Por Reginaldo Nasser
"As ações da Rússia em relação à crise na Ucrânia desencadearam uma reação de espanto e indignação nos Estados Unidos atingindo, praticamente, todos os setores da sociedade (partidos democrata e republicano, a mídia, analistas políticos e os think tanks) de modo a reavivar uma narrativa de confronto que não se via desde os tempos de Reagan no início da década de 80.
Ora, o que Obama e seus conselheiros esperavam de Putin após o apoio que os EUA e União Europeia deram para a derrubada de um presidente eleito (pró-Rússia) em um dos países mais importantes para a economia e a política russa?
Stephen Walt avalia que essa atitude revela uma combinação de arrogância e ingenuidade. Poderíamos acrescentar o termo hipocrisia já que (quem diria) o direito internacional tornou-se “muito popular” em Washington com a crise na Ucrânia, justamente no país que mais tem desrespeitado as normas internacionais.
Na verdade, as narrativas da diplomacia frequentemente utilizadas pelas grandes potências nada mais são do que tentativas de obter vantagens táticas chamando ao seu auxílio os cânones do direito internacional como principal fonte de legitimidade.
Vejamos como agem os EUA e Rússia a respeito do princípio territorial. Todos nós sabemos que, de acordo com o Direito Internacional vigente, não se pode desmembrar um Estado sem o seu devido consentimento, nem muito menos ser invadido militarmente sem a devida autorização da ONU. Foi nesse sentido que a Rússia invocou os princípios do Direito para criticar a ação militar da OTAN em Kosovo e, posteriormente, a declaração de sua independência como uma afronta à integridade territorial da Sérvia. É justamente no contexto pós-Kosovo que aparece Putin como aquele que teria a responsabilidade de evitar novas humilhações da Rússia perante os ímpetos expansionistas do Ocidente.
Em 2006, foi a vez de a Rússia utilizar o exemplo de Kosovo a seu favor: Putin, então presidente, perguntou: “Se foi concedido ao povo de Kosovo o direito a ter um Estado independente, por que, então, devemos negar esse direito à Abkházia e à Ossétia do Sul?”. Ora, nada mais natural que Putin siga a mesma linha de raciocínio em relação à Crimeia, justificando a defesa de cidadãos de outros países (responsabilidade de proteger) e a garantia da paz na região.
Bem-vindo ao jogo das grandes potências que usam, unica e exclusivamente, a linguagem do direito com o objetivo de legitimar suas ações estratégicas, seja na manutenção ou na alteração do status quo (situação vigente).
Portanto, se quisermos compreender quais as questões que realmente estão em jogo na atual crise devemos recorrer àqueles que pensam em termos de estratégia, como George Kennan, um dos pensadores norte-americanos mais notórios durante o período da Guerra Fria. Logo após o término da Segunda Guerra Mundial, Kennan estabeleceu como objetivo compreender quais eram as motivações da conduta soviética.
Assim, elaborou a doutrina da contenção que, de maneira geral, pautou as ações dos EUA até a desintegração da URSS. Tal doutrina indicava que os EUA não deveriam entrar em confronto direto com os soviéticos, o que não significaria passividade, mas uma ação “política paciente, firme e vigilante de contenção às tendências de um eventual expansionismo soviético”.
Pois bem, o mesmo Kennan se manifestou, no início da década de 90, alertando para o fato de que a expansão da OTAN era um grande equívoco. Pois, à medida que as tropas militares se aproximassem das fronteiras russas, a confiança mútua seria destruída e os velhos medos retornariam com força total.
Infelizmente, durante todos esses anos, com governos democratas ou republicanos, os EUA, não seguiram os conselhos de Kennan no sentido de compreender as percepções dos russos; pelo contrário, partiram para a expansão nas áreas consideradas sagradas pela Rússia: seu entorno de segurança.
Stephen Walt avalia que essa atitude revela uma combinação de arrogância e ingenuidade. Poderíamos acrescentar o termo hipocrisia já que (quem diria) o direito internacional tornou-se “muito popular” em Washington com a crise na Ucrânia, justamente no país que mais tem desrespeitado as normas internacionais.
Na verdade, as narrativas da diplomacia frequentemente utilizadas pelas grandes potências nada mais são do que tentativas de obter vantagens táticas chamando ao seu auxílio os cânones do direito internacional como principal fonte de legitimidade.
Vejamos como agem os EUA e Rússia a respeito do princípio territorial. Todos nós sabemos que, de acordo com o Direito Internacional vigente, não se pode desmembrar um Estado sem o seu devido consentimento, nem muito menos ser invadido militarmente sem a devida autorização da ONU. Foi nesse sentido que a Rússia invocou os princípios do Direito para criticar a ação militar da OTAN em Kosovo e, posteriormente, a declaração de sua independência como uma afronta à integridade territorial da Sérvia. É justamente no contexto pós-Kosovo que aparece Putin como aquele que teria a responsabilidade de evitar novas humilhações da Rússia perante os ímpetos expansionistas do Ocidente.
Em 2006, foi a vez de a Rússia utilizar o exemplo de Kosovo a seu favor: Putin, então presidente, perguntou: “Se foi concedido ao povo de Kosovo o direito a ter um Estado independente, por que, então, devemos negar esse direito à Abkházia e à Ossétia do Sul?”. Ora, nada mais natural que Putin siga a mesma linha de raciocínio em relação à Crimeia, justificando a defesa de cidadãos de outros países (responsabilidade de proteger) e a garantia da paz na região.
Bem-vindo ao jogo das grandes potências que usam, unica e exclusivamente, a linguagem do direito com o objetivo de legitimar suas ações estratégicas, seja na manutenção ou na alteração do status quo (situação vigente).
Portanto, se quisermos compreender quais as questões que realmente estão em jogo na atual crise devemos recorrer àqueles que pensam em termos de estratégia, como George Kennan, um dos pensadores norte-americanos mais notórios durante o período da Guerra Fria. Logo após o término da Segunda Guerra Mundial, Kennan estabeleceu como objetivo compreender quais eram as motivações da conduta soviética.
Assim, elaborou a doutrina da contenção que, de maneira geral, pautou as ações dos EUA até a desintegração da URSS. Tal doutrina indicava que os EUA não deveriam entrar em confronto direto com os soviéticos, o que não significaria passividade, mas uma ação “política paciente, firme e vigilante de contenção às tendências de um eventual expansionismo soviético”.
Pois bem, o mesmo Kennan se manifestou, no início da década de 90, alertando para o fato de que a expansão da OTAN era um grande equívoco. Pois, à medida que as tropas militares se aproximassem das fronteiras russas, a confiança mútua seria destruída e os velhos medos retornariam com força total.
Infelizmente, durante todos esses anos, com governos democratas ou republicanos, os EUA, não seguiram os conselhos de Kennan no sentido de compreender as percepções dos russos; pelo contrário, partiram para a expansão nas áreas consideradas sagradas pela Rússia: seu entorno de segurança.
Atualmente, o debate nos EUA está pautado pelos "Hawks" (“falcões” na política norte-americana refere-se aos políticos que preconizam ações agressivas na política internacional) que pressionam o governo Obama a agir de forma contundente em relação à Rússia, para manter sua credibilidade seriamente abalada com a crise na Síria (avaliam como omissão de Obama).
Os Falcões se esqueceram de que a invasão militar da Georgia pelos russos aconteceu justamente durante o governo Bush? Será que os Falcões iriam tão longe a ponto de propor uma guerra contra a Rússia, sem que os interesses e a segurança dos EUA estivessem ameaçados? Talvez eles saibam que, no fundo, isso é uma loucura e que a opinião publica se colocaria frontalmente contrária a essa proposta.
Deixando de lado os atuais estrategistas e políticos nos EUA, muito apropriadamente, a revista "The Economist", recorreu à fabula da Raposa e Porco-espinho na tentativa de compreender qual o provável cenário. Tal como a raposa, o Ocidente conhece muitas coisas diferentes, mas não sabe o que realmente quer, enquanto Putin é como o porco-espinho que sabe apenas uma grande coisa, ou seja, que a Ucrânia, especialmente no sul e leste, pertence à Rússia, e irá soltar seus espinhos para mantê-la assim. (ver Isaiah Berlin “O Porco-Espinho e a Raposa”, “Pensadores Russos”, pela Cia. das Letras em 1988)."
FONTE: escrito por Reginaldo Nasser. Artigo publicado originalmente no blog "As palavras e as coisas". Transcrito no site "Carta Maior" (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/EUA-x-Russia-a-raposa-e-o-porco-espinho/6/30442).
Os Falcões se esqueceram de que a invasão militar da Georgia pelos russos aconteceu justamente durante o governo Bush? Será que os Falcões iriam tão longe a ponto de propor uma guerra contra a Rússia, sem que os interesses e a segurança dos EUA estivessem ameaçados? Talvez eles saibam que, no fundo, isso é uma loucura e que a opinião publica se colocaria frontalmente contrária a essa proposta.
Deixando de lado os atuais estrategistas e políticos nos EUA, muito apropriadamente, a revista "The Economist", recorreu à fabula da Raposa e Porco-espinho na tentativa de compreender qual o provável cenário. Tal como a raposa, o Ocidente conhece muitas coisas diferentes, mas não sabe o que realmente quer, enquanto Putin é como o porco-espinho que sabe apenas uma grande coisa, ou seja, que a Ucrânia, especialmente no sul e leste, pertence à Rússia, e irá soltar seus espinhos para mantê-la assim. (ver Isaiah Berlin “O Porco-Espinho e a Raposa”, “Pensadores Russos”, pela Cia. das Letras em 1988)."
FONTE: escrito por Reginaldo Nasser. Artigo publicado originalmente no blog "As palavras e as coisas". Transcrito no site "Carta Maior" (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/EUA-x-Russia-a-raposa-e-o-porco-espinho/6/30442).
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