terça-feira, 10 de junho de 2008

PROJETO CALHA NORTE

Recebi, na madrugada desta terça-feira, no rodapé do artigo “Fundo Soberano do Brasil”, uma interessante pergunta de um leitor:

“MARISCO disse...
Discute-se muito a causa indígena. Quem menos é ouvido é o índio. No entanto, me parece que a elite, em algum momento, produziu algo de interessante: o Projeto Calha Norte. Realmente vale a pena?
Por onde anda esse projeto? Precisamos iniciar a discussão e aprofundar o debate.
Espero que este blog se pronuncie.
10 de Junho de 2008, 03:50”

Em resposta e em atendimento ao pedido do visitante do blog, resolvi escrever este texto.

“Prezado leitor,

Muito interessante a sua lembrança.

O desprotegido e desassistido índio merece e deseja melhor qualidade de vida, saúde, educação, como todo ser humano. Alguns deles preferem, talvez por desconhecimento de benefícios ou medo de mudanças, manterem-se no estágio primitivo. Outros preferem integrar-se e usufruir da civilização. Cada índio, como indivíduo, tem suas preferências. Não tem cabimento escolhermos e impormos autoritariamente para eles em bloco, com amparo em leis supostamente "nobres", a obrigatória e definitiva permanência isolada naquele estágio pré-histórico.

Quanto ao “Projeto Calha Norte”, procurei conhecê-lo e desde o seu início percebi que ele foi capciosamente rotulado de muitas coisas sem cabimento. Logicamente, com interesses escusos. Uns diziam que era de interesse “das elites”. Outros diziam que era expansionista militar e que ameaçava os demais países vizinhos. E muitos outras caracterizações pejorativas. Ele foi, e até hoje é, muito criticado, desde o primeiro momento em que foi concebido. Especialmente pelos meios de comunicação, no Brasil e no exterior, e por pessoas que ouviam dizer mas que nem sabiam no que ele consistia.

O “The New York Times”, creio que em 11/11/1985, dedicou meia página fortemente crítica ao projeto (“militarização da Amazônia”, “etnocida” etc). A grande imprensa e as TVs do Brasil, a CNBB e outros grupos de interesse também fizeram tudo para barrar o Calha Norte.

Aliás, a direita nacional e internacional sempre foi esperta em agir com inteligentes subterfúgios. Para atiçar a desavisada esquerda contra algo que ela, direita, também era contra, no Brasil bastava ela dizer que o projeto “X” era da elite, ou “loucura de militares saudosos da ditadura”, para que todos os puros de espírito fossem furiosos contra o alvo, o qual não passava de uma toalha vermelha abanada pelos espertos toureiros.

Pensei na época: se o Calha Norte era uma ação infelizmente minúscula, porém normal e obrigatória do Estado brasileiro, de estar presente no território nacional, por que tamanha reação norte-americana e de toda a grande imprensa nacional, por eles notoriamente colonizada? Será que o Calha Norte já era uma ameaça tão grande aos interesses futuros dos EUA, pelo fato de o Brasil pensar em olhar para aquela região amazônica, mesmo que com ações muito pequenas e simbólicas?

O projeto, em resumo, era uma microscópica tentativa de presença do Estado brasileiro naquela despopulada região.

Não existem "vazios". Onde não há o Estado, onde não há lei, outros se apossam sem o mínimo controle: exploradores clandestinos de recursos minerais e florestais, madeireiras ilegais, nacionais e estrangeiras, invasores de terras, estranhas “missões religiosas” estrangeiras, contrabandistas, terroristas de países vizinhos, narcotraficantes e outros dessa laia.

Disse microscópica presença institucional brasileira porque, praticamente, apenas as Forças Armadas, especialmente o Exército, cumpriram a sua pequenina parte.

Mas, preencher o "vazio" com somente sete pelotões (30 homens cada um) ao longo de 6.770 km de perímetro ao norte do Rio Amazonas, numa faixa de fronteira de 150 km de largura, significa 210 soldados para tomar conta de mais de 1.000.000 km², área maior que a França e a Espanha reunidas! É ridículo. Mais ridículo ainda é o ardil da imprensa dos EUA e da mídia nacional de rotular aquela ação como “ocupação militar da Amazônia”...

O projeto, quanto aos índios, somente previa a maior ação e presença da FUNAI à maneira dela, dentro da legislação em vigor, para o apoio às carentes comunidades indígenas. Nada além disso. Para a saúde, previa postos de atendimento, aproveitando as instalações para isso disponibilizadas nos pelotões. Para a Fazenda, previa a fiscalização do contrabando e do descaminho e a regulação do comércio fronteiriço. Para o MRE, previa o adensamento dos marcos de fronteira.

Mas ninguém quis ir para lá. Somente as Forças Armadas foram, construíram aqueles simbólicos pelotões e lá continuam isoladas do mundo imbuídas do valor patriótico daquela presença, mesmo que ela seja ínfima por culpa nossa, por não receberem adequados recursos orçamentários.

O Leblon é melhor, também acho, inclusive para ficar nos bares vendo a paisagem e criticando o Calha Norte de militarista, de exterminador de índios e de violentador da Amazônia “herança da Humanidade” (sic)...

Maria Tereza”

Um comentário:

Mauricio Sampaio disse...

Parabéns pelo texto. Bastante realista, põe uma luz num sério problema brasileiro e destaca a falta de, por que não dizer, patriotismo, das nossas "elites". Sejam as de direita, sejam as da esquerda.