O que está por trás da agressão saudita ao Iêmen
"A Arábia Saudita, aliada com outros nove países, iniciou [no mês de março], uma invasão ao Iêmen. Um fato totalmente contrário às resoluções e leis internacionais porque viola a integridade territorial de um país soberano.
Por Rasoul Goudarzi, em "Hispan TV"
"Mais uma vez, o Oriente Médio está na alça de mira das equações internacionais pela deteriorada situação que atravessa. Neste artigo, pretendemos analisar os motivos reais desta agressão e a situação em que se encontram os países do Oriente Médio.
Situação interna no Iêmen
Os protestos populares nesse país árabe motivaram a derrubada de seu presidente, Ali Abdalá Saleh, por conseguinte Abdu Rabu Mansur Hadi, então vice-presidente, assumiu o poder durante o período de transição. Não obstante, as facções favoráveis a Hadi se mantiveram atuantes para renovar seu mandato, o que, unido à má situação socioeconômica do país, motivou a retomada dos protestos liderados pelo movimento popular "Ansarolá", que perseguia o estabelecimento de um processo democrático no país.
Essa situação trouxe consigo diversos enfrentamentos entre os detratores e os seguidores do ex-presidente, conduzindo o país ao colapso, especialmente depois que Hadi renunciou e fugiu para Riad, capital da Arábia Saudita.
Nessas circunstâncias - em que o movimento popular "Ansarolá" ia ganhando protagonismo no terreno sociopolítico, controlava vários territórios e aumentava a possibilidade de que, mesmo negando em várias oportunidades, tomasse o poder no país -, eclodiu a guerra, “aparentemente”, a pedido de Hadi.
A situação regional
O Iêmen tem grande importância para a Arábia Saudita e os Estados Unidos. Por sua situação estratégica, é cercado pelo Mar Arábico, o Golfo de Áden e o Mar Vermelho. Riad é um ator de muito peso que não considera o território iemenita como o de um país estrangeiro, mas como seu quintal, pelo que não quer perder sua influência. A chegada ao poder do movimento popular "Ansarolá" no Iêmen, devido a suas diferenças ideológicas e religiosas com os sauditas, suporia uma ameaça para essa influência. Portanto, decidem recorrer a qualquer mecanismo a seu alcance para evitar um governo xiita em suas proximidades.
Igualmente, o reino da Arábia Saudita é considerado um grande rival do Irã, por sua intenção de estender sua ideologia wahabista e sua intolerância a um governo xiita em suas fronteiras, em especial quando a parte oriental de seu território se encontra submetida a fortes manifestações populares.
Ademais, a religião xiita é tema totalmente contrário à política daqueles países envolvidos na invasão, ou seja, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Egito, Turquia, Sudão, Argélia, Catar, Kuweit, Jordânia e, especialmente, Arábia Saudita. Por isso, a possibilidade de que o movimento "Ansarolá" assumisse o comando, como uma mostra do aumento do poder dos xiitas na região e da presença do Irã, constituem alguns dos motivos fundamentais dessa agressão.
Demonstram isso as palavras do ministro conselheiro da chancelaria dos Emirados Árabes Unidos, Anwar Qarqash, quando assegurou: “Não se pode manter o silêncio ante a mudança estratégica na região a favor do Irã, cujos representantes são os hutís” [como são chamados os integrantes do movimento iemenita Ansarolá].
A isso devemos somar as declarações do premiê israelense ante o Congresso dos Estados Unidos, de que o Irã tem o controle das capitais de quatro países árabes, além de dois estreitos estratégicos na região. Assim, essa agressão pode ser interpretada também como uma estratégia por parte da Arábia Saudita, apoiada pelo regime de Israel e dos Estados Unidos, para demonstrar força perante o Irã.
Apoio à invasão e a política de duas caras
O que estamos vendo hoje em dia no Iêmen é muito parecido ao que ocorreu na Ucrânia, quando forças opositoras derrubaram o então presidente, Víktor Yanukóvich. Diante de tal situação, os Estados Unidos e outras potências ocidentais adotaram posturas totalmente diferentes das atuais; condenaram o apoio da Rússia a Yanukóvich e, ao mesmo tempo, respaldaram os opositores, criando um grande caos nesse país. Igualmente, impulsionaram medidas de pressão, como as sanções unilaterais de Washington e Bruxelas, e fomos testemunhas da dura posição do Conselho de Segurança da ONU, sob a alegação de defender a democracia e respeitar a voz do povo ucraniano.
Entretanto, no Iêmen, enquanto a ONU se manteve em silêncio diante da agressão saudita, Washington e a Europa dão seu pleno apoio ao país árabe agressor contra o povo iemenita que, mediante seus protestos, denunciou em várias ocasiões o sistema ditatorial que os oprime e a má situação socioeconômica reinante.
Como a questão atinge diretamente os interesses das superpotências, as posturas diante desses dois acontecimentos semelhantes foram diferentes. Uma vez mais, o mundo foi testemunha do abuso do sistema hegemônico em questões de democracia e defesa dos direitos humanos.
Força militar comum
Nestes momentos, em que a região está submetida ao caos, os ministros de Relações Exteriores dos membros da Liga Árabe acordaram formar uma força militar conjunta. Se bem que, a princípio, o secretário geral do organismo, Nabil al-Arabi, tenha declarado que o objetivo era combater os terroristas, parece que os países árabes estão mobilizando-se rumo a uma verdadeira aliança como a da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
A agressão saudita ao Iêmen foi o primeiro passo nesse contexto, com a participação de todos os países árabes, à exceção de Omã. Além do aspecto militar, a situação já tem indícios de que esses países se dirigem para uma verdadeira união em campos como o político, o econômico e o militar, como se nota nas declarações das autoridades sauditas quando ameaçaram suspender as exportações de petróleo desde o Oriente Médio, caso os navios petroleiros se aproximem dos portos iemenitas. Isso pode ser um sinal do início de uma integração árabe, cuja materialização pode também prejudicar os interesses ocidentais.
Conclusão
Com tudo o que foi exposto, só resta dizer que, embora essa agressão tenha contribuído para a aproximação dos países árabes, Riad cometeu um grande erro ao desencadear essa guerra, sob instigação dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais, já que, se essa contenda bélica se prolongar e trouxer consigo um grande desgaste, a própria Arábia Saudita se verá afetada e prejudicada porque deverá enfrentar a onda de desalojados pela guerra, o aumento das operações terroristas perto de suas fronteiras e um caos que pode contagiar inclusive seu território, enquanto nem os Estados Unidos nem seus aliados ocidentais se verão prejudicados, já que seus territórios não estão envolvidos nessa guerra."
FONTE: escrito por Rasoul Goudarzi, em "Hispan TV". Tradução do "Blog da Resistência" [www.zereinaldo.blog.br]. Transcrito no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/261671-9).
Por Rasoul Goudarzi, em "Hispan TV"
"Mais uma vez, o Oriente Médio está na alça de mira das equações internacionais pela deteriorada situação que atravessa. Neste artigo, pretendemos analisar os motivos reais desta agressão e a situação em que se encontram os países do Oriente Médio.
Situação interna no Iêmen
Os protestos populares nesse país árabe motivaram a derrubada de seu presidente, Ali Abdalá Saleh, por conseguinte Abdu Rabu Mansur Hadi, então vice-presidente, assumiu o poder durante o período de transição. Não obstante, as facções favoráveis a Hadi se mantiveram atuantes para renovar seu mandato, o que, unido à má situação socioeconômica do país, motivou a retomada dos protestos liderados pelo movimento popular "Ansarolá", que perseguia o estabelecimento de um processo democrático no país.
Essa situação trouxe consigo diversos enfrentamentos entre os detratores e os seguidores do ex-presidente, conduzindo o país ao colapso, especialmente depois que Hadi renunciou e fugiu para Riad, capital da Arábia Saudita.
Nessas circunstâncias - em que o movimento popular "Ansarolá" ia ganhando protagonismo no terreno sociopolítico, controlava vários territórios e aumentava a possibilidade de que, mesmo negando em várias oportunidades, tomasse o poder no país -, eclodiu a guerra, “aparentemente”, a pedido de Hadi.
A situação regional
O Iêmen tem grande importância para a Arábia Saudita e os Estados Unidos. Por sua situação estratégica, é cercado pelo Mar Arábico, o Golfo de Áden e o Mar Vermelho. Riad é um ator de muito peso que não considera o território iemenita como o de um país estrangeiro, mas como seu quintal, pelo que não quer perder sua influência. A chegada ao poder do movimento popular "Ansarolá" no Iêmen, devido a suas diferenças ideológicas e religiosas com os sauditas, suporia uma ameaça para essa influência. Portanto, decidem recorrer a qualquer mecanismo a seu alcance para evitar um governo xiita em suas proximidades.
Igualmente, o reino da Arábia Saudita é considerado um grande rival do Irã, por sua intenção de estender sua ideologia wahabista e sua intolerância a um governo xiita em suas fronteiras, em especial quando a parte oriental de seu território se encontra submetida a fortes manifestações populares.
Ademais, a religião xiita é tema totalmente contrário à política daqueles países envolvidos na invasão, ou seja, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Egito, Turquia, Sudão, Argélia, Catar, Kuweit, Jordânia e, especialmente, Arábia Saudita. Por isso, a possibilidade de que o movimento "Ansarolá" assumisse o comando, como uma mostra do aumento do poder dos xiitas na região e da presença do Irã, constituem alguns dos motivos fundamentais dessa agressão.
Demonstram isso as palavras do ministro conselheiro da chancelaria dos Emirados Árabes Unidos, Anwar Qarqash, quando assegurou: “Não se pode manter o silêncio ante a mudança estratégica na região a favor do Irã, cujos representantes são os hutís” [como são chamados os integrantes do movimento iemenita Ansarolá].
A isso devemos somar as declarações do premiê israelense ante o Congresso dos Estados Unidos, de que o Irã tem o controle das capitais de quatro países árabes, além de dois estreitos estratégicos na região. Assim, essa agressão pode ser interpretada também como uma estratégia por parte da Arábia Saudita, apoiada pelo regime de Israel e dos Estados Unidos, para demonstrar força perante o Irã.
Apoio à invasão e a política de duas caras
O que estamos vendo hoje em dia no Iêmen é muito parecido ao que ocorreu na Ucrânia, quando forças opositoras derrubaram o então presidente, Víktor Yanukóvich. Diante de tal situação, os Estados Unidos e outras potências ocidentais adotaram posturas totalmente diferentes das atuais; condenaram o apoio da Rússia a Yanukóvich e, ao mesmo tempo, respaldaram os opositores, criando um grande caos nesse país. Igualmente, impulsionaram medidas de pressão, como as sanções unilaterais de Washington e Bruxelas, e fomos testemunhas da dura posição do Conselho de Segurança da ONU, sob a alegação de defender a democracia e respeitar a voz do povo ucraniano.
Entretanto, no Iêmen, enquanto a ONU se manteve em silêncio diante da agressão saudita, Washington e a Europa dão seu pleno apoio ao país árabe agressor contra o povo iemenita que, mediante seus protestos, denunciou em várias ocasiões o sistema ditatorial que os oprime e a má situação socioeconômica reinante.
Como a questão atinge diretamente os interesses das superpotências, as posturas diante desses dois acontecimentos semelhantes foram diferentes. Uma vez mais, o mundo foi testemunha do abuso do sistema hegemônico em questões de democracia e defesa dos direitos humanos.
Força militar comum
Nestes momentos, em que a região está submetida ao caos, os ministros de Relações Exteriores dos membros da Liga Árabe acordaram formar uma força militar conjunta. Se bem que, a princípio, o secretário geral do organismo, Nabil al-Arabi, tenha declarado que o objetivo era combater os terroristas, parece que os países árabes estão mobilizando-se rumo a uma verdadeira aliança como a da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
A agressão saudita ao Iêmen foi o primeiro passo nesse contexto, com a participação de todos os países árabes, à exceção de Omã. Além do aspecto militar, a situação já tem indícios de que esses países se dirigem para uma verdadeira união em campos como o político, o econômico e o militar, como se nota nas declarações das autoridades sauditas quando ameaçaram suspender as exportações de petróleo desde o Oriente Médio, caso os navios petroleiros se aproximem dos portos iemenitas. Isso pode ser um sinal do início de uma integração árabe, cuja materialização pode também prejudicar os interesses ocidentais.
Conclusão
Com tudo o que foi exposto, só resta dizer que, embora essa agressão tenha contribuído para a aproximação dos países árabes, Riad cometeu um grande erro ao desencadear essa guerra, sob instigação dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais, já que, se essa contenda bélica se prolongar e trouxer consigo um grande desgaste, a própria Arábia Saudita se verá afetada e prejudicada porque deverá enfrentar a onda de desalojados pela guerra, o aumento das operações terroristas perto de suas fronteiras e um caos que pode contagiar inclusive seu território, enquanto nem os Estados Unidos nem seus aliados ocidentais se verão prejudicados, já que seus territórios não estão envolvidos nessa guerra."
FONTE: escrito por Rasoul Goudarzi, em "Hispan TV". Tradução do "Blog da Resistência" [www.zereinaldo.blog.br]. Transcrito no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/261671-9).
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