A volta para o Brasil e a percepção de que estamos bem, obrigado
Por FRANCY LISBOA
"No período pré-Copa do Mundo de Futebol deste ano, houve onda de manifestações de preconceito e falta de sentimento nacional que resultou no ridículo de muitas pessoas terem de ser forçadas a reconhecer que o nosso país foi capaz de organizar um evento de tal magnitude. Nem mesmo a dor da derrota acachapante para os alemães tirou o sucesso que foi o evento. Naquele momento, o termo coxinha passou a ser creditado aqueles que faziam questão de achincalhar o Brasil devido a qualquer questão, mesmo as mais pueris. Foi a época do “só no Brasil”.
Pois bem, só no Brasil. Vivendo no Reino Unido por quase onze meses, longe da esposa e da cria, da família e de amigos, jamais tive o receio de chegar perto de ser taxado de coxinha. E isso não se deve ao meu nacionalismo, que alguns podem considerar ultrapassado. Trata-se de percepção adquirida a partir de relatos das amizades e das parcerias de trabalho feitas no exterior: nosso país está bem, obrigado.
Pude olhar de perto os efeitos da crise internacional no rico Reino Unido. A crise financeira que se instalou no Instituto de Pesquisa que me acolheu aqui na Escócia fez ceifar nada mais nada menos que setenta vagas de emprego em menos de um mês. Pessoas as quais eu começava a me familiarizar de um dia para o outro mudaram suas feições, o medo espalhado sobre qual seria a próxima cabeça a rolar.
Não era essa a imagem que esperava do Reino Unido. Sabemos da riqueza desse conjunto de países e do alto IDH. Conversando com os demitidos, e outros que foram “forçados” a se demitirem, sobre os motivos da necessidade dessas demissões, o ponto comum apontado foi a falta de dinheiro que vem se arrastando desde o estopim da crise financeira internacional. O mais desesperançoso era quando perguntava para eles: o que vocês vão fazer daqui para frente? A maioria não sabia. Mulheres e homens chefes de família abatidos. Alguns chegaram a me perguntar sobre as oportunidades de se trabalhar no Brasil uma vez que estavam sabendo da baixa taxa de desemprego. Ironia para deixar qualquer coxinha com a cabeça revirada.
No mesmo Instituto, a face da crise internacional também se mostrava na quantidade de jovens espanhóis que chegavam a todo o momento em busca de oportunidade de trabalho. Jovens qualificados fugindo da Espanha e indo para a Escócia para trabalhar como assistentes de montagem de experimentos de campo e assistentes laboratoriais. Salário, cerca de 400 libras por mês. Isso não é nada quando se trata de Reino Unido onde tudo, desde a verdura até o aluguel, parece ser cotado a ouro. Como resultado, os espanhóis tinham que abdicar de qualquer tipo de conforto e dividirem casa com, no mínimo, muitos outros. Há aqueles que se propõe a jornada dupla ao irem ao Instituto pela manhã, e a noite se tornarem entregadores de pizza ou garçons. Tudo isso para um complemento máximo de renda de 200 a 300 libras. Ainda assim, é pouco, para se viver no Reino Unido.
Ver esse cenário se configurar desde o começo do ano foi dando a certeza de que nós, brasileiros, estamos bem. O dinheiro do contribuinte me bancou uma vida relativamente confortável no Reino Unido, sem ter que passar pelas adversidades que passavam os colegas espanhóis. Tive a tranquilidade financeira suficiente para um dos períodos de maior produtividade intelectual da minha carreira científica. Não há como não se sentir orgulhoso do Brasil nesse ponto. Não há como ser contaminado pelo coxinhez.
A surpresa em roda de amigos italianos e espanhóis foi geral quando disse que o Brasil paga bolsas de estudo não só para o doutoramento (PhD), mas também para o mestrado. Como? Vocês recebem para fazer mestrado? Tal pergunta me soou muito estranha. Sim por quê? Perguntei. A surpresa deriva do fato de que na maioria dos países europeus, incluindo Itália e Espanha, as pessoas é que devem pagar para fazer seus mestrados. Segundo eles, o preço é anual e varia de mil euros a mais de dez mil euros. Isso realmente deixou-me espantado e, mais uma vez, reforçou a ideia de que, sim, estamos bem, obrigado.
Há quem possa argumentar que o Brasil está dando bolsas de estudos para quem não merece, para pessoas que não têm o “verdadeiro tino” para a ciência. Mas essa visão é muito distorcida e lembra aquelas em relação à Bolsa-Família. A generalização é uma M*. Em um universo complexo como a ciência, a disponibilidade de bolsas é a chave para manter o processo em movimento. Não se pode acertar em todas as escolhas de estudantes, e a visão de que a ciência é um dom deve ser desmistificada. Todos podem aprender os princípios básicos da experimentação e, a partir de então, aplicar metodologia a uma determinada questão de interesse, o que é basicamente o ato de fazer ciência.
O corte de bolsas de estudo na Europa é visível e sofrível. Não é de se espantar a negação veemente de italianos em dizer que não voltariam para a Itália porque não há perspectivas, com doutores recebendo 400 euros por mês. Caso esse cenário persista, isso vai começar a afetar a produtividade científica europeia que vem sendo reduzida em comparação ao Brasil, por exemplo. Aliás, Brasil e Austrália são hoje os países que mais investem em bolsas de estudo no mundo. Não há ciência sem os estudantes de iniciação científica e de pós-graduação. Orientadores, muitos deles no berço esplêndido do “eu já cheguei lá”, sabem disso. O mundo está aí para ser entendido. Há muita coisa sem explicação, muita coisa sem o uso prático ter sido descoberto. Desse modo, ponto para o nosso país, mais um, por manter a oferta de mão-de-obra científica.
O "Programa Ciências Sem Fronteiras" tem pontos a serem corrigidos, mas qual grande Programa não tem? É preciso que quem saia do Brasil por meio do dinheiro do contribuinte lembre que está indo para adquirir novos conhecimentos e reforçar parcerias. O deslumbramento com a vida europeia é perfeitamente entendível, baixo índice de criminalidade, o principal deles. Mas a vida é mais do que isso, podem acreditar. É preciso somar e não diminuir, quem vem está sendo financiado não para ser um “quinta-coluna”.
Não adianta chegar aqui e ficar explanando os problemas do Brasil porque todos eles já sabem, mas também já deram conta, mais do que muitos brasileiros, que a percepção do Brasil mudou, em especial em relação às oportunidades de emprego. De um país associado às férias de fim de ano na praia, para um novo porto de oportunidades de trabalho oferecidos pelo Capitalismo. Assim, não adianta dar uma de Diogo Mainardi ao chegar por estas bandas, dizendo “amores” [sic] sobre o Brasil, pois, na próxima segunda-feira, a única certeza que levarei comigo de volta é que quem malha o Brasil para europeus estará apenas “pagando mico”. Estamos bem, obrigado. "
FONTE: escrito por FRANCY LISBOA no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/blog/francy-lisboa/a-volta-para-o-brasil-e-a-percepcao-de-que-estamos-bem-obrigado).
Pois bem, só no Brasil. Vivendo no Reino Unido por quase onze meses, longe da esposa e da cria, da família e de amigos, jamais tive o receio de chegar perto de ser taxado de coxinha. E isso não se deve ao meu nacionalismo, que alguns podem considerar ultrapassado. Trata-se de percepção adquirida a partir de relatos das amizades e das parcerias de trabalho feitas no exterior: nosso país está bem, obrigado.
Pude olhar de perto os efeitos da crise internacional no rico Reino Unido. A crise financeira que se instalou no Instituto de Pesquisa que me acolheu aqui na Escócia fez ceifar nada mais nada menos que setenta vagas de emprego em menos de um mês. Pessoas as quais eu começava a me familiarizar de um dia para o outro mudaram suas feições, o medo espalhado sobre qual seria a próxima cabeça a rolar.
Não era essa a imagem que esperava do Reino Unido. Sabemos da riqueza desse conjunto de países e do alto IDH. Conversando com os demitidos, e outros que foram “forçados” a se demitirem, sobre os motivos da necessidade dessas demissões, o ponto comum apontado foi a falta de dinheiro que vem se arrastando desde o estopim da crise financeira internacional. O mais desesperançoso era quando perguntava para eles: o que vocês vão fazer daqui para frente? A maioria não sabia. Mulheres e homens chefes de família abatidos. Alguns chegaram a me perguntar sobre as oportunidades de se trabalhar no Brasil uma vez que estavam sabendo da baixa taxa de desemprego. Ironia para deixar qualquer coxinha com a cabeça revirada.
No mesmo Instituto, a face da crise internacional também se mostrava na quantidade de jovens espanhóis que chegavam a todo o momento em busca de oportunidade de trabalho. Jovens qualificados fugindo da Espanha e indo para a Escócia para trabalhar como assistentes de montagem de experimentos de campo e assistentes laboratoriais. Salário, cerca de 400 libras por mês. Isso não é nada quando se trata de Reino Unido onde tudo, desde a verdura até o aluguel, parece ser cotado a ouro. Como resultado, os espanhóis tinham que abdicar de qualquer tipo de conforto e dividirem casa com, no mínimo, muitos outros. Há aqueles que se propõe a jornada dupla ao irem ao Instituto pela manhã, e a noite se tornarem entregadores de pizza ou garçons. Tudo isso para um complemento máximo de renda de 200 a 300 libras. Ainda assim, é pouco, para se viver no Reino Unido.
Ver esse cenário se configurar desde o começo do ano foi dando a certeza de que nós, brasileiros, estamos bem. O dinheiro do contribuinte me bancou uma vida relativamente confortável no Reino Unido, sem ter que passar pelas adversidades que passavam os colegas espanhóis. Tive a tranquilidade financeira suficiente para um dos períodos de maior produtividade intelectual da minha carreira científica. Não há como não se sentir orgulhoso do Brasil nesse ponto. Não há como ser contaminado pelo coxinhez.
A surpresa em roda de amigos italianos e espanhóis foi geral quando disse que o Brasil paga bolsas de estudo não só para o doutoramento (PhD), mas também para o mestrado. Como? Vocês recebem para fazer mestrado? Tal pergunta me soou muito estranha. Sim por quê? Perguntei. A surpresa deriva do fato de que na maioria dos países europeus, incluindo Itália e Espanha, as pessoas é que devem pagar para fazer seus mestrados. Segundo eles, o preço é anual e varia de mil euros a mais de dez mil euros. Isso realmente deixou-me espantado e, mais uma vez, reforçou a ideia de que, sim, estamos bem, obrigado.
Há quem possa argumentar que o Brasil está dando bolsas de estudos para quem não merece, para pessoas que não têm o “verdadeiro tino” para a ciência. Mas essa visão é muito distorcida e lembra aquelas em relação à Bolsa-Família. A generalização é uma M*. Em um universo complexo como a ciência, a disponibilidade de bolsas é a chave para manter o processo em movimento. Não se pode acertar em todas as escolhas de estudantes, e a visão de que a ciência é um dom deve ser desmistificada. Todos podem aprender os princípios básicos da experimentação e, a partir de então, aplicar metodologia a uma determinada questão de interesse, o que é basicamente o ato de fazer ciência.
O corte de bolsas de estudo na Europa é visível e sofrível. Não é de se espantar a negação veemente de italianos em dizer que não voltariam para a Itália porque não há perspectivas, com doutores recebendo 400 euros por mês. Caso esse cenário persista, isso vai começar a afetar a produtividade científica europeia que vem sendo reduzida em comparação ao Brasil, por exemplo. Aliás, Brasil e Austrália são hoje os países que mais investem em bolsas de estudo no mundo. Não há ciência sem os estudantes de iniciação científica e de pós-graduação. Orientadores, muitos deles no berço esplêndido do “eu já cheguei lá”, sabem disso. O mundo está aí para ser entendido. Há muita coisa sem explicação, muita coisa sem o uso prático ter sido descoberto. Desse modo, ponto para o nosso país, mais um, por manter a oferta de mão-de-obra científica.
O "Programa Ciências Sem Fronteiras" tem pontos a serem corrigidos, mas qual grande Programa não tem? É preciso que quem saia do Brasil por meio do dinheiro do contribuinte lembre que está indo para adquirir novos conhecimentos e reforçar parcerias. O deslumbramento com a vida europeia é perfeitamente entendível, baixo índice de criminalidade, o principal deles. Mas a vida é mais do que isso, podem acreditar. É preciso somar e não diminuir, quem vem está sendo financiado não para ser um “quinta-coluna”.
Não adianta chegar aqui e ficar explanando os problemas do Brasil porque todos eles já sabem, mas também já deram conta, mais do que muitos brasileiros, que a percepção do Brasil mudou, em especial em relação às oportunidades de emprego. De um país associado às férias de fim de ano na praia, para um novo porto de oportunidades de trabalho oferecidos pelo Capitalismo. Assim, não adianta dar uma de Diogo Mainardi ao chegar por estas bandas, dizendo “amores” [sic] sobre o Brasil, pois, na próxima segunda-feira, a única certeza que levarei comigo de volta é que quem malha o Brasil para europeus estará apenas “pagando mico”. Estamos bem, obrigado. "
FONTE: escrito por FRANCY LISBOA no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/blog/francy-lisboa/a-volta-para-o-brasil-e-a-percepcao-de-que-estamos-bem-obrigado).
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