segunda-feira, 6 de outubro de 2008

CONSTITUIÇÃO: 20 ANOS DE LUTA PARA NÃO RASGAREM A “CIDADÔ

Li hoje no site “Vermelho” o texto abaixo, de Bernardo Joffily.

No Wikipédia, obtive as seguintes informações sobre o autor: “ Nasceu no Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1950. É jornalista, editor do portal www.vermelho.org.br e é também, autor do atlas histórico brasileiro ‘IstoÉ Brasil 500 anos’ (1998) e da agenda ‘Brasil outros 500’ (2000). Na juventude participou da resistência à ditadura, sendo vice-presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) em 1968-1970. Filiou-se ao PCdoB em 1973 e foi eleito para o Comitê Central deste partido em 2005. Trabalhou como radialista na Rádio Tirana (1974-1979) e foi chefe de redação do semanário ‘Tribuna da Luta Operária ‘(1979-1987). Em março de 2002 ajudou a fundar o ‘Vermelho’, tido como o maior site .org brasileiro. Tem também traduzido obras do inglês, francês, espanhol, italiano e em especial da obra do romancista albanês Ismail Kadaré”.

“No 20º aniversário da ''Constituição Cidadã'', assim batizada por Ulisses Guimarães, cumpre admitir: enxergaram longe os constituintes que a escreveram; e erraram feio os que não a aprovaram. São duas décadas de direitos sociais e democráticos – mutilados e precários como era se se esperar no iníquo capitalismo à brasileira, mas sem precedentes, apesar dos pesares –; 7.304 dias de tramas das classes dominantes para rasgar a ''Cidadã'', que sobrevive apesar delas.”

“É notável este paradoxo, de uma classe dominante que não domina logo a lei maior do Estado. A cúpula dourada da pirâmide social nunca gostou da ''Cidadã''.

Acusa-a de esquerdista, estatizante, irrealista na fixação de direitos, inaplicável. Fez três grandes investidas para desnaturá-la nas ''reformas'' neoliberais de 1993-94, 1995 e 1997. Para surpresa de muitos, só o conseguiu em parte, com as emendas privatizantes e a da reeleição de Fernando Henrique.

O POVO VAI FAZENDO SEU APRENDIZADO

No atacado, a cúpula dourada frustrou-se. As ''reformas'' para vergar os direitos trabalhistas e previdenciários não se consumaram apesar de toda a banda de música midiática a martelá-las.

Como resultado, o povo brasileiro viveu nestes 20 anos (e no processo que os precedeu, a partir do fim da ditadura de 1964-1985) o período de mais extensas e profundas liberdades democráticas da sua história. Foi capaz de derrubar um presidente, Collor de Mello, pela força da mobilização popular, mas preservando a legalidade. Elege desde 1989 os presidentes e outros mandatários dos Poderes da República – com o Judiciário mais retardatário e renitente. Vigora a liberdade partidária sem barreiras e o partido comunista deixou de ser proibido.

Lentamente, aos trancos e barrancos, o andar de baixo da pirâmide tem feito nestas décadas um inestimável aprendizado democrático. A eleição e reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva fazem parte dele, assim como os índices de popularidade que lhe reservam um lugar na história talvez maior que o de Getúlio Vargas. Na votação de 2006 aconteceu no Nordeste uma pequena revolução político-eleitoral anti-oligárquica e popular-modernizante.

É um aprendizado difícil, sinuoso, submetido a abalos qualitativos e lentos, penosos períodos de acumulação de forças às vezes quase imperceptível, e pode comportar retrocessos. Porém visto no conjunto destes 20 anos, é uma obra respeitável. O povo trabalhador está mais maduro e preparado para libertar-se nacional e socialmente. Deve isto em primeiro lugar a si próprio, mas seu percurso é facilitado pela moldura democrática da Carta de 88.

UMA CARTA DOS CONFLITOS

Já na Constituinte que a escreveu, esta foi uma carta de conflitos e não podia ser diferente em uma sociedade tão conflituosa. Os 15 partidos e 573 constituintes atendiam aos interesses que representavam afora, às vezes, outros menos confessáveis.

A direita na Assembléia organizou-se em um certo ''Centrão'' para resistir aos avanços. O latifúndio formou na época a UDR, para resistir à reforma agrária nem que fosse pelas armas, e este foi um dos capítulos em que a Carta Constitucional mais ficou a dever.

As conquistas democráticas e sociais da ''Cidadã'' só foram possíveis graças a muita mobilização popular (o país vivia um auge do movimento grevista dos trabalhadores). Em mais de um ano dos trabalhos constituintes o Congresso registrou em média 10 mil visitantes-dia. Projetos de iniciativa popular pressionaram os parlamentares, como o da reforma agrária, com 1,5 milhão de assinaturas, e o da estabilidade no emprego, com 500 mil.

Um dos instrumentos dessa pressão, criado no calor deste processo, foi o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). Ainda hoje atuante, ele fiscalizou e deu nota a cada um dos constituintes. Lula teve nota 10 no Diap; Itamar Franco, 9,0, Fernando Henrique, 5,0, Delfim Netto, 0,25, Afif Domingos 0,0.

A Carta de 88 é o resultado destas pressões e contrapressões: imperfeita e limitada pelas contingências da correlação de forças. Mas no seu conjunto, e vista a duas décadas de distância, mostra ser uma conquista de valor estratégico. O PT, cuja bancada na época votou contra o projeto final, argumentando com seus defeitos, estava errado e hoje o reconhece. As forças que formaram na época o ''Centrão'' ainda hoje se roem de raiva com as derrotas que foram obrigadas a engolir.

A NOVA EBULIÇÃO CONSTITUINTE LATINO-AMERICANA

A Constituição brasileira completa 20 anos em uma fase de ebulição constituinte na América latina. Os exemplos mais marcantes são a Constituinte de 1999 e a tentativa (derrotada por 0,7% dos votos) de reforma constitucional socializante na Venezuela; a ousada Constituinte boliviana de 2007, cuja consumação ainda enfrenta feroz resistência oligárquica; e a equatoriana de 2008, que acaba de ser aclamada em referendo por 64% dos cidadãos.

Esta nova safra constituinte latino-americana é política e socialmente mais avançada que o processo brasileiro de 1986-88. Evolui numa correlação de forças mais favorável ao povo trabalhador, mais radicalizada, enquanto no Brasil dos anos 80 muitos dos logros alcançados terminaram diluídos por fórmulas conciliadoras que tiraram grande parte do seu gume mudancista.

As forças popular-democráticas do Brasil acompanham com entusiasmo essa ebulição progressista constituinte, que comporta alterações às vezes profundas e até revolucionárias. Em um continente que se integra e se aproxima, ela fornece experiências que podem vir a ser de enorme valia para o povo trabalhador do Brasil.

O MOVIMENTO PELAS REFORMAS DE BASE

Também no Brasil esta onda tem seus reflexos. Pode-se associar a ela o movimento que ensaia os seus primeiros passos, por novas reformas de base progressistas – política, tributária, educacional, agrária e urbana, assim como a da democratização da mídia em defesa da cultura nacional.

Portanto, a "Constituição Cidadã" merece ser defendida, sem vacilações, dos ataques das classes dominantes, que assumem a forma das contra-reformas neoliberalizantes. Mas isto não significa que ela seja intocável.

À media em que o povo trabalhador faz a sua experiência, avança em consciência e organização, irá desbravando os passos seguintes de sua marcha também no plano das instituições estatais, ora com acúmulos, ora com rupturas, combinando a necessária amplitude com a não menos necessária radicalidade.

Mesmo quando este itinerário estiver muito mais avançado, a ponto de questionar e superar os limites capitalistas da organização social brasileira, sempre será preciso lembrar que um dia, nos idos de 1988, sua caminhada passou pela luta para escrever a ''Constituição Cidadã'', que o ajudou, por décadas, na efetivação dos passos seguintes”.

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