Paulo Moreira Leite
MORTE EM COMBATE
"Em países civilizados, jornalistas recebem equipamento especial e treinamento para fazer a cobertura de eventos de risco
A morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade chocou o Brasil e não era para menos. Trata-se de um ato brutal e vergonhoso. Deve ser apurado e seus responsáveis devem ser punidos na forma da lei.
Andrade morreu na mesma situação que o fotografo Joel Silva recebeu um tiro de raspão quando cobria conflitos no Cairo.
Cobrindo os protestos em São Paulo, no ano passado, Giuliana Vallone tomou um tiro no olho direito e teve sorte de voltar a enxergar.
Claro que a morte de Santiago foi acompanhada de reportagens emocionantes e editoriais indignados contra a violência, a insegurança, os desmandos da polícia e os black-blocks. Não vamos nos enganar, porém.
Num país onde ocorrem protestos dessa magnitude e com esta frequência, o esforço de nossos repórteres e fotógrafos tem traços de um heroísmo que precisa ser respeitado e reverenciado.
Mas é obvio que eles são levados a correr riscos indevidos.
Quem já fez coberturas em países conflagrados sabe que os jornalistas que enfrentam a violência prevista e previsível recebem treinamento especial, ganham equipamentos que garantem um mínimo de proteção a suas vidas e sua saúde.
Ninguém é escalado a participar de uma cobertura se não estiver treinado e protegido.
Este é o ponto. O combate pela notícia, que é sempre uma luta, transformou-se num espetáculo covarde.
Pense na morte de Santiago, encurvado, com uma camisa avermelhada. Nada tinha para proteger sua cabeça nem as partes vitais do corpo.
Lembre-se dos olhos de Giulana, inchados e horrendos. Pense em outras agressões que, banalizadas, não saem nos jornais.
Não vamos nos enganar. São cenas que expressam o descuido, o pouco caso, a falta de respeito pelos profissionais que ajudam a sociedade a manter-se informada. Mortos e feridos retratam a desimportância de quem deve trazer a notícia e ajudar os brasileiros a exercitar seu direito a informação.
A questão é essa.
Além de todas as providências jurídicas contra os responsáveis pela tragédia, cabe às empresas de comunicação preparar e treinar seus profissionais para evitar uma exposição desnecessária a risco. Isso pode ser feito ou não com a colaboração de autoridades do Estado.
O importante é que seja feito. Da mesma forma que existe um preparo técnico específico para coberturas específicas do jornalismo, é preciso cuidar de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas que serão enviados a linha de ponta de episódios violentos. Vamos combinar que não é grande despesa nem muito esforço para se defender a liberdade de imprensa."
FONTE: escrito por Paulo Moreira Leite, Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília. É autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa"). (http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/347530_MORTE+EM+COMBATE).
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