terça-feira, 10 de junho de 2008

DE VOLTA, ENFIM, A POLÍTICA INDUSTRIAL

O “Blog do Noblat” indicou com link, há alguns dias (03/06), um muito bom artigo de Rui Falcão sobre política industrial, com o título acima. Rui Falcão é jornalista, advogado e deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores. Creio valer a pena lê-lo na íntegra.

Reproduzo, acrescentando subtítulos entre colchetes, visando facilitar a leitura:

[POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO (PDP)]

Como era de esperar, o lançamento, no dia 12 de maio, da nova política industrial do governo Lula, agora denominada Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), despertou reações opostas: entusiasmo nos setores produtivos -- industriais e operários -- e vitupérios por parte das hostes conservadoras, em geral alinhadas com os interesses do setor financeiro. De fato, poucos são os temas que dividem tanto os economistas -- e também o PT e o PSDB -- quanto à discussão sobre o papel do Estado na promoção do desenvolvimento.

[O PAPEL DO ESTADO NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO]

De um lado, estão os que condenam, em princípio, toda política industrial, por desperdício de recursos por parte do Estado, que assim retiraria recursos da sociedade para beneficiar os ineficientes, ao emprestar uma sobrevida a unidades produtivas que irão perecer por força das leis férreas do mercado; além disso, uma política industrial nos tempos de globalização se constituiria em iniciativa anacrônica, pois a globalização, inexorável, submete todos igualmente a uma lógica férrea, à qual todos os países deveriam ajustar-se, de modo inescapável e segundo um receituário único.

De outro lado, estão os que defendem o Estado como indutor do desenvolvimento e como instrumento da promoção do bem-estar social. Os primeiros, confiantes no automatismo do mercado, destituem o papel da política nas questões do desenvolvimento, enquanto os segundos, céticos quanto à capacidade do mercado de corrigir assimetrias históricas -- que se têm acentuado ainda mais no mercado globalizado --, restabelecem o papel central da política na promoção do desenvolvimento.

[A NOVA POLÍTICA INDUSTRIAL]

A nova política industrial, que tem como objetivo principal fomentar o investimento mediante a redução de seu custo, é inovadora em mais de um aspecto. Ela se distingue de anteriores por sua abrangência e profundidade de diagnóstico, além de ser a primeira a estabelecer metas, tornando possível a sua monitoria e avaliação.

Consistindo de financiamentos, subsídios e desonerações tributárias, ela abrange praticamente todos os segmentos industriais e almeja atacar simultaneamente em três frentes: aumentar o investimento em capital fixo, dos atuais 17,6% do PIB para 21% do PIB em 2010; dinamizar os mercados interno e externo (neste, mediante a ampliação da participação do Brasil na corrente de comércio mundial, dos atuais 1,18% para 1,25% em 2010); e apoiar a inovação tecnológica, elevando o investimento das empresas em Pesquisa & Desenvolvimento, no período, de 0,5% atuais para 0,65%.

A nova política envolverá desonerações fiscais no montante de R$ 8 bilhões ao ano e financiamento por parte do BNDES de R$ 210,4 bilhões. A esses valores serão somados R$ 41,2 bilhões de programas de estímulo à pesquisa tecnológica.

[A ANTIPOLÍTICA INDUSTRIAL NEOLIBERALISTA DO PSDB/PFL/FHC]

De tão execradas que foram nos tempos neoliberais por economistas neocoloniais -- que ainda são os mais falantes nos grandes meios de comunicação em geral --, iniciativas de políticas industriais mantiveram-se adormecidas desde o fim do regime militar até o advento do governo Lula, quando ressurgem com pleno vigor, na esteira dos mais bem sucedidos exemplos da atualidade, como Israel e Irlanda, sem falar dos anteriores, como os países do sudeste asiático. Depois de ter sido esboçada no governo Collor, foi no governo FHC que a hostilidade à idéia de política industrial atingiu o seu auge.

Subservientes aos ditames dos organismos multilaterais (FMI e Banco Mundial, OMC, entre outros), que atendem prioritariamente aos interesses do capital financeiro internacional, os governos Collor e FHC abdicaram da formulação de uma estratégia de desenvolvimento nacional, enquanto intentavam convencer a sociedade de sua ilusão, uma vez que a economia, máxime nos tempos globais, já não obedeceria a decisões de natureza política; ela se moveria de modo mecânico, independentemente da correlação de forças políticas que se estruturam em âmbito internacional, ou seja, no espaço onde se dão os embates entre a economia dos países ricos e a dos demais países.

[A GLOBALIZAÇÃO E O NEOLIBERALISMO]

O que se pôde observar, na verdade, no Brasil e também nos demais países submetidos nos anos 80 e 90 ao receituário neoliberal, é que a globalização, ou mais propriamente os seus principais beneficiários -- os países ricos -- e as agências multilaterais exercem, sim, forte influência na determinação das agendas dos diferentes países, e não o fazem de modo mecânico e determinista. As opções das elites dirigentes nacionais e as suas coalizões de apoio político exerceram um papel decisivo na escolha dos modos de inserção no sistema internacional (“integração subordinada”, na definição do governo FHC) e na definição das políticas a serem implementadas.

A ênfase unilateral nos aspectos econômicos decorre de uma visão determinista, pela qual a ordem mundial é assumida como sujeita a uma dinâmica incontrolável, de efeitos inexoráveis, que dispensariam, por inútil e ineficaz, a busca de estratégias de resistência e afirmação. Logicamente, se a globalização é processo inevitável, independentemente da intervenção humana, sujeitar-se aos interesses dos países hegemônicos torna-se a única opção possível.

Em conseqüência, aos governos nacionais não restaria outra saída senão deixar que seus Estados sejam manipulados como objetos passivos de forças que não podem controlar, sendo, portanto, reduzidos à impotência. Daí a subserviência e rendição da política externa do governo FHC. Anula-se a ação política no momento em que ela mais seria necessária para fazer frente à intensificação das pressões externas e esvazia-se a responsabilidade dos governantes pelos erros e acertos das políticas executadas (ou, mais propriamente, pela ausência de políticas).

Na verdade, é em tempos de globalização, quando se acentuam as assimetrias nas relações de poder -- aqui assumido como a capacidade de influir na elaboração das regras que passam a reger a ordem econômica internacional -- , que mais necessária se faz a presença ativa dos Estados nacionais, na defesa das opções de interesse do desenvolvimento do país, opções que estão longe de ser reflexo de critérios exclusivamente técnicos ou econômicos, pois se orientam em primeiro lugar por um cálculo político com vistas ao fortalecimento do poder de negociação nacional.

[AS POLÍTICAS INDUSTRIAIS BRASILEIRAS NO SÉCULO XX]

Para quem enxerga o Brasil na perspectiva da soberania e do interesse nacional, não há dúvida de que o crescimento acelerado da economia brasileira ao longo do século XX foi impulsionado por políticas industriais, cujos exemplos mais notórios foram o Plano de Metas, do governo Kubitschek, e o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), do período da ditadura.

[HÁ-JOON CHANG E O PAPEL DO ESTADO]

Na literatura acadêmica, a resposta afirmativa e cabal à questão da importância estratégica das políticas industriais para o desenvolvimento dos países de industrialização tardia foi dada pelo economista Há-Joon Chang, de origem coreana, hoje professor na Universidade de Cambridge, com 2,82 milhões de referências na internet.

[O EXEMPLO DA CORÉIA DO SUL]

Na sua já vasta obra, ele tem contribuído para desfazer o mito de que “o milagre asiático” teria assentado nas políticas neoliberais. Tendo se detido inicialmente no caso da Coréia do Sul, Chang mostrou que o seu desenvolvimento assentou no envolvimento do Estado na alocação de recursos. O governo favoreceu deliberadamente o desenvolvimento de grandes conglomerados industriais, mediante uma política industrial vigorosa, cujo objetivo central era a inserção estratégica da economia coreana na economia mundial, o que se traduziu na implementação seletiva de controles sobre determinadas importações para proteger setores industriais emergentes.

[OS EUA E OUTROS SE DESENVOLVERAM GRAÇAS AO PROTECIONISMO]

Num de seus livros mais recentes, Kicking Away the Ladder (Derrubando as Escadas do Desenvolvimento), Chang ampliou a sua análise, mostrando que “quando os países desenvolvidos, como a Grã-Bretanha e os EUA ainda estavam em desenvolvimento, não implementaram nenhuma das políticas de livre comércio (leia-se: ausência de política industrial) que agora preconizam. O seu avanço tecnológico foi garantido por políticas protecionistas”.

[A FALÁCIA FHC/PSDB PRÓ- PRIVATIZAÇÃO, DESREGULAMENTAÇÃO E LIBERALIZAÇÃO]

A evocação de tais fatos, sobejamente conhecido dos estudiosos, tem a sua razão de ser no contexto político do País, não liberto de todo do receituário neoliberal, apregoado pelos tucanos e ainda hegemônico nas colunas dos jornais brasileiros. Os resultados das pesquisas de Chang denunciam, mediante a apresentação de casos concretos, a falácia apregoada nas últimas três décadas de que a privatização, a desregulamentação e a liberalização são o caminho único para o desenvolvimento.

As “forças de mercado” nunca dispensaram um Estado forte para funcionarem, afirma Chang. “O comércio livre raramente foi receita para o desenvolvimento; a circulação de capitais sem restrições causa mais problemas do que resolve; em suma, as receitas que instituições como a OMC, o FMI e o Banco Mundial insistem em impor aos países menos desenvolvidos podem servir muitos interesses - mas raramente aos da construção de um mundo menos desigual e menos instável”.

[O ENGODO DO ”LIVRE COMÉRCIO”]

Em seu último livro, lançado em 2007, Bad Samaritans: The Myth of Free Trade and the Secret History of Capitalism (Maus samaritanos: O mito do livre comércio e a história secreta do capitalismo), Chang é taxativo na conclusão de suas pesquisas: para atingirem a maturidade, o caminho das economias retardatárias não é o livre comércio. Em todos os casos, sem exceção, o fortalecimento e a maturidade da economia das nações são resultado, não da ausência do Estado, mas da intervenção direta dos governos mediante a formulação de políticas industriais.

[INTERVENÇÃO GOVERNAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO]

O caminho para uma economia sair do subdesenvolvimento e se tornar forte e competitiva é um só: intervenção governamental”, afirma Chang, apoiado em evidências históricas. E prossegue: é o governo que seleciona quais indústrias devem ser estimuladas e quais não. Uma vez escolhidos os segmentos estratégicos e identificadas as unidades industriais, o governo intervém mediante estímulos e proteção do mercado interno, de várias maneiras. Estas incluem subsídios, proteção legal (patentes, por exemplo), tarifas de importação como proteção contra a competição externa, forte regulação para assegurar a qualidade e desenvolvimento da infra-estrutura para dar competitividade à produção, distribuição, venda e utilização dos produtos.

Alinhado às soluções anteriormente adotadas pelos países desenvolvidos, com a nova política industrial o governo Lula desenha as condições que poderão conduzir o Brasil até lá, se o ideário neoliberal tucano não atrapalhar.”

Nenhum comentário: