segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A DOR E A NOSTALGIA DE ASA BRANCA

Li no blog “Óleo do Diabo”, do jornalista Miguel do Rosário, o interessante texto a seguir transcrito. É justa homenagem a Humberto Teixeira. Confesso que passei grande parte da minha vida admirando e saboreando a musicalidade de Luiz Gonzaga e a bela letra de “Asa Branca”, mas nada sabia sobre o seu autor.

“MAIS UMA DOSE DE NUVEM, PLEASE”

“Antes de morrer, Humberto Teixeira, o desconhecido mais importante do Brasil, disse que tinha um sonho mais grandioso e impossível que o de Dom Quixote, que era ver um mundo sem fronteiras, unido e em paz. Teixeira foi autor de Asa Branca, em parceria com Luiz Gonzaga e de outras 400 canções, muitas delas clássicos da música brasileira, mas seu nome sempre foi obscurecido pelo fato de nunca ter sido um intérprete, apenas um compositor. Mas foi uma escolha sua e os direitos autorais de tantas canções de sucesso lhe asseguraram sólida fortuna e uma elegante vida de boemia numa época de ouro da cidade maravilhosa, quando não havia violência nas ruas e a expansão desenfreada de favelas e comunidades carentes ainda não ocorrera.

Nesta sexta-feira, 3 de outubro, estreiou o filme Humberto Teixeira: o homem que engarrafava nuvens. O título faz referência a uma entrevista do poeta, em que ele diz que passava as tardes, em sua casa em São Conrado, contemplando as nuvens e brumas, admirando-lhes as formas e cores, e engarrafando-as para bebê-las como poesia. Inventei um pouco aí, mas ele disse mais ou menos isso.

Teixeira foi o mentor intelectual de Luiz Gonzaga. Enquanto Gonzagão consagrou-se como "rei do baião", Teixeira ficou conhecido como "doutor do baião". Formado em direito, Teixeira também elegeu-se deputado federal e foi autor da lei Humberto Teixeira, que concedeu mais direitos aos artistas.

O documentário, escrito e dirigido pelo premiado Lírio Ferreira, foge a todo convencionalismo e conta a vida do poeta com uma linguagem original, delirante, sem perder o fio da meada. O texto percorre as raízes do baião, mostra cenas do nordeste profundo, traz imagens antigas e inéditas do Rio, depoimentos de artistas como Caetano, Gil, Belchior e, sobretudo, muita música, com artistas como Alceu Valença, Raul Seixas, Chico Buarque, Maria Bethania, interpretando canções de Teixeira.

O filme é emocionante do início ao fim, mas uma cena em particular me levou quase às lágrimas. Em Nova Iorque, o cantor norte-americano David Byrne canta uma versão em inglês de Asa Branca, com tanto sentimento que remete ao sonho de Teixeira sobre um mundo mais unido, sem fronteiras. Pensei: a arte é o principal elo existencial entre os povos. Cantamos e ouvimos canções dos Beatles, Rolling Stones, Edit Piaf, Bob Dylan, com emoção comum em todo planeta. Byrne explicou que, entendida a letra de Asa Branca, que conta a história de um exílio causado pela seca, comparou-a uma situação parecida ocorrida no Texas e Arizonas, quando fazendeiros tiveram que abandonar suas terras e amores, pela falta de chuva e portanto de trabalho e renda, e migraram para as cidades litorâneas da Califórnia. Muitas canções foram escritas, então, sobre o tema, e Byrne lembrou ter passado parte de sua infância e juventude ouvindo e sentindo essas manifestações.

Byrne nem precisava ter explicado. Não é preciso conhecer a seca para sentir a dor e a nostalgia de Asa Branca, assim como não é preciso ter vivido a II Guerra para experimentar o desespero e a angústia de um romance de Primo Levi. A arte, de alguma forma, substitui a experiência. Em alguns casos, até supera a experiência. Em outros, não. A arte é adversária da experiência real, mas consegue reunir a quinta-essência da realidade, dos sentimentos, do sofrimento, e transmitir essa riqueza de um ser humano a outro”.

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