Mikhail Serguéievich Gorbatchev, secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética de 1985 a 1991
O FIM DA URSS E O SÉCULO 21
Por Higinio Polo, no “ODiario.info”, de Portugal
“O desaparecimento da União Soviética é uma das três questões-chave que explicam a realidade no século XXI. As outras duas são o reforçar dos chineses e o início da decadência norte-americana. E essa decadência, nesse contexto, ameaça conduzir o mundo a uma tragédia global.
O desaparecimento da União Soviética é uma das três questões chave que explicam a nossa realidade no século XXI. As outras duas são o reforçar dos chineses e o início da decadência norte-americana. A dissolução da União Soviética precipitou-se na atmosfera de crise e de confronto que se apoderou da vida soviética nos últimos anos do governo de Gorbatchev, ainda que este tenha encabeçado um processo de renovação (no início, exigindo retorno ao leninismo), levou a uma gestão desastrosa de governo e a uma torpe ação política que agravou a crise e facilitou a ação dos adversários do sistema socialista.
As disputas entre Yeltsin e Gorbatchev, o premeditado e apressado desmantelamento das estruturas soviéticas e da organização do Partido Comunista, foram acompanhadas por reivindicações nacionalistas, que começaram na Armênia e se espalharam como uma mancha de óleo por outras repúblicas da União, enquanto a crise econômica se aprofundava, abastecimentos escasseavam e os laços econômicos entre as diferentes partes da União começavam a ressentir-se.
Yeltsin e Gorbatchev
Os problemas enfrentados por Gorbatchev eram muitos, e a sua administração piorou-os: a aspiração por maior liberdade, face ao autoritarismo soviético, e um explosivo cocktail de más colheitas, inflação galopante, queda na produção industrial, a escassez de alimentos e medicamentos, escassez de matérias-primas, uma reforma monetária dirigida pelo incompetente Valentin Pavlov em Janeiro de 1991, juntamente com as ambições pessoais de muitos líderes políticos, bem como as distorções na economia socialista e o ajuste da nova economia privada, aumentaram o mal-estar da população.
Em Maio de 1990, Yeltsin tornou-se presidente do parlamento (Soviete Supremo) da Federação da Rússia, anunciando a intenção de declarar a soberania da república russa, contribuindo assim para o aumento da tensão e das pressões de ruptura, com que já avançavam os dirigentes das repúblicas bálticas. Pouco depois, em Junho de 1990, o Congresso dos Deputados da Rússia aprovou uma “declaração de soberania”, que proclamava a supremacia das leis russas sobre as soviéticas. Foi um torpedo na linha de água do grande navio soviético.
Surpreendentemente, a declaração foi aprovada por 907 deputados a favor e apenas 13 votaram contra. Em 16 de Junho, o parlamento russo, por proposta de Yeltsin, anulou o papel dirigente do Partido Comunista.
Egor Ligachev, um dos líderes da oposição a Yeltsin e à deriva de Gorbatchev, afirmava que o processo que estava sendo seguido era perigoso e levava ao “colapso da URSS.” Eram palavras proféticas. Yeltsin, já depois de liquidada a União, converteu, em 1992, essa data em feriado nacional russo, enquanto os comunistas hoje a consideram justamente um “dia negro” para o país.
As tensões nacionalistas desempenharam papel importante na destruição da URSS; por vezes com obscuras operações que a historiografia ainda não abordou de forma rigorosa. Um exemplo pode ser suficiente: em 13 de Janeiro de 1991, houve um massacre frente á torre de televisão de Vilnius, capital lituana. Treze civis e um militar do KGB foram mortos, e a imprensa internacional classificou o incidente como “brutal repressão soviética”, como manchete de muitos jornais. O Presidente George Bush criticou a atuação de Moscou, e a França e a Alemanha, bem como a NATO (OTAN), pronunciaram duras palavras de condenação: o mundo ficou horrorizado com a violência extrema do governo soviético, enfrentando o governo nacionalista lituano que controlava nessa época o Sajudis, liderado por Vytautas Landsbergis.
Sete dias depois, em 20 de Janeiro, uma maciça manifestação em Moscou exigia a renúncia de Gorbatchev, enquanto Yeltsin o acusava de incitar o ódio nacionalista, acusação obviamente falsa. Uma onda de protestos contra Gorbatchev e o PCUS, e em solidariedade com os governos nacionalistas bálticos, sacudiu muitas cidades da União Soviética.
No entanto, sabemos agora que, por exemplo, Audrius Butkevicius, membro do Sajudis e responsável da segurança no governo nacionalista lituano, e depois ministro da Defesa, se vangloriou perante a imprensa pelo seu papel na preparação desses eventos, a fim de desacreditar o exército soviético e o KGB; chegou a reconhecer que sabia que ocorreriam vítimas nesse dia ante a torre de televisão, e também sabemos agora que os mortos foram provocados por franco-atiradores nos telhados de edifícios e não receberam tiros em trajetória horizontal, como seria o caso se tivessem sido atacados pelas tropas soviéticas que estavam na entrada da torre de TV. Butkevicius reconheceu, anos após os fatos, que membros do DPT (Departamento de Proteção do Território, o embrião do exército criado pelo governo nacionalista) colocados sobre a torre de televisão dispararam para a rua. Não se trata de desenvolver uma teoria da conspiração para a queda da URSS, mas as provocações e planos de desestabilização existiram. Assim como as tensões nacionalistas, de modo que essas provocações atuaram em solo fértil, excitando a paixão e os confrontos.
Em Março de 1991, nesse clima de paixões nacionalistas, ocorreu o referendo sobre a preservação da URSS. Os governos de seis repúblicas recusaram-se a organizar a consulta (as três bálticas que haviam declarado a sua independência, embora não efetiva; e da Armênia, Geórgia e Moldávia), apesar de que oitenta por cento dos eleitores soviéticos participaram, e os resultados deram uma percentagem de apoiantes da conservação de 76,4 e de 21,4 que votaram negativamente, valores que incluem as repúblicas onde o referendo não se verificou.
O esmagador resultado favorável à manutenção da URSS foi ignorado pelas forças que trabalhavam para a ruptura: os nacionalistas e os “reformadores”, que já controlavam grande parte das estruturas de poder, bem como instituições russas. Yeltsin, como presidente do parlamento russo, praticava um jogo duplo: não se opunha publicamente à manutenção da União, mas ativamente conspirava com outras repúblicas para destruí-la. De fato, uma das razões, se não a mais importante, do referendo de Março de 1991 foi a tentativa do governo central de Gorbatchev para limitar a voracidade dos círculos dirigentes de algumas repúblicas e, acima de tudo, para travar a louca corrida de Yeltsin para o fortalecimento de seu próprio poder, para o que precisava de destruir o poder central representado por Gorbatchev e o governo soviético. Sem esquecer que, nesse clima de confusão e descontentamento, a demagogia de Yeltsin ganhou muitos seguidores.
Assim, antes da tentativa de golpe no verão de 1991, Yeltsin reconheceu, em Julho, a independência da Lituânia, numa clara provocação ao governo soviético a que Gorbatchev foi incapaz de responder. Os dirigentes das repúblicas queriam consolidar o seu poder, sem ter que prestar contas ao centro federal, e para isso precisavam da ruptura da União Soviética. Um setor dos partidários da manutenção da URSS facilitou, com a sua torpeza, o avanço das posições da coligação tácita entre os nacionalistas e os “reformadores” liberais, que também eram apoiados pelos partidários do setor da economia privada que floresceu sob Gorbatchev, e inclusive do mundo do crime, que farejava a possibilidade de alcançar magníficos negócios, para não mencionar os líderes do PCUS, como Alexandr Yakovlev, que trabalhavam ativamente para destruir o partido. Um dia antes do dia fixado para a assinatura do novo Tratado da União, os golpistas avançaram com um denominado “Comité Estatal” para a situação de emergência na URSS. O comitê contava com o vice-presidente Gennady Yanaev, o primeiro-ministro Pavlov, o ministro da Defesa, Yazov, presidente do KGB Kryuchkov, o ministro do Interior Boris Pugo, e outros dirigentes como Baklanov e Tiziakov. O fracasso do golpe de Agosto de 1991, impulsionado por setores do PCUS em oposição à política de Gorbatchev, serviu de detonante para a contrarrevolução e incentivou as forças que defendiam, ainda que sem o formularem, a dissolução da URSS.
A improvisação dos golpistas, apesar de contarem com chefe da KGB e o ministro da Defesa, chegou ao extremo de anunciar o golpe antes de porem em movimento as tropas que supostamente os apoiavam; nem sequer fecharam os aeroportos, nem tomaram os meios de comunicação, nem detiveram Yeltsin e outros dirigentes reformistas e a imprensa internacional pôde movimentar-se à vontade. Os serviços secretos dos EUA confirmaram a incrível improvisação do golpe, e a ausência de movimentos de tropas importantes que pudessem apoiá-lo. Na verdade, a estupidez dos golpistas tornou-se a principal via dos setores anticomunistas que acabaram com a URSS: ainda que pretendessem o contrário, sua ação, como a de Gorbatchev, facilitou o caminho aos partidários da restauração capitalista.
A seguir ao fracasso do golpe, Yeltsin voltou novamente a adiantar-se: a 24 de Agosto reconhecia a independência da Estônia e da Letônia. E não foi só Yeltsin que iniciou os passos para a proibição de comunismo: também Gorbachev, incapaz de lidar com as pressões da direita. Em 24 de Agosto de 1991, Gorbachev anunciava a sua renúncia como secretário-geral do PCUS, a dissolução do Comitê Central do partido, e a proibição da atividade das células comunistas no exército, no KGB, e no Ministério do Interior, assim como o confisco de seus bens. O PCUS ficava sem organização e recursos.
Não havia travão para a revanche anticomunista. Yeltsin já havia proibido todos os jornais e publicações comunistas. A fraqueza de Gorbachev era evidente, a ponto de Yeltsin, presidente da república russa, ser capaz de impor ministros de sua própria confiança ao próprio presidente soviético nos ministérios da defesa e interior, fundamentais na situação crítica do momento. Yeltsin já tinha proibido o PCUS na Rússia e apreendido os seus arquivos (na verdade, esses arquivos eram os arquivos centrais do partido comunista), e outras repúblicas seguiram o exemplo (Moldávia, Estônia, Letônia e Lituânia apressaram-se a proibir o Partido Comunista e solicitar aos Estados-Unidos o apoio para a sua independência), enquanto o “reformista” presidente da Câmara de Moscou apreendia e lacrava edifícios comunistas na capital.
Por sua parte, Kravchuk anunciava, em 24 de Agosto, o abandono de suas posições no PCUS e no Partido Comunista da Ucrânia. Yeltsin, que contava com importante apoio social, abstinha-se cuidadosamente de revelar a sua intenção de restaurar o capitalismo.
A desenfreada corrida para o desastre continuou durante os últimos meses de 1991. O referendo realizado na Ucrânia em 1 de Dezembro de 1991 contava com o controle do aparelho de Kravchuk, até poucos meses o secretário comunista da República, reconvertido em nacionalista, campeão da independência ucraniana. Na sequência dos resultados, no dia seguinte, Kravchuk anunciou a sua recusa em assinar o Tratado de União com as outras repúblicas soviéticas. Kravchuk foi o protótipo do perfeito oportunista, pronto a adotar qualquer ideologia para manter o seu papel: em Agosto de 1991 com a tentativa de golpe contra Gorbachev, não deixou clara a sua posição, nem apoiou Yeltsin nem Gorbachev, mas após o fracasso adotou posição nacionalista, abandonou o Partido Comunista e lançou-se a reivindicar a independência da Ucrânia. Ele era um profissional do poder, que intuiu os acontecimentos, e tendo sido eleito presidente do parlamento ucraniano em 1990 pelos deputados comunistas, após o fracassado golpe, deixou as fileiras comunistas. Então, tudo se precipitava. Se alguns meses antes, em 17 de Março de 1991, a população ucraniana tinha amplamente apoiado a conservação da URSS (83% votaram a favor e apenas 16% contra) a campanha maciça do poder controlado por Kravchuk conseguiu o milagre de que, oito meses depois, a população ucraniana apoiasse a declaração de independência do parlamento por 90%, com uma participação de 84%.
Yeltsin anunciou, como pretexto, que se a Ucrânia não assinava o novo Tratado da União, a Rússia também não o faria: era a explosão descontrolada da URSS.
Por trás, havia um ativo trabalho ocidental: dois dias depois do referendo da Ucrânia no dia 1 de Dezembro, Kravchuk conversava com Bush sobre o reconhecimento da independência pelos EUA: ainda que Washington mantivesse a cautela oficial nas relações com Moscou, a sua diplomacia e os seus serviços secretos trabalhavam ativamente apoiando as forças da ruptura. Também a Hungria e a Polônia, já convertidos em estados satélites de Washington, reconheciam a Ucrânia. Yeltsin fez o mesmo, já lançado na destruição da URSS. Imediatamente, foi lançado um plano para dissolver a União Soviética numa operação protagonizada por Yeltsin, Kravchuk e o bielorrusso Shushkevich em 8 de Dezembro de 1991, reunidos na residência de Viskulí na Reserva Natural de Belovezhskaya Pushcha, na Bielorrússia, onde proclamaram a dissolução da URSS e correram a informar George Bush para obter a sua aprovação.
Faltam investigar muitos aspectos dessa operação, embora os personagens vivos, como Shushkevich, insistam em que não estava preparada com antecedência a dissolução da URSS, que foi decidida no momento. O Presidente bielorrusso foi encarregado de relatar a um Gorbachev impotente e ultrapassado pelos acontecimentos, que sabia que iria celebrar-se a reunião de Viskulí, e se fez participante, para agrado de George Bush. A rápida sucessão de eventos, com a assinatura em Alma-Ata, em 21 de Dezembro, por onze repúblicas soviéticas da criação da CEI e a renúncia de Gorbachev, quatro dias depois, com a retirada simbólica da bandeira vermelha soviética do Kremlin, marcaram o fim da União Soviética.
Numa disparatada corrida de reivindicações nacionalistas, muitas forças políticas que tinham crescido ao abrigo da ‘perestroika’ reivindicavam soberania e independência, argumentando que a sua república iria começar novo caminho de prosperidade e progresso sem as alegadas hipotecas que implicavam a adesão à União Soviética. Desde o Cáucaso às repúblicas Bálticas, passando pela Ucrânia, Bielorrússia e Moldávia, e com a exceção das repúblicas da Ásia Central, a maioria dos protagonistas foram rápidos a quebrar os laços soviéticos… para se apoderar do poder nas suas repúblicas. A aliança tácita entre setores nacionalistas e liberais (que supostamente deveriam iluminar de liberdade e prosperidade), velhos dissidentes, altos funcionários do Estado e diretores de fábricas e combinados industriais, oportunistas do PCUS, dirigentes comunistas reconvertidos à pressa para manter o seu estatuto (Yeltsin já o tinha feito, e foi seguido por Yakovlev, Kravchuk, Shushkevich, Nazarbayev, Aliyev, Shevardnadze, Karimov etc.), setores comunistas desorientados, e ambiciosos chefes militares dispostos a tudo, até mesmo a trair os seus juramentos, para se manter na escala ou dirigir os exércitos de cada república, confluíram no esforço de demolir a URSS.
Com todo o poder em suas mãos, e com o Partido Comunista desarticulado e proibido, Yeltsin e os líderes das repúblicas lançaram-se na recolha dos despojos, nas privatizações selvagens, no roubo da propriedade pública [semelhante ao Brasil dos anos 90]. Não havia freios. Depois, para esmagar a resistência à deriva capitalista, seria o golpe de Yeltsin em 1993, inaugurando a via militar para o capitalismo, a sangrenta matança nas ruas de Moscou, o bombardeio do Parlamento (algo sem precedentes na Europa pós-1945, que chocou o mundo, mas que foi apoiado pelos governos de Washington, Paris, Berlim e Londres) e, finalmente, a manipulação e roubo nas eleições de 1996 na Rússia, que foram ganhas pelo candidato do Partido Comunista, Gennady Zyuganov.
bombardeio do Parlamento russo
A destruição da URSS tornou milhões de pessoas pobres, destruiu a indústria soviética, desarticulou completamente a complexa rede científica do país, destruiu a saúde e educação públicas, e levou à eclosão de guerras civis em várias repúblicas, muitas das quais caíram nas mãos de déspotas e ditadores. É verdade que havia insatisfação evidente em grande parte da população soviética, que teve suas raízes nos anos de repressão estalinista e que foi agravada pelo controle obsessivo da população, e ainda mais, pela desorganização progressiva e falta de alimentos e suprimentos que caracterizou os últimos anos sob Gorbachev, mas a dissolução piorou todos os males. Essa parte da população estava predisposta a acreditar nas mentiras que percorriam a URSS, muitas vezes recolhidas na comunicação ocidental.
Nas análises e na historiografia que se foi construindo nos últimos vinte anos tem sido lugar-comum questionar sobre as razões para a falta de resposta do povo soviético perante a dissolução da URSS. Vinte anos depois, a visão de conjunto é mais clara: o aprofundamento da crise paralisou grande parte das energias do país, as disputas nacionalistas colocaram o debate nas supostas vantagens da dissolução da União (todas as repúblicas, incluindo a russa, ou pelo menos os seus dirigentes, proclamavam que o resto se aproveitava dos seus recursos, fossem quais fossem, agrícolas ou mineiros, industriais ou de serviços, e que a separação iria superar a crise e o início de nova prosperidade), e as ambições políticas de muitos dirigentes (novos ou velhos) passava pela criação de novos centros de poder, novas repúblicas. Além disso, ninguém poderia organizar a resistência, porque as principais lideranças do Estado encabeçavam a operação de desmantelamento, de forma ativa como Yeltsin, ou passiva, como Gorbachev, e o Partido Comunista tinha sido declarado ilegal e as suas organizações desmanteladas. O PCUS tinha sido confundido, durante anos, com a estrutura do Estado, e essa condição dava-lhe força, mas também fraqueza: quando foi proibido, os seus milhões de militantes ficaram órfãos, sem iniciativa, muitos deles expectantes e impotentes diante das mudanças rápidas que sucediam.
No passado, esses líderes oportunistas (como Yeltsin, Aliev, Nazarbayev, o presidente do Cazaquistão desde o desaparecimento da URSS, cuja ditadura acaba de proibir a atividade do novo Partido Comunista do Cazaquistão) tiveram que agir dentro do âmbito de partido único na URSS e sob leis e Constituição que os obrigaram a desenvolver política favorável aos interesses populares. O colapso da União mostrou o seu verdadeiro caráter, tornando-os protagonistas da pilhagem de propriedade pública, e da criação de regimes repressivos, ditatoriais e populistas… que receberam imediata compreensão dos países capitalistas ocidentais.
Numa sinistra ironia, os dirigentes que protagonizaram o maior roubo da história eram apresentados pela imprensa russa e ocidental como “progressistas” e “renovadores”, enquanto aqueles que tentavam salvar a URSS e manter as conquistas sociais da população eram apresentados como “conservadores” e “imobilistas”. Esses “progressistas” iriam lançar-se depois num saque frenético da propriedade pública, roubo às mãos cheias, porque os “libertadores” e “progressistas” iam ao leme da maior fraude na história e de um massacre de dimensões assustadoras, não só pelo bombardeamento do Parlamento, mas também porque essa operação de engenharia social, a privatização selvagem, causou a morte de milhões de pessoas.
bombardeamento do Parlamento em Moscou
Um aspecto secundário, mas relevante devido às suas implicações para o futuro, é a questão de quem ganhou com o desaparecimento da URSS. Desde logo, não foi o povo soviético, que, vinte anos depois, continua abaixo dos níveis de vida a que ele tinha chegado na URSS. Três exemplos bastam: a Rússia tinha 150 milhões de habitantes, e agora só tem 142; a Lituânia, que contava em 1991, com 3.700.000 habitantes, tem agora apenas dois milhões e meio; a Ucrânia, que atingiu os 50 milhões, hoje tem apenas 45. Além dos milhões de mortos, a expectativa de vida caiu em todas as repúblicas. O desaparecimento da URSS foi uma catástrofe para a população, que caiu nas mãos de criminosos, de sátrapas, de ladrões, muitos deles agora convertidos em “respeitáveis empresários e políticos.”
Os Estados Unidos apressaram-se a declarar vitória, e tudo parecia indicar que assim tinha sido: o seu principal adversário ideológico e estratégico tinha deixado de existir. Mas, se Washington ganhou então, a sua desastrosa gestão de um mundo unipolar deu início á sua própria crise: seu declínio, embora relativo, é um fato, e sua retirada militar do mundo vai aumentar, apesar dos desejos de seus governantes.
Vinte anos depois, a União Soviética permanece na memória dos cidadãos, tanto entre os veteranos, como entre as gerações mais jovens. Olga Onóiko, uma jovem escritora de 26 anos, que ganhou o prestigioso prêmio Debut, disse (com ingenuidade que também revela a consciência de grande perda) alguns meses atrás: "A União Soviética aparece na minha mente como um grande e belo país, ensolarado e festivo, o país do meu sonho de infância, com um céu azul claro e acenando bandeiras vermelhas.” Enquanto isso, Irina Antonova, mulher excepcional de 89 anos, diretora em exercício do famoso Museu Pushkin, em Moscou, acrescentava: “A época de Stalin foi momento difícil para a cultura e para o país. Mas também vi como muito depois se perdeu um grande país de maneira involuntária e desnecessária. […] Às vezes, digo a mim mesma que só quero ir para um outro mundo depois de ter voltado a ver os ramos verdes de algo novo, algo realmente novo. Um Picasso que transforme essa realidade a partir da arte, da beleza e da emoção humana. Mas a cultura de massas tem devorado tudo. Baixou o nosso nível. Apesar de ir passar. É apenas um mau momento. E sobreviveremos a ele.”
FONTE: escrito por Higinio Polo, no “ODiario.info”, de Portugal. “Rebelión” publicou este artigo com a permissão do autor através de licença da “Creative Commons” (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/es/), respeitando a sua liberdade de publicar em outros lugares. Transcrito no portal “Vermelho” e no portal de Luis Nassif, com tradução de Guilherme Coelho (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-20-anos-sem-urss#more) [imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’]
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