quarta-feira, 2 de junho de 2010

DELFIM NETTO: "A OUTRA CHINA" [CUIDADO!]

"O Partido Comunista Chinês desenvolve uma política de acomodação para manter o controle interno. E pensa 40 anos à frente para prosseguir no seu bem-sucedido programa de desenvolvimento.

Testemunhas verazes mostram que na China o debate de ideias em ambiente fechado (na academia) é relativamente livre. A situação muda radicalmente quando a contestação é pública ou organiza o pensamento dissidente. Até quando esse mecanismo vai funcionar numa sociedade cuja afluência cresce a olhos vistos, é uma questão em aberto.

Sobre o que se tem certeza é que os recursos naturais da China não serão capazes de sustentar a produção de bens e serviços necessários para uma população de 1,7 bilhão em 2050 (se a população crescer à taxa de 0,5% ao ano) com uma renda per capita da ordem de US$ 71 mil -em dólares de 2009 (se o crescimento per capita for de apenas 6%).

Isso, grosseiramente, representa quase 1,7 vez o PIB mundial de 2009! Sua simples menção mostra que, com sua população e seu "projetado" crescimento, a China não caberá na China! Não há água, não há solo, não há energia no território chinês para sustentá-lo. Ela precisará de outra China!

É exatamente isto o que ela está fazendo: transformando as suas extraordinárias reservas de dólares (mais de US$ 2,5 trilhões) em ativos reais.

Compra na América Latina e na África terras para cultivar cereais (e eventualmente biocombustíveis) e explorar recursos minerais (minério de ferro, cobre etc.).

Empresta a empresas petrolíferas com garantia de suprimento. O mesmo que fizeram as velhas metrópoles nas suas colônias e no mundo emergente. Mas há uma diferença importante: a exploração colonial era intermediada por empresas privadas sob a tutela soberana.
No caso da China, é o próprio Estado soberano que, por intermédio de empresas estatais, se apropria (pela compra ou por empréstimo) de ativos reais em outros países soberanos. É a isso que assistimos diariamente no Brasil!

Mas por que essa preocupação? Primeiro, porque é duvidoso que isso não viole a nossa Constituição.

Segundo, porque poderá vir a constituir uma limitação ao exercício de nossa política econômica, o que, eventualmente, poderá gerar graves contenciosos diplomáticos.

E, terceiro, porque, no longo prazo, oferecerá vantagem comparativa à China, que, sem intermediação dos mercados, fará uma ligação direta entre o suprimento e a sua demanda, certamente abaixo dos preços internacionais e em prejuízo do país fornecedor colonizado."

FONTE:
escrito por ANTONIO DELFIM NETTO e publicado hoje (02/06) na Folha de São Paulo [pequeno entre colchetes no título colocado por este blog].

Um comentário:

Fluxo disse...

Por que falar só da China? Pelo jeito, precisaremos de um outro planeta, sem um único habitante para ser explorado, pois o artigo não menciona o consumo americano, do norte, o europeu, o indiano e dos outros países emergentes.A China, a rigor, não estaria errada,considerando que quer garantir o seu abastecimento com matérias-primas e alimentos baratos. O ideal seria que o Brasil produzisse, com brasileiros, e colocasse o produto no mercado com o preço de custo acrescido do lucro, evitando especulações oportunistas, tornando o fornecimento com preços estáveis àquele país.