segunda-feira, 28 de junho de 2010
'BRASIL PODE NOS AJUDAR A NEGOCIAR A PAZ COM ISRAELENSES', DIZ AL-ASSAD
“Líder sírio afirma que atuação brasileira na questão nuclear iraniana 'elevou País a um novo patamar'
Gustavo Chacra - O Estado de S.Paulo
"Críticos e aliados concordam que o presidente da Síria, Bashar Assad, é peça-chave nas principais questões do Oriente Médio. Seu país exerce influência sobre o Líbano por meio do Hezbollah e outros grupos, dá refúgio a 1,2 milhão de iraquianos e 500 mil palestinos, abriga escritórios do Hamas em Damasco, tem uma parte de seu território ocupado por Israel, além de ser hoje o principal aliado do Irã no mundo.
Voltando a se aproximar lentamente dos EUA e do Líbano, Assad diz lamentar não ter chegado a um acordo de paz com Israel no fim de 2008. Segundo o líder sírio, o então premiê israelense, Ehud Olmert, havia concordado em se retirar da totalidade das Colinas do Golan, ocupadas na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Mas, dias depois, eclodiu a guerra em Gaza e o acordo, mediado pela Turquia, naufragou.
Com viagem marcada para o Brasil, onde deve se reunir na quarta-feira com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o líder sírio recebeu o Estado em uma ala residencial de seu palácio em Damasco. Assad elogiou o papel do Brasil como mediador de conflitos e pedirá a Lula para que ajude na negociação de um acordo com os israelenses.
Como o sr. vê o envolvimento do Brasil no Oriente Médio?
No passado, víamos o Brasil como um país amigo. Mas o considerávamos apenas parte da América do Sul. Nos últimos oito anos, começamos a ver o Brasil como uma força emergente no cenário internacional. Na minha visão, o esforço conjunto de Brasil e Turquia na questão nuclear iraniana elevou o papel brasileiro a um novo patamar. Por isso, esperamos que o Brasil possa atuar para estabilizar o Oriente Médio. O exemplo do acordo com o Irã foi uma conquista importante. Como nossa prioridade, na Síria, é o processo de paz, vou discutir isso com o presidente Lula quando eu estiver no Brasil.
Lula e Erdogan (premiê da Turquia) poderiam servir de mediadores entre a Síria e Israel? A Turquia já teve este papel no passado.
O chanceler brasileiro (Celso Amorim) disse que o Brasil está interessado no processo de paz e nós consideramos bem-vinda a ajuda do Brasil.
Dependemos de credibilidade nessas negociações e o Brasil a possui na região. Claro, há um obstáculo, que é a distância geográfica do Brasil. Talvez não seja o melhor lugar para termos negociações. O local poderia ser a Turquia, mas o esforço poderia incluir outros países. O Brasil seria importante para convencer os israelenses a aceitarem negociações por intermédio da Turquia. Claro, isso foi antes do ataque contra a flotilha (de Gaza). Não sei se os turcos estariam interessados agora por causa do problema entre eles e Israel.
Há risco de guerra entre Israel e Síria? Um ataque israelense ao Irã levaria toda a região para um conflito?
Sempre há risco enquanto não houver paz. Pode se elevar ainda mais a possibilidade de guerra quando existe um governo (Israel) trabalhando contra a paz, especialmente quando este governo apenas ameaça os outros. Por isso achamos que o risco é muito alto. Não temos evidências porque ninguém sabe quando haverá ou não guerra. Como governo, não podemos dizer que a possibilidade seja 60% ou 10%, porque, mesmo que seja 1%, este 1% significa guerra e pode se transformar em 100%. Portanto, temos de trabalhar como se fosse ocorrer uma guerra porque não temos um parceiro na paz. Esse é o problema. Este governo de Israel é extremista. Não são parceiros na paz. É preciso se preocupar com suas ações, como a realizada contra os turcos quando eles atacaram a flotilha de Gaza. Isso indica que o governo de Israel está se movendo na direção da guerra, não da paz.
A acusação de que a Síria forneceu mísseis Scud para o Hezbollah é verdadeira?
Isso foi para desviar a atenção de seus problemas, especialmente em Gaza. Eles falaram sobre mísseis e têm falado disso há anos. Mas cada vez eles mudam o nome do armamento. E sempre adicionam algo novo, como se fosse algo novo no mercado.
Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, em vez de criticar Israel pelos assentamentos na Cisjordânia ou o bloqueio a Gaza, prefere questionar o Holocausto. O Sr. concorda com isso?
Acho que a política deve ser dividida em duas partes - o discurso político e as ações. Claro que as ações são mais importantes. É como quando você diz que eu tenho uma boa imagem, mas uma má realidade. Logo, é mais importante ter uma boa realidade, antes de ter uma boa imagem.
Consequentemente, se eu fosse avaliar Ahmadinejad, eu avaliaria as suas políticas, que não trabalham contra a paz. Nós fomos na direção da paz. E sempre tivemos boas relações com o Irã e os iranianos sempre apoiaram a Síria. Na realidade, o Irã apoia a paz. Em segundo lugar, há um sentimento geral na região desde a ocupação da Palestina de que os árabes, especialmente os palestinos, pagam o preço do Holocausto. O Ocidente tem um complexo sobre o que ocorreu na 2.ª Guerra. E acabam ignorando o que Israel faz na região.
Mas, ao questionar o Holocausto, Ahmadinejad não prejudica os palestinos?
Eu disse em discurso no Catar em 2008 que o que está acontecendo em Gaza é um Holocausto.
Obama melhorou a relação dos EUA com a Síria? Afinal, de um lado, envia emissários como John Kerry (senador democrata) e nomeia um embaixador para Damasco. De outro, mantém sanções no Congresso.
Nós podemos sentir uma posição diferente neste governo. Eles não tentam mais ditar as coisas no Oriente Médio. Isso é importante, mas não há nada além de diálogo por enquanto. Tivemos alguns passos triviais, como a nomeação de um embaixador e o fim do veto à inclusão da Síria na OMC (Organização Mundial do Comércio). Estamos no começo da relação. Não sei até onde poderemos chegar com essa administração, porque ela não é apenas o presidente Obama. Existem outras instituições, como o Congresso, que aprovou a lei com sanções à Síria. Não sabemos o que o presidente pode fazer em relação a essa lei.
Podemos dizer que o que vem ocorrendo é pouco. Levara muito tempo até falarmos de uma relação normal entre os EUA e a Síria, especialmente com um Congresso que não ajuda o presidente. Como você disse, John Kerry (senador democrata) tem vindo a Damasco e conversamos sobre a paz e relações bilaterais. Mas estamos nos movendo muito devagar.
As relações com o Líbano se normalizaram depois das visitas do presidente libanês, Michel Suleiman, e do premiê, Saad Hariri, a Damasco?
Estamos melhorando. Fizemos grandes avanços com estas visitas. Estamos voltando à normalidade. O único obstáculo é a situação interna no Líbano. Enquanto tivermos divisões entre os libaneses, isto se refletirá nas relações com a Síria. No fim, se um lado apoia as relações com a Síria, o outro ficará contra. Nós achamos que quanto mais os libaneses se unirem, melhor ficará a relação com a Síria.
Ainda há risco de mais problemas no Iraque?
Este é um momento crítico por causa das eleições. Se houver um governo com uma mentalidade mais aberta, será bem melhor porque os iraquianos se sentarão para discutir todos os assuntos, até mesmo a Constituição e novas instituições. Mas ainda não é estável porque as mudanças de que falamos ainda não ocorreram. Apenas tivemos eleições e os iraquianos não conseguiram formar um governo. Eles precisam formar um governo e é necessário que seja um bom. Se eles falharem, os iraquianos pagarão o preço.
A Síria recebe ajuda para lidar com 1,2 milhão de refugiados iraquianos no país?
Ninguém ajuda. Eles (os EUA) criaram esse problema e não querem nos ajudar e não permitem que o governo iraquiano nos ajude. Portanto, os custos estão com a Síria. Mas este não é apenas um problema humanitário, mas político. Imagine se eles voltassem para seu país sem educação, na pobreza? Iriam diretamente para o extremismo. Portanto temos de recebê-los e fazê-los se sentir num país normal. Não os tratamos como refugiados, mas como hóspedes. No caso dos palestinos, são meio milhão e eles têm todos os direitos na Síria, menos a nacionalidade e o voto.
Sua administração trouxe avanços na economia. Por outro lado, seus críticos dizem que a abertura política foi interrompida. O Sr. pretende reiniciar a abertura? Por que é tão difícil?
Nós não começamos algo e depois paramos. Desde o começo, quando começamos a reforma, houve diferentes avaliações sobre a velocidade. Alguns dirão que foi muito rápida. Outros, que foi lenta. Na verdade, nós não interrompemos. Mas abrimos a uma base metódica. Não fazemos as coisas porque somos entusiasmados como pessoas fanáticas ou românticas. Nós sabemos o que estamos fazendo. Começamos a reforma da economia em 2000, mas apenas sentimos a abertura em 2007, 2008. Demoraram sete, oito anos porque foi necessária uma reforma legislativa e o diálogo. Não pode haver reforma sem diálogo. E como começamos o diálogo? Abrimos a mídia primeiro. Depois, a internet.
Quando assumi (em 2000), havia 30 mil usuários na Síria. Hoje, são 3 milhões e somos o país árabe que registra mais crescimento na área. Temos imprensa privada. Há diferentes jornais, revistas, canais de TV. Portanto, estamos nos movendo. Se você me perguntar se é rápido, eu diria que não é rápido, mas é difícil medir a velocidade. Diria que vamos o mais rápido possível com a menor quantidade de efeitos colaterais.”
FONTE: reportagem de Gustavo Chacra publicada no “O Estado de S.Paulo” e reproduzida no blog do jornalista Luis Nassif [imagem colocada por este blog].
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