Novas e inesperadas tensões com Arábia Saudita e Turquia, maiores aliados norte-americanos no Oriente Médio, expõem desafios do governo de Barack Obama.
Pelo norte-americano Jim Lobe
WASHINGTON - Novas e inesperadas tensões nas relações dos Estados Unidos com a Arábia Saudita e a Turquia, seus mais estreitos aliados no Oriente Médio, expõem os desafios do governo de Barack Obama para navegar nas águas cada vez mais turbulentas dessa região.
Neoconservadores, membros do opositor Partido Republicano e outros falcões (ala mais belicista de Washington) atribuem essa situação à tendência de Obama de se desentender da região e a sua renúncia em usar o poder militar para defender agressivamente os interesses de Washington.
Outros consideram que as novas forças que se desataram com a invasão ao Iraque em 2003 e com a Primavera Árabe transformaram a região e estão desafiando o controle dos Estados Unidos.
“Nós, os estadunidenses, já não temos a capacidade de marcar tendências no Oriente Médio”, admitiu Chas Freeman Jr., diplomata aposentado que se desempenhou como embaixador na Arábia Saudita durante a Guerra do Golfo de 1991.
Mas “as ilusões de onipotência imperial são difíceis de dissolver”, acrescentou.
“Os atores regionais estão duplicando esforços para convocar o apoio de potências externas”, disse Freeman na terça-feira (22), na "Conferência de Políticos Árabes/Estadunidenses", celebrada em Washington. “Isso poderia gerar surpreendentes realinhamentos geopolíticos”, prognosticou.
A Casa Branca recebeu uma bofetada na semana passada, quando a Arábia Saudita se recusou a sentar pela primeira vez como membro não permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), alegando o fracasso desse organismo para resolver o conflito palestino-israelense e a atual crise na Síria.
O impacto foi maior na terça-feira (22), quando o "The Wall Street Journal" informou em sua portada que diplomatas europeus haviam se reunido em Yeda com o chefe de inteligência saudita, Bandar bin Sultan al Saud, ex-embaixador de seu país em Washington.
Nesse encontro, Bandar teria dito claramente que o boicote ao Conselho de Segurança era “uma resposta para os Estados Unidos, não para a ONU”.
Também segundo fontes do jornal, Bandar revelou que Riyadh não só considera reduzir sua cooperação com Washington no treinamento e na provisão de armas aos rebeldes sírios, mas que também explora relações militares com outras potências que sirvam mais aos interesses sauditas.
Consultado a respeito em Londres, onde participava da reunião do "grupo Amigos da Síria", o secretário de Estado (chanceler) estadunidense John Kerry comentou que havia mantido uma série de reuniões com o ministro de Relações Exteriores saudita, Saud al Faisal.
Nesses encontros, afirmou Kerry, chegaram a vários acordos sobre a Síria e outros temas. O funcionário estadunidense assegurou ter “grande confiança” em que os dois países “continuarão sendo importantes e achegados amigos e aliados que temos sido”.
Ainda que as palavras de Bandar pareçam ser, por enquanto, só uma advertência, é fácil notar que Washington e Riyadh se afastam cada vez mais nesses e outros assuntos.
O respaldo de Riyadh à repressão de movimentos opositores no Bahrein e no Egito não agrada a Casa Branca, nem sua lentidão para agir contra os sauditas que apoiam financeiramente grupos afiliados à rede radical islâmica Al Qaeda na Síria e no Iraque.
Por sua parte, a Arábia Saudita está preocupada com uma possível distensão entre os Estados Unidos e o Irã, pois teme que Teerã recupere a primazia que gozava no Oriente Médio, com apoio de Washington, antes da Revolução Islâmica de 1979.
Enquanto isso, na frente turca, o governo de Obama ficou desconcertado por uma série de acontecimentos que muito provavelmente complicarão seus vínculos com o único aliado de maioria muçulmana na "Organização do Tratado do Atlântico Norte" (OTAN), se é que já não o fizeram.
David Ignatius, colunista do "The Washington Post", informou na semana passada que o chefe de inteligência turco havia revelado a Teerã a identidade de 10 iranianos que realizavam espionagem para Israel.
Dessa forma, Ankara pôs fim a uma longa história de colaboração em inteligência com o governo israelense, que começou a sair dos trilhos após a ofensiva do Estado judeu a Gaza em 2008 e 2009.
A imprensa turca informou, na terça-feira, que Washington havia cancelado o envio de aviões não tripulados "Predator" a Ankara em represália por essa colaboração com o Irã.
Ainda que o governo do primeiro ministro turco Recep Tayyip Erdogan tenha negado o relatório de Ignatius, crescem as suspeitas de que esse se encontra hoje mais próximo de Teerã que de Telavive.
Isso marcaria uma mudança na histórica rivalidade entre a Turquia e o Irã e confirmaria o fracasso dos esforços de Obama para voltar a estreitar os laços entre turcos e israelenses.
Como se fosse pouco, a Turquia anunciou, surpreendentemente, no mês passado, que escolheu uma companhia chinesa, e não suas competidoras estadunidenses e europeias, para construir um novo sistema de defesa antimísseis. A assinatura está sujeita a sanções de Washington [à companhia chinesa] por ter vendido equipamento militar nada menos que ao Irã.
Além disso, o sistema chinês seria incompatível com o equipamento utilizado pelos membros da OTAN.
Inclusive, os simpatizantes de Erdogan e de seu "Partido da Justiça e do Desenvolvimento" reconhecem que a aliança entre a Turquia e os Estados Unidos está com sérios problemas.
“Considerando o histórico da Turquia, como pode a administração de Obama continuar dizendo que é um ‘sócio modelo’ ou sequer considerá-lo um aliado?”, escreveu Steven Cook, especialista em assuntos turcos para o "Independiente Council on Foreign Relations".
“Ultrapassamos a linha do desacordo razoável e chegamos a um ponto no qual a Turquia está trabalhando clara e ativamente para perturbar os objetivos estadunidenses no Oriente Médio”, acrescentou.
A mutabilidade que caracteriza hoje a região e as dificuldades dos Estados Unidos para navegar nela ficam inclusive melhor ilustradas com as cada vez mais complexas relações que, por sua vez, têm os governos da Arábia Saudita e da Turquia. Unidos, ao menos até agora, em demanda de que Bashar al Assad abandone o poder na Síria, discrepam no caso do Egito.
Enquanto Riyadh ajuda o regime militar egípcio com milhares de milhões de dólares, Erdogan exige o regresso do derrubado presidente Mohammad Morsi e o fim da repressão contra a Irmandade Muçulmana, movimento transnacional considerado uma mortal ameaça pelas monarquias da região.
E enquanto Riyadh e sus aliados no Golfo estão cada vez mais preocupados com a distensão entre os Estados Unidos e o Irã, a Turquia parece ter a esperança de poder retomar a pleno seus laços comerciais com seu vizinho do leste.
O Oriente Médio ingressa em uma era de multipolaridade, onde a maioria das mudanças são impulsionadas por forças internas. “O simples mundo das rivalidades coloniais das superpotências se desvaneceu há tempo”, disse Freeman.
“O conceito de que se está ‘conosco ou contra nós’ perdeu toda o significado no Oriente Médio atual. Nenhum governo da região está disposto hoje a confiar seu futuro a estrangeiros, muito menos a uma única potência estrangeira”, afirmou.”
FONTE: escrito por Jim Lobe. O seu blog, em inglês, sobre política exterior dos Estados Unidos, pode ser lido em Lobelog.com. Segundo o "Wikipedia": "James R. Lobe (born January 4, 1949 in Seattle, Washington) is an American journalist and the Washington Bureau Chief of the international news agency Inter Press Service. He has also written for Foreign Policy In Focus, Oneworld.net, Alternet, TomPaine.com, Asia Times, and other internet news publications. Lobe is best known for his criticism of U.S. foreign policy, American militarism, critic of anti-Semitism, with a particular focus on the neo-conservatives, their worldview, their relationship to other political tendencies, and their influence in the Bush administration".
Artigo transcrito no site "Carta Maior" (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/EUA-caminha-sobre-gelo-fino-no-Oriente-Medio/6/29353).
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