um envenenamento, já na origem, nas informações que ele recebia e publicava. Que Policarpo não se tenha dado conta do pântano em que pescava "denúncias" não depõe a favor de sua capacidade de observar, mas miopia não é crime.

Minha convicção é que ele não terá dificuldades, perante a justiça tão louvada pela mídia por sua atuação no "Mensalão", em provar que fez apenas jornalismo com Cachoeira – ainda que mau jornalismo.
[OBS deste blog 'democracia&política': numa demonstração do seu desmedido poder, e para evitar o risco de, realmente, aparecerem ações criminosas da "Veja" e da mídia da direita em geral, os órgãos de imprensa fizeram fortes gestões e ameaças junto à CPMI que, submissamente, em 28 nov, voltou atrás e retirou do Relatório da CPMI as propostas de investigação da "Veja", de Policarpo e de todos os demais jornalistas, inclusive daqueles que, comprovadamente (segundo a PF), recebiam dinheiro da quadrilha Cachoeira/Demóstenes (DEM) por "serviços"].

Mas é necessário que Policarpo enfrente o mesmo percurso de outros envolvidos neste caso. . Ele [Policarpo] deve à sociedade, e ao jornalismo, explicações. [A Justiça, o MP/PGR, o STF e a mídia não podem ser partidários, parciais, antiPT. Sabemos que há a luta árdua, há 10 anos, pela volta da direita ao poder, mas isso não justifica condenar duramente uns, mesmo que sem provas, e privilegiar com tolerância e engavetamento de processos outros comprovadamente criminosos].

Teria sido [É] infame não arrolá-lo. Isso teria reforçado a ideia de que jornalista é uma categoria à parte, acima do bem e do mal, acima da lei.

Não existe nenhuma ameaça à “imprensa livre”, “imprensa independente” ou “imprensa crítica” quando jornalistas são instados a se explicar à justiça. Essa é uma espécie de chantagem emocional e cínica que a grande mídia [direitista, demotucana] vem fazendo na defesa de sua própria impunidade e intocabilidade. Todos sabemos quantos horrores e desatinos editoriais são cometidos sob o escudo oportuno da “imprensa crítica”. Nos países desenvolvidos, o quadro é outro.

Nessa mesma semana [que passou], a jornalista inglesa Rebekah Brooks, a até pouco atrás “Rainha dos Tabloides” e favorita de seu ex-patrão Rupert Murdoch, foi indiciada pela justiça britânica sob a acusação de ter pagado propinas para policiais em troca de furos para um dos jornais que dirigiu, o ‘The Sun’.”

FONTE: escrito por Paulo Nogueira, em seu blog “Diário do Centro do Mundo”. O autor é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor-assistente da "Veja", editor da "Veja São Paulo", diretor de redação da "Exame", diretor-superintendente de uma unidade de negócios da "Editora Abril" e diretor-editorial da "Editora Globo". Artigo publicado no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=199583&id_secao=1). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].

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