terça-feira, 27 de dezembro de 2011

MUDANÇA DEMOGRÁFICA E EDUCAÇÃO NO BRASIL


Por Jorge Arbache, na “Folha”

A educação deve ser prioridade para as políticas públicas, mas a alocação de recursos para a área deve ser compatível com a realidade demográfica do país

O Brasil encontra-se num momento especialmente favorável para promover grande salto na qualidade da educação e aumentar a abrangência dos programas educacionais. Isso porque o crescimento econômico e o bônus demográfico permitem maior alocação de recursos para a educação.

A queda da população de crianças e jovens em razão da transformação demográfica facilitará, ainda mais, a tarefa de melhorar a educação. De fato, em 2010, havia 47,1 milhões de pessoas em idade escolar, mas, em 2020, haverá 41,5 milhões, redução de 5,6 milhões.

Apenas entre 2009 e 2011, houve queda de 1,8 milhão de matrículas na rede pública de ensino fundamental, o que decorreu, em parte, da mudança demográfica.

Se os mesmos 5,08% do PIB continuarem sendo destinados para a educação pública e se a economia continuar crescendo no mesmo ritmo dos últimos oito anos, será possível elevar os investimentos por aluno em 45% entre 2010 e 2020, já descontada a inflação.

Juntas, a economia e a demografia farão os investimentos públicos em educação por aluno saltarem de 20% para 25% do PIB per capita no mesmo período, taxa elevada para os padrões internacionais.

Embora os investimentos públicos em educação por aluno já estejam crescendo, o Brasil precisa aproveitar as condições econômicas e demográficas favoráveis para fortalecer, ainda mais, o orçamento da educação nos próximos anos, com vistas a diminuir o hiato que separa a educação pública daquela necessária para fomentar o crescimento econômico e alavancar a competitividade internacional da nossa economia.

Com o objetivo de superar esse hiato educacional, tem-se argumentado, no âmbito do “Plano Nacional da Educação”, ora em discussão no Congresso Nacional, em favor da destinação de 8% ou até de 10% do PIB para a educação.

A fixação de uma parcela do PIB para o financiamento da educação pode não ser o caminho mais adequado num contexto de rápida transformação demográfica e crescimento econômico, já que, de um lado, a população em idade escolar continuará caindo e, de outro lado, os investimentos por aluno continuarão crescendo.

Outro aspecto a se considerar é que a destinação de um percentual elevado do PIB para a educação tende a conflitar com as necessidades fiscais futuras decorrentes do contínuo aumento da população de idosos, que vai requerer crescente alocação de recursos para a saúde pública, aposentadorias e pensões - já em 2026, a população em idade escolar, na faixa etária de 4 a 17 anos, será ultrapassada pela população acima de 60 anos.

Uma alternativa a ser considerada é definir o orçamento público para a educação de acordo com os recursos necessários para atingir metas educacionais, política essa que teria que vir acompanhada do aperfeiçoamento da gestão do sistema educacional.

Num primeiro momento, será preciso elevar, significativamente, a parcela do PIB destinada para a educação, mas, numa fase seguinte, quando as metas forem sendo alcançadas, o orçamento da educação poderá se estabilizar e até diminuir, como ocorreu décadas atrás nos tigres asiáticos, quando promoveram grandes avanços na educação.

A educação deve ser prioridade de política pública, mas a alocação de recursos para a área deve ser compatível com a realidade demográfica do país. Do contrário, poder-se-á criar compromissos e pressões fiscais futuras com efeitos deletérios para o crescimento econômico sustentável.”

FONTE: escrito por Jorge Arbache, assessor da presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e professor de economia da UnB (Universidade de Brasília). Artigo publicado na “Folha de São Paulo”  (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/16885-mudanca-demografica-e-educacao-no-brasil.shtml) [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

4 comentários:

Probus disse...

"...falta ao Brasil se convencer de que sua realização nacional plena passa pelo Nordeste."

CARTA CAPITAL: Autoestima reconquistada

Por Lucas Calegari

Ele é poeta, antropólogo, tradutor, ensaísta de talento e, mais recentemente, marqueteiro político, com participação ativa em campanhas do PT, inclusive a de Dilma Rousseff. Mas Antonio Risério é antes de tudo um baiano, da turma de Gilberto Gil e Caetano Veloso, com a verve sempre a postos para tecer críticas afiadas à política e à cultura. Risério aponta uma diferença entre Pernambuco e Bahia. O primeiro tinha se descolado da região com um “projeto claro e consciente”. Segundo ele, falta ao Brasil se convencer de que sua realização nacional plena passa pelo Nordeste.

CartaCapital: A partir de 2004, o Nordeste passa a apresentar avanços importantes. Houve crescimento econômico e melhora na renda. Mas como o Nordeste poderia contribuir para um projeto de desenvolvimento nacional?

Antonio Risério: A definição de “Nordeste” é mais histórico-política do que ecoantropológica. O oeste baiano, por exemplo, não se conecta com o Agreste pernambucano ou o Alto Sertão de Sergipe, mas com o Planalto Central do País. Antropologicamente, a região não é homogênea. Mas vamos falar dela assim mesmo, como se fosse um conjunto. E esse conjunto de fato experimentou notável desenvolvimento econômico e social nos últimos anos, com o avanço, em especial, de Pernambuco e do Ceará. Pernambuco decolou. Tem um projeto claro e consistente de desenvolvimento socioeconômico, configurando-se a partir da racionalidade administrativa e do diálogo real com a sociedade. Suape é o supersigno desse processo.

E Pecém é o Suape do Ceará, que também apresenta obras e projetos como o “cinturão digital”, o “eixão das águas”, o metrô do Cariri e investimentos em saúde e educação.

Temos grandes obras de infraestrutura na região, da Transnordestina à transposição do São Francisco. Mas é claro que há pedras e pedreiras no caminho. O Nordeste tem projetos particulares, estaduais, mas não tem um projeto global de desenvolvimento, como chegou a acontecer na época de Celso Furtado, e isso fragmenta as ações e realizações. Nossos governos agem pontualmente, sem o alto grau de coordenação que poderiam alcançar, até mesmo por conta de sua proximidade política.

A tal da “nova Sudene” nunca deu o ar de sua graça. Grandes empreendimentos privados ainda tendem a se implantar como enclaves na paisagem nordestina, sem uma articulação orgânica com o entorno e satisfeitos com o fato da região ser um celeiro de mão de obra barata. E ainda temos a ideologia das pequenas obras, a mentalidade de cisterna da Igreja Católica, por exemplo, como se ela mesma nunca tivesse construído catedrais.

Agora, o Nordeste já está contribuindo vigorosamente para o desenvolvimento nacional. O avanço econômico e social significativo de uma região vasta e pobre tem repercussões positivas em todo o País. O que está faltando é o Brasil se convencer de que sua realização nacional plena passa pelo Nordeste. E o Nordeste se convencer em termos objetivos de que tem de avançar na inovação.

Probus disse...

"O Nordeste fechou com Lula e Dilma", lembra Risério.

CC: É possível identificar alguma mudança na imagem que o nordestino tem de si mesmo, a sua autoestima mudou?

AR: Sim, isso é muito claro em Pernambuco e no Ceará, mas é visível também em Sergipe, em muitas cidades nordestinas. O curioso é que houve uma inversão: os baianos de Salvador e do Recôncavo, que sempre foram extremamente orgulhosos e narcisistas, hoje andam de cabeça baixa. Enquanto a autoestima dos moradores do Recife, de Fortaleza ou de Aracaju está lá em cima, a dos moradores de Salvador desabou. Na verdade, a Bahia, apesar de sua posição no ranking da economia brasileira, está ficando para trás.

Há não muito tempo era ela que se industrializava, montava um polo petroquímico, firmava-se como vanguarda cultural etc. e Pernambuco pouco mais era do que um engenho. O panorama mudou. Penso que o problema central de Jaques Wagner é que, por não ter um projeto claro para a Bahia, ele não sabe o que fazer com a hegemonia que conquistou. Limita-se a tocar obras federais. É por isso que digo que hoje a Bahia tem a faca e o queijo, mas falta a mão. E Salvador é uma cidade abandonada, suja, destruída, com o pior prefeito de sua história. Mas de um modo geral é evidente, para qualquer observador, que a autoestima do nordestino se elevou. E não foi pouco. Muitos inclusive deixam hoje o Sudeste e voltam para seus lugares de origem, orgulhosos de que estas sejam agora terras de prosperidade e de oportunidades.

CC: E o restante do Brasil, como vê o Nordeste?

AR: Há um novo olhar, sim, mas circunscrito a pequenos segmentos da sociedade: empresários, políticos, jornalistas, cientistas etc. Em plano de massas, não. A mudança ainda é muito pequena. A mentalidade sudestina (sim: assim como existem nordestinos, existem sudestinos), de um modo geral, ainda é povoada por velhos estereótipos e preconceitos. E esse olhar antigo sustenta-se não só pelo que há de sedimentado naquela mentalidade e pela desinformação sobre o que está acontecendo atualmente no Nordeste, mas também porque, embora o Nordeste avance, os desequilíbrios regionais brasileiros ainda são um escândalo. Ainda faz diferença hoje o lugar onde o brasileiro nasce. A perspectiva de futuro de um brasileiro que nasce em São Paulo ou no Rio Grande do Sul ainda é muito diversa daquela de um brasileiro que nasce no Piauí ou na Paraíba. É cruel, mas é verdade. De qualquer sorte, aqueles pequenos segmentos sociais a que me referi vão acabar influenciando, por seu próprio peso, o conjunto do mundo sudestino e transformando o olhar das populações do Centro-Sul e do Sul. É uma questão de tempo.

CC: Essas transformações positivas que ocorreram na região tiveram reflexo direto no resultado das duas últimas eleições presidenciais. Isso deve acontecer também nas eleições de 2014?

AR: O Nordeste fechou com Lula e Dilma. E acredito que o voto na esquerda deve persistir. Ainda que em termos variáveis a região continue crescendo e distribuindo renda. E tem lideranças de ponta, com ampla base social. Mas eleições dependem também de gestos, tendências e influxos conjunturais.
Não é um jogo de cartas marcadas com muita antecedência. E não sabemos qual será exatamente a situação brasileira em 2014. As classes C e D tendem a ser conservadoras e pragmáticas. Não querem coisas espetaculares ou espetaculosas, mas prosaicas e elementares. Querem segurança, saúde, escola e o pão de cada dia – agora, com manteiga. Querem garantir o lugar que conquistaram na estrutura social e assegurar a possibilidade de continuar ascendendo. Seu voto tende a ser sério, em termos morais e administrativos. Contra a corrupção e pela eficiência. Eduardo Campos viu isso muito bem, ao atualizar o modo de gestão do governo pernambucano. Não se trata de mero racionalismo empresarial, mas de perceber a questão técnica como questão social, direcionando melhor o dinheiro público. E ele é sem dúvida a grande personalidade política nordestina hoje, projetando-se consistente no horizonte nacional.

Probus disse...

Para Risério, a Bahia dos trios elétricos estacionou na redundância

CC: Ocorreram mudanças relevantes no quadro de políticos eleitos no Nordeste? O coronelismo ainda vive?

AR: A grande mudança política nordestina foi a guinada à esquerda. Em Sergipe, com Marcelo Déda ganhando a prefeitura e, depois, o governo do estado. Na Bahia, com Jaques Wagner, um político de habilidade extraordinária, desmantelando o “carlismo”, para depois cooptar muitos de seus quadros. No Ceará, com Cid Gomes exibindo um ótimo desempenho como gestor, Ciro rasgando a roupa de reis e reizinhos, Luizianne à frente de Fortaleza. Em Pernambuco, com Eduardo Campos, Humberto Costa no Senado, o PT na prefeitura. Na Paraíba, com Ricardo Coutinho, e no Piauí, com Wilson Martins. E vemos a aprovação dada em reeleições. Hoje, para onde Eduardo Campos for, o voto de Pernambuco vai. Guinada nordestina à esquerda, como disse, porque são quadros do PSB e do PT. Esses partidos comandaram politicamente a configuração de um novo Nordeste em construção, respondem às novas realidades criadas e encarnam necessidades e desejos regionais, abrindo caminho para que se realizem. Penso que, ao somar capacidade executiva e disposição para incorporar a inclusão como peça-chave do próprio desenvolvimento, PSB e PT, principalmente o PSB, são mesmo os partidos mais preparados para tocar o barco do crescimento econômico e do avanço social do Nordeste. Já o coronelismo pertence a uma estrutura agrária e a um mundo político que não mais existem, a não ser que reste em algum grotão esconso, como os que aparecem no romance de Guimarães Rosa. A urbanização, a industrialização, a expansão do mercado, a impessoalização das relações de trabalho, o regime democrático (com sindicatos, partidos, a atuação da Igreja etc.) e os meios de comunicação de massa fizeram do coronelismo um dado de interesse meramente arqueológico.

CC: O que ocorreu de relevante em termos culturais na região? O que ocorreu na Bahia, em Pernambuco e nos outros estados?

AR: Pernambuco, de uns tempos para cá, vem se convertendo na vanguarda do Nordeste, da arrancada industrial à criação cultural. Basta pensar na música e no cinema. Não dá para comparar axé music e manguebeat. E é interessante porque Chico Science e o manguebeat nascem do tropicalismo baiano. É claro que há o rap, a valorização da percussão a Olodum, a música tradicional nordestina, o rock pesado etc., mas tudo sob o signo maior da Tropicália. A Bahia, ao contrário, estacionou na banalização, na redundância, na autocomplacência desinformada. Axé music é pastel de vento, manguebeat tem substância. De um modo geral, também o novo cinema pernambucano está alguns passos à frente. É o que há de mais interessante no atual cinema nordestino. E em ambos os casos, na música e no cinema, a moçada pernambucana encara de modo direto e crítico a realidade envolvente. Mas penso que a principal virtude pernambucana, nesse processo, é saber preservar suas tradições e ao mesmo tempo inovar. É manter o seu carnaval maravilhoso, seu frevo e seu maracatu, e também alimentar a inquietude estética. Isso é o que mais interessa: a dialética entre a tradição e a invenção.

http://www.cartacapital.com.br/politica/autoestima-reconquistada/

Unknown disse...

Probus,
Muito bom ess artigo da Carta Capital. Não o havia lido
Obrigada
Maria Tereza