sexta-feira, 31 de outubro de 2014

CONSUMIDOR SEM ÁGUA, MAS ACIONISTAS ESTRANGEIROS E NACIONAIS DA SABESP GANHAM MUITO




Consumidor fica sem água, mas Sabesp vai muito bem nos lucros

A crônica de um fracasso

Por Heitor Scalambrini Costa*

"Governos têm sucesso quando executam políticas públicas que respondem aos desafios apresentados, e criam assim condições para um futuro melhor. No caso do que se convencionou chamar de "crise de desabastecimento de água em São Paulo", algumas características desse evento foram sendo delineadas, e hoje estão bem definidas.

O sistema Cantareira, que abastece 364 municípios paulistas, de um total de 645, atendendo 27,7 milhões de pessoas que respondem por 73% da receita da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo detém 50,26% das ações da companhia, e os outros 49,74% estão nas mãos de acionistas privados, estrangeiros e nacionais), poderá deixar 6,5 milhões de paulistanos sem água em suas torneiras.

A culpa é menos de São Pedro do que do governo de São Paulo que administra a Sabesp, e que subestimou os impactos das mudanças climáticas, da extração desordenada e descontrolada de recursos hídricos, da falta de conservação e proteção dos mananciais, e, não menos relevante, da poluição.

Faltaram [em benefício dos dividendos e lucros imediatos dos acionistas] planejamento estratégico na gestão integrada e compartilhada dos recursos hídricos, e os investimentos necessários em obras que poderiam ter amenizado o racionamento existente (sobre o qual o presidente da Sabesp demonstrou descaso ao dizer que “Não existe racionamento, existe uma administração da disponibilidade de água”).

Em 2004, uma série de seminários com especialistas debateram a crise de 2003 do sistema Cantareira, e apontaram para a necessidade de ampliar a disponibilidade de água do sistema, indicando que o melhor caminho para isso era buscar água no Vale do Ribeira através de uma obra que demoraria aproximadamente 10 anos para ser estudada, projetada e concluída, mas que, caso tivesse sido realizada, provavelmente não haveria problema de escassez de água como ocorre atualmente.

E a falta de transparência ficou evidenciada, mais do que nunca, quando foi tornado público um relatório de 2012 da própria Sabesp, revelando o risco de desabastecimento no sistema Cantareira, e alertando investidores da Bolsa de Valores de Nova York para a estiagem prevista e seus impactos nas finanças da empresa. Somente encarou o problema a partir do inicio de 2014, quando criou um bônus para quem economizasse água.

A irresponsabilidade técnica e gerencial da empresa merece ser destacada. O plano enviado a ANA (Agência Nacional de Águas) para operar o sistema Cantareira até abril de 2015 não tem amparo adequado na realidade.

A probabilidade de recuperação do sistema é altamente arriscada, com um cenário traçado que já não se confirma neste mês de outubro (2014).

A arrogância e soberba dos gestores da água em São Paulo levaram a Justiça Federal a proibir a captação da segunda cota do volume morto do sistema Cantareira, já que a empresa vinha captando mais água que o autorizado.

Tudo se faz para não decretar oficialmente o racionamento, nem prejudicar o valor de suas ações na bolsa. A água é tratada como um mero “negócio”, não como um bem coletivo.

Apesar dos problemas verificados nos anos 2000, o que se constatou foi um aprofundamento ainda maior da política da água como mercadoria, e da empresa a serviço do mercado e de interesses políticos escusos, com diretorias indicadas por esses interesses inconfessos, sem nenhuma abertura para um planejamento técnico sério, vinculado às necessidades da população.

Prova disso é o quadro funcional da Sabesp, reduzido de 21 mil trabalhadores para 14 mil. Em particular, o setor de engenharia e operação foi diminuído a ponto de, atualmente, várias unidades terem um quadro de técnicos capacitados abaixo da necessidade para a atividade fim da companhia.

Por outro lado, no último balanço divulgado foi comemorado um lucro de 1,9 bilhões de reais da companhia, mostrando que do ponto de vista mercadológico a empresa vai bem...[E Alkmim, como bom e típico tucano, amigo "do mercado", ainda quer mais lucros para esses acionistas, propugnando para Dilma que o governo federal abdique dos impostos...]

O centro da questão está na malfadada gestão dos recursos hídricos de responsabilidade do governo do estado de São Paulo.

Não por acaso, o Ministério Público possui, segundo a Promotoria de Justiça do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente, 50 investigações sobre a gestão da água feita pela Sabesp.

A mercantilização de um bem essencial a vida, cujo lucro, ao invés de usar na realização de obras, paga dividendos a acionistas e especuladores é que tem provocado uma crise de tal dimensão, e consequentemente o sofrimento da população paulista".

FONTE: escrito por 
Heitor Scalambrini Costa*, professor da Universidade Federal de Pernambuco. Publicado no portal "Viomundo" (http://www.viomundo.com.br/denuncias/consumidor-fica-sem-agua-mas-sabesp-vai-bem-nos-lucros.html). [Título e trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].

COMPLEMENTAÇÃO

“Os anos recentes têm sido generosos com os acionistas da Sabesp”



Do Deputado Chico Alencar, PSOL/RJ

"A grave crise de abastecimento hídrico atravessada atualmente pelo estado de São Paulo merece atenção de todo o país, bem como esforço amplo para a superação do problema.

O baixo nível dos reservatórios do sistema Cantareira ameaça o fornecimento de água para cerca de 14 milhões de pessoas da região metropolitana da capital e de outros 12 municípios, como Campinas, Piracicaba e Itu.

Por mais que devamos nos preocupar com o aquecimento global e adotar políticas ousadas para seu enfrentamento, não é essa – nem meramente a falta de chuvas – a principal razão para a pane no sistema de abastecimento de água.

A Relatora das Nações Unidas para a questão da água, Catarina de Albuquerque, é categórica: a crise hídrica em São Paulo é de responsabilidade direta do governo estadual.

A avaliação do Ministério Público é semelhante. A promotora Alexandra Facciolio afirma: “Estamos passando por esta situação porque o planejamento falhou. Não foi feito o que era necessário”.

Segundo diversos especialistas, os vinte anos de gestão estadual do PSDB não providenciaram os investimentos necessários para garantir o equilíbrio do sistema de abastecimento de água, com capacidade de suportar períodos de estiagem.

A privatização da gestão, controle e distribuição da água, transformada em ativo financeiro e objeto de especulação nas bolsas de valores, é uma das maiores razões para isso.

Para a Relatora da ONU, “os recursos deveriam estar sendo investidos para garantir a sustentabilidade do sistema e o acesso de todos a esse direito”, ao invés de remunerarem lucros de acionistas da Sabesp, empresa mista responsável pela gestão do sistema, e que tem quase 50% de suas ações distribuídas entre bolsas de SP e de Nova Iorque.

Segundo o economista Bruno Peregrina Puga, “os anos recentes têm sido generosos com os acionistas da Sabesp, sempre pagando um payout elevado, ao passo que o investimento não tem acompanhado a mesma intensidade crescente do lucro”.

Além disso, estudo da Fundação SOS Mata Atlântica mostra que o desmatamento intenso de quase 80% da vegetação nativa da bacia hidrográfica da Cantareira é um dos responsáveis diretos pela crise de abastecimento.

Com pouca vegetação, a floresta não consegue desempenhar o seu papel, de reabastecer os lençóis freáticos e impedir a erosão do solo e o assoreamento de rios, protegendo as nascentes e todo o fluxo hídrico. Mais uma grave omissão do poder público – inclusive deste Congresso Nacional, que produziu grave retrocesso ambiental nesta Legislatura, ao aprovar, em 2012 (com a nossa oposição), o novo Código Florestal, que criou condições mais favoráveis ao desmatamento e assoreamento de rios.

Além da instrumentalização mercantil e financeira, há evidência de grave e ilegal ingerência política eleitoreira sobre a Sabesp, em prejuízo da transparência da gestão pública.

Diante dos áudios em que a diretora-presidente da SABESP, Dilma Pena, declara ter recebido ordens do governo do estado para "esconder a grave crise de abastecimento de água em São Paulo", fica claro que o governo do PSDB colocou seus interesses eleitorais acima do interesse público.

Com esse fundamento, o Deputado Carlos Giannazi, líder da bancada do PSOL na Assembleia Legislativa do Estado de SP, protocolou, no dia 24, pedido de cassação do mandato do governador Geraldo Alckmin por crime de responsabilidade, com base na legislação federal e estadual, além de Representação no Ministério Público Estadual, pedindo que o órgão responsabilize criminalmente, e por prevaricação, a presidente da SABESP e o próprio governador.

Por mais que o governo tucano tenha tentado esconder, a falta de água já era sentida há tempos, em especial na periferia, em bairros como Itaquera, Carapicuíba e Campo Limpo, conforme denuncia Guilherme Boulos, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

A população de Itu, no interior, foi a primeira a sofrer com o problema, desde setembro do ano passado, enfrentando racionamentos prolongados e imprevisíveis, que afetam da merenda escolar à ida de estudantes ao banheiro nas escolas, da dificuldade de lavar roupas e tomar banho às filas enormes e ininterruptas na bica de água da cidade.

Na raiz da escassez, a falta de transparência e de investimentos do poder público e da empresa privada que é concessionária do serviço de abastecimento de águas na cidade desde 2007.

Como infelizmente tem sido praxe, os governantes têm respondido com violência, e não com políticas públicas adequadas, à revolta popular que ocorre em Itu pelo direito à água.

Várias pessoas foram presas nos protestos, e há casos de ativistas que têm sofrido ameaças e agressões físicas e psicológicas da polícia militar e da guarda municipal de Itu. Foi o caso de Everson Guarnieri Júnior, 20 anos de idade, membro do movimento “Itu Vai Parar”, vítima de golpes de cacetete por parte da PM e que teve seus piercings arrancados com alicate no centro de detenção provisória de Sorocaba, do qual saiu com diversos ferimentos.

Nesse cenário, manifesto todo apoio à representação do Deputado Carlos Giannazi contra a cúpula do governo de SP e da Sabesp, e toda solidariedade ao movimento “Itu vai parar”, que apresenta demandas cobertas de justiça e urgência:

i. O decreto do estado de calamidade pública em Itu;
ii. O rompimento do contrato com a empresa concessionária e o fim da concessão;
iii. O fim da exploração da água para o lucro; e 
iv. A participação popular no Comitê de Crise formado pela prefeitura e Estado de São Paulo para a gestão da água em Itu.

Água é direito humano, essencial à vida, não pode ser mercadoria!

Agradeço a atenção,

Sala das Sessões, 28 de outubro de 2014.
Do Deputado Chico Alencar, PSOL/RJ" 

FONTE da complementação: texto do Deputado Chico Alencar, PSOL/RJ transcrito no portal "Viomundo"  (http://www.viomundo.com.br/denuncias/chico-alencar-apoia-pedido-de-impeachment-de-geraldo-alckmin-os-anos-recentes-tem-sido-generosos-com-os-acionistas-da-sabesp.html).

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