sábado, 27 de novembro de 2010

Eduardo Campos (PSB): “É PRECISO FAZER ACENOS À CLASSE MÉDIA”


ENTREVISTA: CAMPOS DIZ QUE COBRANÇA DO ELEITOR POR GESTÃO REPUBLICANA TEM QUE SE REFLETIR NO MINISTÉRIO

Campos: “Há preconceito contra as emendas parlamentares, mas é possível incluí-las na programação e tratá-las com decência

“Ele foi o governador mais bem votado do país e comanda o partido que mais cresceu nos últimos anos, ultrapassando até o PMDB em número de governos estaduais. Venceu em todos os municípios do Estado – em mais de metade deles com mais de 90% dos votos. No comando de uma aliança de 15 partidos, tem apenas quatro deputados declaradamente de oposição numa Assembleia Legislativa de 49 cadeiras.

Um dos pilares do governo Luiz Inácio Lula da Silva nas crises políticas do fim do primeiro mandato, o governador reeleito de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), diz que a receita para se blindar a gestão Dilma de turbulências é manter o prumo da economia e acenar para os valores da classe média que se expressaram na votação da candidata derrotada do PV, Marina Silva. São valores, diz, que demandam condução republicana da máquina pública, compromisso com a liberdade de imprensa e meritocracia na gestão do Estado.

Diz que de sua gestão no Palácio do Campo das Princesas aprendeu que os aliados precisam ocupar as Pastas de cima a baixo para poderem ser cobrados no cumprimento de metas definidas não pelos partidos, mas pelo governo. Combate o que chama de preconceito contra as emendas individuais ao Orçamento e diz que seu atendimento é mais importante para a base de governo do que o das chamadas emendas de bancada.

De passagem por Brasília esta semana jantou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na terça-feira e com o deputado federal Antonio Palocci (PT-SP) na quarta-feira. Na próxima semana seu partido encontra a presidente eleita Dilma Rousseff para acertar a participação no governo, que deve ficar em dois ministérios, provavelmente a Integração Nacional e o Turismo.

Acertou com Lula a festa de despedida que lhe fará no Recife no dia 29 de dezembro. Foi num desses encontros que, 16 anos atrás, a relação deles foi estreitada. Seu avô, a quem chama de dr. Arraes, disputava como favorito sua terceira eleição ao governo de Pernambuco, em 1994. Atropelado pelo Real, Lula chegara ao final daquela eleição sem clima para seu comício de encerramento. Foi quando Miguel Arraes o convidou para fazê-lo no pátio do Carmo, centro do Recife. Hoje, na condição de governador mais próximo do presidente, diz que Lula não quer voltar a disputar eleições porque dificilmente será possível deixar o Brasil em condições melhores do que aquela em que o país se encontra agora.

Aos 45 anos, pai de quatro filhos, Campos é casado com a economista Renata, namorada da adolescência com quem mora na mesma casa há 20 anos. A seguir, a entrevista ao Valor, concedida na sexta-feira, num restaurante em Olinda.

Valor: O PSB tinha duas Pastas e uma expressão eleitoral mais reduzida. Agora o partido cresceu e ganhou expressão nacional. Como isso vai se refletir no ministério?

Eduardo Campos:
Tenho convicção de que Dilma sabe a qualidade da aliança que nós temos com seu projeto porque viu a relação do PSB com o presidente Lula nas horas boas do governo, mas sobretudo nas horas difíceis. Fizemos uma aposta estratégica no êxito do governo e fomos o partido da esquerda brasileira que mais cresceu. Nossa preocupação não é a participação quantitativa, mas qualitativa. Queremos ser ouvidos, participar das decisões, discutir projetos inovadores para a gestão pública que estamos desenvolvendo em Estados e municípios e podem ser aproveitados pelo governo.

Valor: Mas o senhor não recebe pressão do partido para negociar mais espaço no governo?

Campos:
Os seis governadores do PSB sabem o quanto é importante ter bons aliados quando se vai formar equipe porque, se a gente transformar a montagem da equipe numa feira livre, não vai ter resultado. Fiquei muito feliz em ver Dilma colocar com todas as letras que vai apostar na gestão, exigir currículo, experiência e padrão de conduta de ministros, secretários executivos e diretores de empresa. A esquerda levou uma bandeira muito importante para a Constituinte, que foi o concurso público. Era uma aposta para acabar com o pistolão. Agora precisamos avançar e garantir a meritocracia também nos postos de gestão do serviço público.

Valor: E como se faz isso com o PMDB?

Campos:
Quem tem que responder é Dilma, mas há quadros no PMDB que tiveram gestões consideráveis em prefeituras e governos estaduais. Agora, é preciso construir uma outra relação com os partidos. E não só com o PMDB, mas com o PT também e com todos os partidos da aliança. A regra não pode ser “leva cargo quem grita mais”. A gestão pública tem que ser blindada. Por que um partido quer um fundo de pensão?

“O PT É O PARTIDO MAIS IMPORTANTE, MAS ASSIM COMO NÃO DIVIDO TODOS SEUS AMIGOS NÃO SOU OBRIGADO A HERDAR SEUS ADVERSÁRIOS”

Valor: Ninguém grita na montagem do seu secretariado?

Campos:
Chamo o secretário e digo: a equipe é sua. Não indico técnicos nem assessores. Não fico empurrando ninguém para os gabinetes. Agora, as metas da secretaria não são do partido. São do governo. E não tem três governos. É um só. Todo mês monitoramos o cumprimento das metas e eu não alivio. Digo ao secretário: ou funciona com seus escolhidos ou saem você e os incompetentes. Aprendi um pouco com o Fernando Henrique. Ele deu Transportes para o PMDB, mas não botou nenhum tucano no Dnit. Se ficar indicando gente, quando der problema o ministro já sabe a quem atribuir.

Valor: Como é que o senhor faz o monitoramento?

Campos:
Reúno os secretários numa sala com três telas: uma com a ata da última reunião, outra com o objetivo e outra com a ação de governo. Uma tela vai mostrar, por exemplo, que no acesso à cidade de Jucati só se cumpriram 15 dos 20 quilômetros. Um secretário vai dizer que faltou a licença ambiental. E eu vou ver pela tela da ata que na reunião passada havia um prazo de 30 dias para essa licença. Quem me ajudou a montar isso foi o IDG do Jorge Gerdau. Foram uns 70 jovens com MBA, que nunca tinha visto na vida, que montaram os cronogramas de obras, com indicadores de impacto e de resultados. Tem intranet própria só para esses acompanhamentos. São ferramentas de gestão próprias de empresas e contra as quais meu campo político, às vezes, tem preconceito, acha que é neoliberal, capitalista, mas, na verdade, são essenciais para transformar a despesa ruim em despesa boa.

Valor: E a reação dos partidos aliados a essa cobrança?

Campos:
A fiscalização do poder está sendo feita com muita energia e de maneira muito mais sistêmica e orgânica por blogs, imprensa, ministério público, tribunal de contas, audiências públicas e ouvidorias. A crise da representação política, que é mundial, vem da dificuldade de se compreender isso.

Valor: Mas não são os partidos que têm o poder de bloquear um governo no Congresso?

Campos:
Os parlamentares também estão sentindo o impacto dessa sociedade mais ativa na fiscalização. É preciso conhecer as motivações desses parlamentares. Pegue, por exemplo, um cara que acordou de madrugada na segunda-feira em Salgueiro, viajou quatro horas de carro para pegar um avião. Quando chega em Brasília já faz mais de nove horas que acordou. A rádio da cidade liga. “O deputado vai votar o quê hoje?” Ele não sabe. Vai procurar o líder e ele está no Palácio. O ministro é uma visagem. Não tem a menor chance de encontrá-lo. E aí na quarta-feira quando ele chega ao gabinete já estão lá quatro ou cinco prefeitos querendo liberar recurso e ele não conseguiu falar com o líder e nem sabe onde fica o ministério.

Valor: É o chamado baixo clero…

Campos:
O que nem todo mundo conhece é a pressão sobre esse deputado do baixo clero. Seu eleitor quer saber o que ele vai levar para o município. Acho que se devia dar mais peso à emenda do parlamentar do que àquelas arregimentadas pelos líderes. Essas emendas de bancada são maiores e quando dá confusão ninguém sabe de onde veio. Muita gente tem uma visão preconceituosa em relação às emendas parlamentares, mas é possível incluir essas emendas na programação de investimentos dos ministérios e tratá-las com mais decência.

Valor: Isso é suficiente para manter uma base coesa no Congresso?

Campos:
Faria um orçamento impositivo para a emenda individual, com o atendimento dessas reivindicações regionais em programas para escola, saúde e saneamento que coubessem na realidade brasileira. Você libera a emenda a partir dos programas do ministérios. E aí se ganha a base, esses 250 ou 300 parlamentares que têm muito mais relação com seu eleitor do que com os líderes de seus partidos.

Valor: Basta para conter o apetite dos partidos pelos ministérios?

Campos:
Não faço indicação nem dou cargo, mas prestigio o parlamentar com ações para o município dele. De governo e de oposição. Tem muita UPA [Unidade de Pronto Atendimento], muita escola técnica que saiu do papel assim. Você primeiro cria o programa no Executivo e depois abre para as emendas. Se eu tenho R$ 10 milhões para fazer três escolas de tempo integral e chega um deputado e coloca R$ 2 milhões em emendas consigo fazer mais uma. Levo o deputado na inauguração e o prestigio. Como cada escola dessas tem 2 mil alunos ele já tem um discurso para a cidade. Isso é muito mais importante do que lotear o governo. Você acaba empregando uma pessoa que, se for incompetente, pode acabar atrapalhando o Executivo e, quando chegar a eleição, esse aliado pode até se bandear para quem lhe arrumar um cargo melhor.

Valor: Como está o projeto da Frente Ampla em que o PSB teria uma participação importante?

Campos:
O presidente Lula sempre defendeu uma tese que não tinha grande audiência em setores importantes do PT, PSB, PCdoB e PDT. Ele não entendia porque nós éramos tantos partidos. Por ele seríamos um só. Ele tem uma relação com todos os nossos partidos e muita intimidade com a tese, a história, os quadros e a direção dos partidos. Somos herdeiros de todo esse conjunto de partidos que, de certa forma, vem de três grandes origens, dos partidos comunistas, dos socialistas da esquerda democrática e dos trabalhistas. Apesar desse conjunto, a gente não construiu uma frente no estilo do que o Uruguai em outras circunstâncias históricas foi capaz. Isso está posto na mesa para ser discutido no médio e longo prazos.

Valor: Quem cabe nessa frente? A questão dos royalties do pré-sal, que tanto divide os aliados, está incluída?

Campos:
A gente tem que definir com muita clareza o conteúdo que essa frente vai representar, para ver aí quem cabe e quem não cabe. A depender das teses que a frente carregue, caberão uns e não outros. Podemos fazer uma frente para enfrentar determinada situação. Se colocarmos temas mais complexos e chegarmos à conclusão de que não dá para ter frente e é melhor ter a vida própria de cada partido, as alianças eleitorais e os projetos dos governos.

Valor: Essa frente seria formada com os quadros da nova geração da política brasileira?

Campos:
Essa renovação de quadros ainda não acontece na proporção que gostaríamos que ocorresse até porque a política foi ficando feia e afastando as pessoas de bem que encontraram outra forma de se realizar, de contribuir com a mudança. A gente não consegue animar jovens, trabalhadores, intelectuais e pessoas do povo para participar, disputar mandato e viver vida partidária. Acho que está na hora de usar o voto, a imprensa livre e o debate público para ir limpando a política. Se o Brasil que estamos construindo está mudando de patamar na economia, também tem que mudar de patamar na política, senão não será possível garantir a continuidade desse processo de desenvolvimento e amadurecimento das instituições. Temos que ter a firme preocupação de encantar as pessoas.

Valor: O senhor teve participação muito decisiva na sustentação do governo ao longo das crises políticas dos últimos oito anos. Como o senhor acha que a presidente Dilma vai enfrentar as turbulências políticas que virão?

Campos:
O governo terá que manter a mão firme na economia para não deixar que essas turbulências internacionais afetem esse bom momento do Brasil. Com isso você garante a satisfação de quem luta pela sobrevivência. Mas acho que a presidente também terá que conquistar os segmentos de classe média que se expressaram na votação da Marina Silva e que reclamam princípios republicanos na condução da máquina pública, de compromisso com a liberdade de imprensa e com a meritocracia.

“NÃO FAÇO INDICAÇÕES NOS GABINETES, MAS AS METAS NÃO SÃO DO PARTIDO, SÃO DO GOVERNO. E NÃO ALIVIO NA COBRANÇA”

Valor: O senhor fala em meritocracia e gestão. Esta é uma plataforma de esquerda?

Campos:
Um Estado eficiente pode não ser inclusivo, mas para ter uma gestão mais inclusiva você precisa transformar o gasto ruim do custeio em gasto bom. Vai fazer a triplicação numa faixa de rodovia que poderia aguardar um pouco ou vai optar por uma creche para melhorar a qualidade da educação pública já na educação infantil e diminuir o grau de repetência? Você vai investir em saneamento para quem não pode pagar uma taxa que remunere a empresa que cuida do esgoto? Isso não é fundo perdido, é investimento. É escolher prioridades para a presença do Estado na vida de quem dele precisa.

Valor: Como fica nessa plataforma de esquerda a reforma da Previdência do setor público?

Campos:
Discuto a Previdência sem o menor problema, votei na reforma e nunca um eleitor me questionou por isso. Sabemos que não se pode tirar o direito de ninguém porque a constitucionalidade não permite. Mas você vê negado o direito de uma criança que não tem escola e de um cidadão esperando na rua o carro pipa e ninguém se choca com isso. Está mais do que na hora de discutir idade de aposentadoria. Por que quem pega numa colher de pedreiro bem cedo depois de pegar dois ônibus tem um tratamento diferente daquele que o servidor recebe?

Valor: E por que ninguém aceitou discutir isso aí antes da eleição?

Campos:
Essa eleição negligenciou a pauta real.

Valor: Isso justifica que a eleição tenha sido sucedida pela ressurreição da CPMF?

Campos:
Não precisamos de CPMF, não vamos começar a discutir a saúde pela CPMF porque senão a gente fica nesse debate e não discute a situação real da saúde, a qualidade do gasto, a situação da ação básica, quanto está indo para comprar remédios especiais, quanto vai para as liminares e quanto está sendo dado para remédios que sequer são licenciados no país. O Brasil precisa participar desse debate. O SUS não foi feito para pagar por um procedimento no Acre um valor diferente do que se paga no Rio, em Pernambuco ou no Ceará. É um sistema nacional que não é nacional.

Valor: Não será inevitável uma nova pressão sobre a carga tributária?

Campos:
Fui o único governador que, nos últimos quatro anos, não aumentou nenhum tributo nem mandou projeto para a Assembleia nesse sentido. Sem vender nenhum patrimônio público consegui investir em alguns anos quatro vezes a média de governos anteriores. E consegui aumentar o repasse de ICMS para municípios que alcançaram metas na educação e na segurança pública. Tem prefeito que conseguiu dobrar a receita de ICMS. A sustentação fiscal do município dele passa a depender da qualidade do serviço público. Isso muda a cabeça dos prefeitos. Hoje você abre o jornal e tem encontro de prefeito discutindo gestão. Copiamos experiências de consórcios de São Paulo, Minas e do Paraná para que os munícipios possam compartilhar a gestão de um hospital regional, por exemplo.

Valor: Não é uma gestão mais próxima do PSDB do que do PT?

Campos:
O PT é o partido mais importante do Brasil. Ninguém pode pensar em fazer política sem o PT e sem reconhecer a importância do partido e de sua militância, mas nós nunca nos confundimos com o PT. Não compartilho de todos os seus amigos e também não sou obrigado a herdar todos os seus adversários em São Paulo ou no Paraná, onde a relação que tenho com o Beto Richa vem ainda da proximidade de dr. Arraes com o José Richa. Em Minas nossa relação com Aécio é tão boa que nos permitiu ter o apoio dele a um quadro do PSB, que é o Márcio Lacerda [prefeito de Belo Horizonte]. Também não posso desconsiderar que o PSDB da Paraíba apoiou a renovação do Estado proposta pelo PSB nessas eleições, que os dois partidos estiveram juntos na reeleição do Teo Vilela (PSDB) em Alagoas e que em Pernambuco muitos do PSDB estiveram conosco.

Valor: Qual é sua avaliação de Aécio Neves?

Campos:
É um talento, um sujeito jeitoso, tem uma capacidade que desenvolveu de acomodar, remediar, checar e formular. Ele tem senso e instinto político. Mas esse projeto a que ele está se propondo agora exige muitos pré-requisitos, um dos quais é o de se dedicar mais a andar e conhecer o país, debater em associação comercial, em fórum de prefeito. Não é de Brasília que vai fazer isso.

Valor: Esse é o projeto do senhor?

Campos:
Não, não, meu projeto é entregar o que prometi aqui.

Valor: O senhor talvez seja o governador mais próximo do Lula. O que o senhor acha que ele vai fazer fora da Presidência?

Campos:
Vai tirar uns dias de férias e depois volta para montar o instituto. Está interessadíssimo em ajudar e 100% comprometido com o projeto Dilma. Vai viajar muito dentro e fora do país. E não quer voltar a disputar eleições. Está convencido de que dificilmente um presidente pode sair do cargo numa situação melhor do que a que ele está deixando agora.”

FONTE: reportagem de Vera Brandimarte, Paulo Totti e Maria Cristina Fernandes publicada no jornal VALOR e transcrita no blog de Luis Favre (http://blogdofavre.ig.com.br/2010/11/e-preciso-fazer-acenos-a-classe-media/).

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