segunda-feira, 16 de novembro de 2015

PARA QUE SERVE UMA EMPRESA PÚBLICA?


    
     Crédito da foto: Ministério do Planejamento/PAC

Para que serve uma empresa pública?


Por Marco Antonio Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT-IE/Unicamp). Conteúdo especial do projeto do Brasil Debate e SindipetroNF – Diálogo Petroleiro

"O fato histórico é que as grandes empresas públicas são talvez as estruturas de maior relevância no planejamento, gestão e execução das políticas industriais dos países desenvolvidos durante a criação e consolidação de importante setores da terceira revolução industrial

Um fato pouco estudado na reestruturação dos sistemas industriais nacionais no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial foi o papel das grandes empresas públicas como elementos centrais na execução da política de reconstituição da indústria europeia.


Ainda que esse elemento fosse combatido pelos oficiais americanos que supervisionaram o período inicial da execução do plano, as empresas públicas e as estatizações se proliferam no Pós-Guerra e, nas décadas seguintes, empresas como a "Ente Nazzionale de Idrocarburi", "Enterprise de Recherche et d’Activitês Pétrolières", "Deutsche Erdoel AG" (DEA) e a "ÖsterreichischeMineralölverwaltung" (ÖMV), entre outras, passaram a ter papel ativo na organização dos sistemas de empresa fornecedoras da indústria do petróleo e a constituir a base de capacitação de um conjunto nacional de pequenas e médias empresas europeias.

Mesmo que de forma reativa, isto é, motivada muito mais pelas carências estruturais da situação da maior parte dos países industrializados após a Guerra Mundial do que por convicções políticas, o fato é que as grandes empresas públicas se tornaram os elementos centrais na defesa e na criação de competitividade de uma parte significativa dos sistemas industriais nacionais na segunda metade do século 20.

Essas empresas não só procuravam regular a oferta interna dos insumos industriais básicos e fornecer a infraestrutura industrial, como organizavam também uma vasta cadeia de pequenas e médias empresas.

Suas decisões estratégicas definiam assim eixos de política industrial através de suas decisões de compra, capacitação de fornecedores, investimentos em parcerias para desenvolvimento tecnológico et cætera.

Desse modo, o fato histórico é que as grandes empresas públicas foram talvez as estruturas de maior relevância no planejamento, gestão e execução das políticas industriais dos países desenvolvidos durante a criação e consolidação de importante setores da chamada terceira revolução industrial.

Mesmo que a onda posterior de privatizações tenha desmontado alguns desses sistemas industriais, até agora a proposta liberal não conseguiu produzir estruturas institucionalmente equivalentes que tenham se demonstrado tão eficazes na execução da ideia de política industrial construída no Pós-Guerra quanto as empresas públicas – com maior visão estratégica de mais longo prazo e menos sujeitas a capturas do que as agências reguladoras.

Justamente por estarem inseridas diretamente na concorrência intercapitalista, as grandes empresas públicas têm maior capacidade de alterar o equilíbrio de forças, favorecendo a inserção competitiva das empresas nacionais. Portanto, o que se deve esperar de uma empresa pública?

A Petrobrás iniciou nos anos 2000 a constituição de um plano estratégico baseado na missão de conquista do Pré-Sal, que envolvia não só alcançar grandes metas de produção em águas profundas, como, através do PROMINP, ampliar e criar setores industriais tecnologicamente dinâmicos e com grandes possibilidades de inserção de empresas nacionais.

Em especial, um conjunto amplo de médias e pequenas empresas fornecedoras nos processos de EPC e envolvidas na política de conteúdo local.

Uma pesquisa realizada pelo "Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia" da Universidade Estadual de Campinas (1) em um conjunto de grandes empresas do setor de máquinas e equipamentos ligadas à cadeia produtiva petroleira forneceu um bom retrato dos efeitos da Petrobrás sobre o sistema industrial brasileiro: das empresas entrevistadas, cerca de 80% revelaram que sua inserção como fornecedora da Petrobrás significou a introdução de novos produtos e serviços; cerca de 70% das empresas afirmaram que a relação com a Petrobrás também significou o aumento das vendas para outros clientes, a contratação de novos funcionários e a modernização de processos produtivos.

Aproximadamente metade das empresas declararam que ampliaram seus gastos em P&D em razão dos contratos com a Petrobrás, e ainda cerca de 20% das empresas iniciaram processos de internacionalização a partir da atuação como fornecedora da Petrobrás.

Vale também ressaltar que os principais impactos se revelaram justamente nos setores de bens de capital, cuja dinamização tem importantes efeitos de encadeamento e em fornecer ganhos de produtividade para o restante do sistema industrial.

A relação entre Petrobrás e fornecedores ainda é permeada por empresas de serviço industrial, como engenharia de projeto e detalhamento, permitindo a inserção não só de empresas industriais, como o desenvolvimento de atividades de serviço com alto conteúdo tecnológico.

De modo geral, o sistema de empresas públicas foi ao longo do século 20 o principal fator de consolidação de sistemas nacionais de pequenas e médias empresas com competitividade internacional.

A contradição entre grandes empresas e pequenas e média é, na maioria dos casos, apenas aparente; via de regra, países com grandes empresas nacionais – sobretudo públicas – possuem sistemas robustos de pequenas e médias empresas.

Isso porque as estratégias de crescimento das grandes empresas estatais serviram, ao longo do desenvolvimento capitalista, de suporte à expansão das atividades das pequenas e médias empresas nos casos de maior êxito.

No caso da Petrobrás, os levantamentos realizados nas empresas vinculadas ao PROMINP demonstram efeitos significativos na ampliação da produção, capacitação tecnológica e geração de empregos.

Assim como seus pares, a Petrobrás vem se tornando um ponto de suporte para o sistema de pequenas e médias empresas brasileiras, que, vale lembrar, respondem por cerca de 60% do emprego nas regiões metropolitanas e por cerca de 25% do PIB, e são geralmente o elo mais fraco da indústria nacional."

Nota:

(1) SARTI, F.; HIRATUKA, C. & ROCHA, M.A. Desenvolvimento tecnológico e competitivo dos fornecedores da Petrobrás no setor de máquinas e equipamentos: oportunidades e desafios. In: NEGRI, J. A. (org.). Poder de Compra da Petrobrás: Impactos econômicos nos seus fornecedores. Brasília: Ipea, vol. 2, 2011.

FONTE: escrito por Marco Antonio Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT-IE/Unicamp). Conteúdo especial do projeto do "Brasil Debate" e Sindipetro NF – Diálogo Petroleiro. Publicado no "Brasil Debate" (http://brasildebate.com.br/para-que-serve-uma-empresa-publica/).

3 comentários:

iurikorolev disse...

Pra que serve?
Bem, no Brasil parece que serve para os politicos se locupletarem.

Unknown disse...

Ao Iurikorolev,
Realmente, você tem razão. Há muitos casos que se enquadram exatamente nessa sua impressão. Por exemplo, um caso famoso é a estatal Furnas, que serviu para muitos políticos se locupletarem (todos fingem hoje serem contra a corrupção, "defensores da honestidade"), assim como os escândalos do banco Banestado, da SUDENE, do DNER, Banco Central+bancos Marka e FonteCindam etc, etc.
Por outro lado, há muitas exceções onde ocorreu o contrário do que você diz. Um caso típico é a Vale. Quando era estatal, alcançou a marca de maior e mais valiosa mineradora do mundo, dava muitos lucros para o governo e não causou nenhum grande crime ambiental. Depois de "privatizada" para estrangeiros e seus laranjas pelo PSDB/FHC (patrimônio público valiosíssimo estranhamente "vendido" por dois tostões), passou a ser explorada irresponsável e gananciosamente e causou o maior desastre ambiental do Brasil (e do mundo nessa atividade) com prejuízo para o Brasil estimado em dezenas de bilhões de dólares e um século para o retorno à normalidade.
Como você bem diz, os políticos que se locupletaram na "manobra" de doação da empresa estatal para os novos bilionários gananciosos donos, continuarão impunes, paparicados pela mídia, posando de deusas vestais.
Maria Tereza

iurikorolev disse...

De acordo MT.
No caso da Petrobras ela foi covardemente espoliada pelo PMDB, PT e outros partidos.