segunda-feira, 6 de outubro de 2008

ENTREVISTA COM LULA SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE 1988

“SERIA MAIS DIFÍCIL GOVERNAR SE PT TIVESSE FEITO CARTA, DIZ LULA”

Li no jornal “Folha de São Paulo” de domingo a seguinte entrevista do Presidente Lula, em texto de Fernanda Odilla:

"Partido não aceitou a falta de regulamentação dos direitos sociais, afirma presidente".

"Petista defende as reformas política e tributária, mas diz que elas não são urgentes e que país é perfeitamente governável com Carta atual".

“Vinte anos depois de votar contra o texto final da Constituição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva critica as "soluções mágicas" propostas pelo PT em 1988. "O PT chegou ao Congresso com uma proposta de Constituição pronta e acabada [com] que, se fosse aprovada, certamente seria muito mais difícil governar do que hoje", disse Lula à Folha, em entrevista por e-mail. Lula não vê urgência em fazer mais alterações na Carta Magna, mesmo tendo encaminhado neste ano duas propostas de reforma -política e tributária- ao Congresso: "Não acho que haja necessidade de reformas emergenciais".

FOLHA - EM 1987, CHEGARAM AO CONGRESSO MAIS DE 72 MIL FORMULÁRIOS COM SUGESTÕES DA POPULAÇÃO PARA A NOVA CONSTITUIÇÃO. O SR. SE RECORDA DE ALGUM DESSES TEXTOS?

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA - Acredito que fizemos uma Constituição extremamente avançada. É bem possível que a principal razão disso tenha sido a participação popular, como jamais houve na história deste país. Eu lembro das milhares de pessoas que circulavam dentro da Câmara e do Congresso Nacional, fazendo reuniões com todos os líderes, entregando cartas e propostas, fazendo pressão.

Conseguimos retratar na Constituição um pouco da cara do que a sociedade pensava naquele momento, sobretudo a sociedade organizada. Acho que isso foi extremamente importante para o país, porque ela está hoje balizando e garantindo que a gente tenha o maior período de democracia contínua no Brasil.

FOLHA - HÁ ALGUMA PROPOSTA QUE SURGIU AO LONGO DA CONSTITUINTE E QUE AINDA PRETENDE IMPLEMENTAR NO GOVERNO? O FATO DE ALGUNS DOS PLEITOS SEREM MUITO SEMELHANTES AOS DE HOJE É SINAL DE QUE NEM TUDO MUDOU DA FORMA COMO O POVO GOSTARIA?

LULA - Nós colocamos na Constituição uma série de princípios e compromissos para a sociedade brasileira alcançar e, nestes 20 anos, já evoluímos bastante na direção de concretizá-los, sobretudo na economia e nos direitos sociais. Avançamos bastante como país, mas ainda precisamos avançar mais. No entanto, isso não depende de um decreto ou de uma lei, e sim das possibilidades de o país ter condições de cumprir a Constituição totalmente. Mas eu penso que tudo que nós alcançamos até agora foi fruto da participação da sociedade naquela Constituinte.

FOLHA - A CONSTITUIÇÃO FAZ 20 ANOS COM UMA TRÉGUA NAS TENTATIVAS DE REFORMAS PROFUNDAS DO TEXTO DA CARTA MAGNA (NESTE ANO AINDA NÃO SE APROVOU NENHUMA PEC). ESSA TRÉGUA COINCIDE COM O MELHOR PERÍODO ECONÔMICO DESDE A PROMULGAÇÃO DA CARTA. O QUE ISSO SIGNIFICA? O PAÍS É GOVERNÁVEL COM ESSA CONSTITUIÇÃO?

LULA - Claro que é governável. Talvez haja uma ou outra dificuldade em algum momento. Algo que gostaria que avançasse mais rapidamente fica embaraçado por ausência ou rigidez da legislação e excesso de zelo das instituições fiscalizadoras. Mas isso faz parte da democracia. Essa é a grandeza da democracia brasileira: é tudo mais demorado, mas quando as coisas acontecem, acontecem de verdade. Por isso é que acho que não tem que temer as dificuldades que a gente enfrenta.

FOLHA - AS REFORMAS, COMO A POLÍTICA E TRIBUTÁRIA (QUE ESTÃO NO CONGRESSO NACIONAL), PODEM SER CONSIDERADAS EMERGENCIAIS?

LULA - Não acho que haja necessidade de reformas emergenciais. Mas penso que seria muito importante para o país termos um sistema político que fortaleça as organizações políticas e diminua a influência do poder econômico. Precisamos ter financiamento público de campanhas, fidelidade partidária e partidos fortes. Da mesma forma, é necessário melhorar o sistema tributário, dar a ele um pouco mais de racionalidade e de simplificação. Por isso, tentamos reformá-lo em 2003 e agora estamos tentando de novo, com o projeto enviado ao Congresso em fevereiro. O governo vai se esforçar para que essas reformas possam ocorrer. Não porque sejam emergenciais, mas porque são importantes para o país avançar.

FOLHA - ERAM 16 OS CONGRESSISTAS DO PT PARTICIPANDO DA CONSTITUINTE. GOSTARIA DE UMA AVALIAÇÃO DO SR. SOBRE O DESEMPENHO DO PT NA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE.

LULA - O PT chegou ao Congresso com uma proposta de Constituição pronta e acabada [com] que, se fosse aprovada, certamente seria muito mais difícil governar do que hoje. Como um partido de oposição que nunca havia chegado ao poder, tínhamos soluções mágicas para todas as mazelas do país. Talvez não nos déssemos conta de que, num prazo tão curto de tempo, poderíamos chegar ao governo. E aí teríamos a responsabilidade de colocar em prática tudo o que propúnhamos.

FOLHA - QUAIS EMBATES MEMORÁVEIS O PT GANHOU? E ONDE O PARTIDO ERROU?

LULA - Foram muitos os embates memoráveis. Mas é bom lembrar que o PT só tinha 16 deputados entre mais de 500 constituintes. Cada artigo progressista tinha de ser muito negociado com os partidos de centro-esquerda e depois com o Centrão. Não considero que o PT tenha errado. Nós defendemos o que precisávamos defender. O que nossas bases queriam que defendêssemos.

Talvez o grande erro, não do PT, mas da Constituinte como um todo, tenha sido aprovarmos uma Constituição mais adaptada a um regime parlamentarista. Lembro que, na época, nós, da direção do PT, éramos parlamentaristas. Quando teve o plebiscito, fomos para a disputa e a base nos derrotou.

FOLHA - VOTAR CONTRA O TEXTO FINAL FOI UMA DECISÃO ACERTADA?

LULA - O PT votou contra o texto final da Constituição porque não concordava com a regulamentação posterior de uma série de direitos sociais que estavam sendo garantidos.

Tínhamos convicção de que o que ficasse para ser regulamentado depois teria muita dificuldade para ser implementado. Como de fato ocorreu. Mas, ao contrário do que alguns dizem por aí, nós assinamos a Constituição. Eu era o líder da bancada e lembrei que trabalhamos três anos, participamos dos debates, ganhamos algumas batalhas, perdemos outras. Tínhamos de deixar o nosso nome na história e assinar.

FOLHA - COMO O SR. CLASSIFICA A PRÓPRIA PERFORMANCE DURANTE OS TRABALHOS DA CONSTITUINTE?

LULA - Não acho apropriado avaliar minha performance. Procurei ser um líder democrático, discutindo todas as propostas com a sociedade e encaminhando o que fosse desejo da maioria da nossa bancada.

Foi um momento grandioso para o Brasil. Graças a Deus eu participei dele e por isso sou muito agradecido”.

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