segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A DISPUTA INTERNACIONAL EM TORNO DO BRASIL




A disputa internacional em torno do Brasil

Por Emir Sader, um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

"O Brasil havia desaparecido da agenda mundial desde o fim da ditadura. Episodicamente reaparecia, como na campanha para a derrubada do Collor, na eleição - e a euforia correspondente – de FHC como presidente, mas logo o Brasil voltou para a penumbra. Ressurgia quando havia privatizações, com os capitais abutres correndo para comprar na liquidação a bom preço do patrimônio publico ou fugindo nas crises.

A eleição do Lula desconcertou os meios que formam a opiniao publica mundial. Depois de superado o período histórico “populista, estatista”, nao se entendia bem como um ex-lider sindical, operário de um partido de esquerda, fosse eleito presidente do Brasil em pleno século XXI. No começo, o noticiário internacional era uma mistura de anúncios de “traição” do novo presidente e de supostas manifestações populares contra ele, com denuncias de corrupção. Mas tratavam o governo Lula como um fenômeno passageiro, ponto fora da curva, caso folclórico, quase um mal-entendido, que logo seria superado pela realidade implacável da globalização.

De repente, a imagem do Lula e a do Brasil mudaram. Era o pais que, em meio ao aumento da desigualdade e da pobreza no mundo, combatia a miseria e seu líder se tornava o líder da luta contra a fome e a exclusão social pelo mundo afora. Os lobbies midiáticos internacionais tiveram que se render, a contragosto, a esse novo fenômeno.

"Wall Street Journal", "Financial Times", "The Economist", "El Pais" ou calavam ou não mencionavam a liderança do Lula em escala mundial. Pelo menosm tiveram que reproduzir o Obama chamando-o de “the guy”.

Era um gol que a luta pelos direitos de todos, contra o neoliberalismo, fazia, em escala global. Lula era um intruso de sucesso nas reuniões internacionais, era convidado por dezenas de países, especialmente da Africa e de outras regiões que viviam problemas que o Brasil estava em vias de superar.

Até que chegaram as manifestações de junho de 2013 e começou um processo orquestrado de desconstrução da incômoda imagem do Brasil por esses meios formadores da agenda internacional da mídia. A eles se juntaram as vozes da ultraesquerda em órgãos da mídia, igualmente incomodados com o sucesso do Lula e do Brasil.

A imagem do Brasil foi rapidamente revertida, para o pais dos gastos milionários para a Copa, cujo governo era repudiado por milhões de jovens por todo o pais. A Copa não seria realizada ou, se fosse, o seria em meio a uma brutal repressão de imensas manifestações populares de repúdio.

Nada disso ocorreu, mas a desconstrução da imagem do Brasil do Lula teve continuidade na imagem de "um pais corrupto". Depois de breves lapsos de esperança de derrota do governo nas eleições – que seria coerente com a imagem de um governo repudiado transmitida internacionalmente – veio a onda do "país corrupto", a partir das denuncias sobre a Petrobras.

É como se todos os imensos avanços sociais tivessem sido abolidos, como se o Brasil do Lula tivesse disso uma ilusão passageira, que a brisa primeira levou. Como se se tratasse apenas de um país violento, corrupto, com um governo repudiado pelo povo. Qualquer noticia de suposta corrupção que envolveria o governo é imediatamente reproduzida como se fosse uma realidade pelas agências internacionais.

Paralelamente, se tentou levantar lideranças alternativas na America Latina, sem sucesso. O caso do México não resistiu aos primeiros problemas do governo de Peña Nieto. Outros lideres de direita, como Piñera, Uribe, foram derrotados pelo povo dos seus próprios países, enquanto o PT triunfava pela quarta vez sucessiva. Dificilmente, vão conseguir fazer da Argentina de Macri uma alternativa ao Brasil.

A disputa em torno do significado do Brasil hoje no mundo é a disputa na luta entre vias de superação do neoliberalismo e das desigualdades, de que o Brasil é uma referência central, ou a rendição aos velhos esquemas do "Consenso de Washington", que fracassam aqui e fracassam também na Europa e nos EUA – de onde esses órgãos da mídia provêm."

FONTE: escrito por Emir Sader, um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros. Publicado no portal "Brasil 247"  (http://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/210369/A-disputa-internacional-em-torno-do-Brasil.htm).

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