No Domingo 1 de junho último, postamos um artigo que constituiu a 13ª Parte da nossa série “O Brasil e as guerras mais recentes dos EUA”. Uma reportagem do jornal alemão Der Spiegel de hoje fez-me recordar o sétimo capítulo da nossa série, que foi “Fatos muito estranhos na guerra dos EUA contra o Afeganistão”, publicado em 22 de março.
Naquela postagem de 22/03, escrevemos (cito somente trecho):
“COISAS MUITO ESTRANHAS - O NARCOTRÁFICO
(...) "Nem tudo, no entanto, era assim facilmente previsível ou imaginável. Sempre achei que havia no ar coisas muito estranhas, incoerentes. Muitas delas até hoje perduram ou se repetem. E ainda não as compreendo.
Por exemplo: o regime Taleban baniu do Afeganistão o cultivo do ópio, do qual é extraída a heroína. A produção caiu a zero em julho de 2001, dois meses antes do atentado às torres gêmeas de Nova Iorque. O comércio mundial daquele produto, que somente nos EUA move mais de dois bilhões de dólares por ano, ficou arrasado, com preços disparando, inviabilizando a sua comercialização e causando o desespero dos seus comerciantes e dos consumidores, principalmente norte-americanos. Em 2008, o comércio de narcotráfico (heroína e outros) movimenta 1,75 trilhões de euros no mundo.
Alguns meses depois da invasão norte-americana, na caça ao terrorista Bin Laden, os EUA devastaram com poder impressionante o Afeganistão, com milhões de toneladas de bombas e mísseis moderníssimos. Até o seu subsolo, suas cavernas, suas montanhas foram explodidos por novas e poderosas bombas que tudo esfarinhavam como um grande terremoto.
Aquele país atacado, cujos progresso e infra-estrutura o assemelhavam ao interior do Piauí, e o seu centro comercial era semelhante a uma feira livre da periferia de Caruaru, foi completamente destroçado, com dezenas de milhares de civis afegãos mortos. Até hoje, está totalmente ocupado pelas numerosas, modernas e poderosíssimas Forças Armadas dos EUA e de seus aliados.
Contudo, o surpreendente e incompreensível para mim é o Afeganistão, mesmo policiado palmo a palmo por forças que se entitulam com o nobre direito de combater o terror e o narcotráfico no mundo, ter rapidamente recuperado, e gigantescamente aumentado, a lavoura, a produção e a exportação do ópio, hoje já respondendo por quase 100% da produção mundial. Os preços e o suprimento da heroína já baixaram e estão normalizados nos EUA e nos demais grandes mercados consumidores. Fico perplexo, nada entendendo.”
O jornal alemão Der Spiegel de hoje publica quatro artigos de Ullrich Fichtner sobre o fracasso das tropas ocidentais da OTAN em alcançar a paz no Afeganistão. Os artigos foram postados no site UOL Mídia Global. Fiz uma síntese com alguns trechos dos quatro textos da extensa análise do Der Spiegel:
“POR QUE AS TROPAS DA OTAN NÃO CONSEGUEM ESTABELECER A PAZ NO AFEGANISTÃO?”
“Quarenta países estão envolvidos em uma guerra impossível de ser vencida no Afeganistão. Qualquer um que viaje pelo país com as tropas ocidentais logo percebe que as forças da Otan teriam que ser aumentadas em dez vezes para que a paz possa parecer uma possibilidade remota.”
(...) Quase sete anos se passaram desde a derrubada do regime Taleban e nestes setes anos metade do mundo tentou promover um futuro melhor e, acima de tudo, a paz neste novo país, a República Islâmica do Afeganistão.
Como parte da operação militar da Otan conhecida como Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf, na sigla em inglês), 40 países contam com 60 mil soldados no país. Há 26 organizações da ONU no Afeganistão, e centenas de agências governamentais e privadas estão injetando dinheiro, materiais e know-how nas 34 províncias do país.
Mas qualquer um à procura de histórias de sucesso ou que pergunte sobre os fracassos encontrará relatos que não parecem vir do mesmo país.
(...) No ano passado, 1.469 bombas explodiram ao longo das estradas afegãs, um número quase cinco vezes maior do que em 2004. Ocorreram 8.950 ataques armados contra tropas e equipes de apoio civis, 10 vezes mais do que há três anos. Em 2007, 130 homens-bomba suicidas explodiram a si mesmos. Ocorreram três atentados suicidas em 2004.
Não há paz em parte alguma no Afeganistão, nem mesmo no norte, que as autoridades repetidamente insistem ter sido pacificado.
(...) O país está sob domínio de políticas motivadas por interesses globais. Ele é, como ocorreu com tanta freqüência em sua história, um peão em um tabuleiro de xadrez cercado por muito mais do que dois jogadores.
(...) O Taleban e seus aliados aprenderam que não vale a pena o combate homem a homem com os soldados da Otan. Qualquer um que atacar um pelotão americano ou uma unidade britânica de forma direta provavelmente enfrentará o poder de fogo devastador de helicópteros Apache em questão de minutos. Este entendimento levou ao desenvolvimento de uma guerra fantasma indireta, uma guerra por controle remoto, conduzida com armadilhas, minas terrestres, explosivos caseiros e carros transformados em bombas. É uma disputa desigual.
As tropas ocidentais, a maioria ainda treinada para conduzir guerras baseadas em terra da forma como eram travadas no início do século 20, se vêem diante de um adversário que emprega táticas de guerrilha ao extremo. Os talebans, quem quer que sejam, não estão limitados por qualquer doutrina da Otan, e certamente não pela Convenção de Genebra.”
(...) Três milhões de pessoas cujo sustento depende do ópio. Desde a queda do regime do Taleban, há quase sete anos, a produção de ópio no país está mais abundante a cada ano que passa. No ano passado, 93% da heroína comercializada no mundo veio do Afeganistão. Em 2007, as papoulas do ópio foram cultivadas em 193 mil hectares, um aumento de 17% em relação ao ano anterior. Enquanto isso, a Isaf observa sem agir. Mas sua inação é uma medida de precaução.”
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