quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
DEFESA NACIONAL - SURFANDO NA ONDA DO RELATÓRIO DO MD
Por Luiz Eduardo Rocha Paiva, General da reserva, no “O Estado de São Paulo”
“As vulnerabilidades da defesa nacional apontadas em relatório do Ministério da Defesa, recém-divulgadas pelo ‘Estadão’, merecem uma análise, ainda que sucinta, do cenário político-militar mundial e seus reflexos para o Brasil.
Os conflitos não têm mais limites geográficos, distinguindo-se apenas em amplitude e intensidade. Do Oriente Médio e da Ásia Central, se expandem para o entorno chinês, a África e espaços oceânicos adjacentes, e chegarão à América do Sul. O progresso diminuiu as distâncias e facilitou a projeção das potências para acessar e manter a presença em regiões de recursos vitais. Para isso, exercem pressões político-econômicas e empregam poder militar de forma indireta (cooperação e dissuasão) ou direta (dissuasão, coação e ato de força), a fim de se imporem a oponentes mais fracos e limitarem a influência de potências rivais.
Existe um eixo de poder, que conduz os destinos do mundo, onde estão China, Rússia, EUA, União Europeia (UE) e Japão. Por estarem em constantes disputas, mantêm poder militar capaz de apoiar o Estado na satisfação de interesses em âmbito global. A queda da URSS permitiu a expansão norte-americana e da UE no Leste Europeu e na Ásia Central, e a dos EUA no Oriente Médio. Porém a ascensão da China, a recuperação da Rússia, decisões estratégicas equivocadas no Oriente Médio e na Ásia Central e a crise econômica limitaram a liberdade de ação mundial dos EUA e da UE.
A Rússia tenta reverter o processo de encolhimento sofrido na Europa Oriental e na Ásia Central. Na vazia Sibéria, a ameaça vem de 100 milhões de chineses na fronteira e do expansionismo econômico amarelo. A aproximação com os EUA e aliados poderá ser necessária para preservar aquela região, cuja exploração será mais viável e rendosa com o aquecimento global. Trata-se de aliança decisiva para os EUA fecharem o cerco estratégico à China com a presença da aliança ocidental na Ásia Central e a dos aliados Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Austrália, Filipinas e Índia, no Pacífico e no Índico. Daí o esforço chinês para ampliar e projetar seu poder naval no Oriente Médio e nos Oceanos Índico e Pacífico, incluindo o Mar da China, rotas vitais para suas riquezas e importações, particularmente do petróleo da África e do Oriente Médio.
Na Ásia Central, a China leva vantagem por afinidades históricas, pela projeção cooperativa, e não impositiva, como é a dos EUA, e por não estar envolvida em conflito armado. A aliança ocidental está num atoleiro no Afeganistão e no Paquistão, tendo poucas chances de vitória total. Terá de limitar seus objetivos, contentando-se em dividir a presença e a influência com potências rivais e apenas reduzir o poder do Taleban naqueles países.
A Ásia Central e o Oriente Médio são áreas de certa forma interdependentes e onde estão os conflitos de mais difícil solução. No Oriente Médio, os EUA, que chegaram a ter a Arábia Saudita, o Iraque e o Irã como aliados, estavam reduzidos nos anos 1990 à Arábia Saudita, então ameaçada por Saddam Hussein e pelo fundamentalismo islâmico. Um sucesso no Iraque em 2003 reverteria a situação, mas ele não veio como almejado. O novo Iraque não é inimigo, mas a retirada militar dos EUA ensejará a possibilidade de ascensão do Irã como potência regional dominante, o que contraria um objetivo fundamental da política externa norte-americana em todos os continentes. Por outro lado, a transferência do esforço de guerra para o Afeganistão não evoluiu como desejado, pois a vitória parece impossível e já foi decidida a retirada militar. Embora a maior ameaça aos interesses dos EUA ainda seja o Irã, o futuro do mundo árabe ficou mais difícil de determinar com os movimentos contra regimes até há pouco tempo estáveis.
Quais os reflexos político-militares para o Brasil se os EUA e aliados perderem espaços nessas áreas para seus rivais regionais e globais?
Entre as prioridades de nossa diplomacia e de nossa defesa estão o Atlântico Sul e a África, onde a influência crescente da China levou os EUA a criarem o Comando da África e a reativarem a 4ª Frota. A propósito, um documento oficial dos EUA sobre mobilidade estratégica destaca a importância de uma base no saliente nordestino brasileiro. Os conflitos chegaram ao nosso entorno. O insucesso ou êxito limitado dos EUA e aliados em áreas distantes resultarão em pressões para impor condições que assegurem o acesso privilegiado às riquezas da América do Sul e do Atlântico Sul. A região é a maior reserva mundial de recursos naturais, tem mercado promissor, a China investe forte na área e alguns vizinhos atraem a Rússia, a China e o Irã no campo militar. Os EUA reagirão à penetração de rivais em sua área de influência e tudo isso afeta a liderança do Brasil no processo de integração regional e na defesa de seu patrimônio e de sua soberania. A UNASUL não garantirá os nossos interesses, portanto, temos de ser uma potência autônoma.
Não são os vizinhos a razão para reforçar o poder militar do País, e sim nossa ascensão como potência econômica global, a participação destacada no comércio mundial e a cobiça por nossos recursos e posição geoestratégica. Tudo isso tirou o Brasil da posição periférica e o colocou em rotas de cooperação e conflito com o eixo do poder em áreas regionais e extrarregionais, na disputa por recursos, interesses e direitos, pois ao eixo não interessam novos sócios. Como na China no século 21, em vez de entrarem em conflitos desgastantes, as potências rivais poderão unir-se para pressionar e ameaçar o Brasil.
O tempo estratégico não se mede por anos, mas por décadas. Decisões tomadas hoje têm consequências no futuro e, quando erradas, trazem perdas desastrosas, pois a correção só produz resultados em médio ou longo prazo. Os governos brasileiros, desde os anos 90, trocaram a opção de Brasil potência pela de “global trader”, confundiram nação com mercado, aceitaram limitações ao desenvolvimento científico-tecnológico militar, negociaram a soberania na Amazônia e tornaram o País um indigente militar.”
FONTE: publicado no “O Estado de São Paulo” e transcrito no site “DefesaNet” (http://www.defesanet.com.br/defesa/noticia/4054/DEFESA---Surfando-na-onda-do-relatorio) [imagem do Google adicionada port este blog ‘democracia&política’].
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