sábado, 17 de dezembro de 2011

A EXTRADIÇÃO DE NORIEGA E OUTRA HISTÓRIA DO PANAMÁ

Manuel Antonio Noriega

“A extradição do ex-chefe de governo do Panamá e suposto narcotraficante, Manuel Antonio Noriega, ao Panamá no último dia 11, suscita uma série de questionamentos sobre o que estaria por trás de tal investida, questão levantada por artigo da jornalista argentina Stella Calloni.

Para contribuir com o debate, o portal “Vermelho” entrevistou o jornalista e escritor Paulo Cannabrava Filho, que morou três anos no Panamá durante o tempo em que esteve exilado, vítima da ditadura brasileira.

Por Vanessa Silva

Com conhecimento de causa, por ter trabalhado com Omar Torrijos na luta pela libertação do Canal do Panamá desde 1972 como assessor de comunicação da “Comissão de Negociação dos Novos Tratados do Canal”, Cannabrava revela outra face do general Noriega e outra parte da história, omitidas pela historiografia oficial.

QUEM FORAM NORIEGA E TORRIJOS

Em 1968, Torrijos comandou movimento nacionalista que derrubou o governo de Arnulfo Arias Madrid. O principal feito do período em que foi chefe de governo foram as negociações para que os Estados Unidos se retirassem do Canal do Panamá. Em 1977, ele fechou um acordo com o então presidente James Carter para que as tropas estadunidenses se retirassem do canal em 1999.

Nesse período, Noriega foi o “braço direito e esquerdo de Torrijos como comandante da Guarda e chefe de governo. Foi comandante do G-2 — o serviço de inteligência da Guarda Nacional — e tinha sob sua responsabilidade o Ministério do Interior”. Sobre o papel do general no governo, ele esclarece que “Noriega foi importante para manter o equilíbrio entre os oficiais da Guarda que disputavam o poder”.

O jornalista lembra que, dado o caráter e temperamento de Torrijos, muitos dos movimentos de esquerda que militaram na América Latina durante os anos 1960 tiveram contato com o panamenho. “Omar talvez quisesse compensar a humanidade pelos crimes que foram cometidos pelos estadunidenses a partir de seu território. Líderes e dirigentes vietnamitas, líbios, saarauís, bascos, integrantes das FARC, montoneros e tupamaros tinham relação de confiança com Omar. E Noriega participou de todas as conspirações que foram armadas nesses encontros”.

Ele também ressalta a importância do líder centro-americano na vitória dos sandinistas na Nicarágua: “os sandinistas conseguiram derrotar Somoza e chegar ao poder graças ao apoio incondicional de Omar Torrijos. Qualquer sandinista da velha guarda, se honesto, confirmará isso. (...) O apoio recebido foi vital na área de inteligência, logística, comunicação e, após a vitória, na organização do Estado. Todos esses fatos envolveram o Noriega, claro, como chefe do G-2”.

INSUBORDINAÇÃO

Segundo Cannabrava, a questão crucial nesse episódio é que os Estados Unidos nunca perdoaram o fato de Torrijos não ter apoiado, por duas vezes, seus planos de invadir Cuba. Ele elucida que a intenção do governo estadunidense era “envolver o Panamá numa espécie de “incidente de Tonkin[1] para justificar uma invasão a Cuba”, mas foram rechaçados. “Fidel sempre se deu bem com Omar e Noriega”, observa.

O fato, no entanto foi considerado imperdoável pelo governo de Ronald Reagan. A insubordinação custou a vida do líder panamenho, que teve seu avião, de pequeno porte, derrubado em represália às derrotas que infligiu aos planos estadunidenses.

ASCENSÃO DE NORIEGA

Com a morte de Torrijos, “Noriega tinha razões para achar que chegara sua vez e assumiu o comando da Guarda e a chefia do Estado”, esclarece Cannabrava. Ele ressalta, contudo, que “Noriega não era Omar, não tinha o carisma do velho nem a “cultura-mundo” que fazia de Omar um cara admirável, respeitado por quantos o conheceram. Gabo Marquez [Gabriel García Marquez], Graham Greene [que em 1986 escreveu o livro “O Lobo Solitário” no qual discorre sobre sua relação com Torrijos], Fidel Castro, eu e tantos outros. Todos o admirávamos”. Ele observa ainda que “Noriega não tinha a dimensão humana para pretender ocupar o lugar de Omar, mas, levado pelas circunstâncias… ocupou”.

Quando questionado sobre quando Noriega teria entrado para a folha de pagamentos da agência de inteligência estadunidense, ele diz não saber: “constatou-se, no entanto, que realmente esteve na folha de pagamento da CIA e, como tal, participou de operações de narcotráfico. Nem todos os homens resistem a uma montanha de dinheiro e às benesses que isso aporta. Omar era especial também porque dava a mínima para dinheiro”, pontua.

NOVA INVASÃO AO PANAMÁ

Ataque mortífero e invasão dos EUA no Panamá

Em 1989, pouco depois de Noriega ter sido designado chefe de governo, os EUA invadiram o Panamá e o destituíram, em episódio que deixou centenas de pessoas mortas.

O jornalista questiona o argumento usado pelo governo estadunidense de combate ao tráfico: “quando os EUA invadiram o Panamá com o pretexto de impor moral, a primeira pergunta que fiz foi: Moral? Invadir um país soberano é a maior das imoralidades. (...) É preciso ser muito ingênuo ou alienado total para aceitar um argumento como esse, ainda mais vindo dos maiores amorais do planeta, gente destituída de qualquer laivo de humanidade. Invadiram, tomaram conta e estão lá até hoje. Como fizeram no Iraque, na Líbia etc”, ressalta.

Ele questiona ainda o motivo de Noriega não ter sido morto pelos Estados Unidos: esta é “uma boa pergunta para seus cúmplices”. Mas observa que gostaria de saber a resposta do próprio Noriega: “Comprei a luta de libertação do povo panamenho, liderada por Torrijos e estive envolvido diretamente em muitos dos fatos anunciados. Convivi com Omar Torrjos e servi a ele e sua causa. (...) Servi também no combate ao Somoza até a vitória sandinista. Conheci o Noriega desse tempo, solidário, fiel a Torrijos. Gostaria muito, muito mesmo, de entrevistá-lo, ouvir a versão dele dessa história”, conclui.

E termina a conversa com uma nova questão: “Não será coincidência a volta de Noriega e de Baby Doc [2]? Quem mais eles [Estados Unidos] tirarão do baralho?

NOTAS:

[1] Incidente do Golfo de Tonkin é o nome dado a dois incidentes, separados por dois dias, envolvendo as forças navais dos EUA e da República Democrática do Vietnã nas águas do Golfo de Tonkin em agosto de 1964. A ação foi usada como pretexto pelo governo estadunidense para iniciar a Guerra do Vietnã.

[2] Jean-Claude Duvalier, conhecido como Baby Doc, foi ex-presidente do Haiti de 1981-1985, período sob o qual o país viveu regime de terror. Derrubado por revolta popular em 1986, ele se exilou na França e nunca foi preso. Em janeiro deste ano, Baby Doc voltou ao Haiti e vive em liberdade naquele país caribenho.”

FONTE: escrito por Vanessa Silva no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=171133&id_secao=7) [imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’]

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