
O ex-presidente José Sarney não quer revolver denúncia de dossiê contra a filha, Roseana, em 2002
Terra Magazine
"Essas coisas do passado a gente não deve remexer". Em conversa com Terra Magazine, durante a convenção nacional do PMDB, em Brasília, o ex-presidente da República José Sarney condenou a recorrência de dossiês na política brasileira. Mas preferiu "esquecer" os papéis de acusadores hoje ocupados pelos seus adversários José Serra (PSDB), ex-governador de São Paulo, e Marcelo Itagiba, deputado federal e ex-diretor de inteligência da Polícia Federal.
Reportagens dos jornais Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e da revista Veja relataram um encontro do jornalista e assessor da campanha de Dilma Rousseff, Luiz Lanzetta, com o delegado aposentado da Polícia Federal Onésimo de Souza. A proposta seria monitorar os telefones de José Serra e de Itagiba, suspeito de montar uma rede de espionagem contra os petistas. Lanzetta, que se afastou do grupo de comunicação de Dilma, nega a iniciativa.
No Senado, em 20 de março de 2002, o senador José Sarney (PMDB-AP) denunciou uma rede de espionagem contra a filha, Roseana, montada a partir do Ministério da Saúde para favorecer a candidatura de José Serra à presidência da República.
O ex-presidente acusou a operação Lunus, da Polícia Federal, de ser o desdobramento de um dossiê criado para barrar o crescimento da filha na sucessão da Presidência em 2002. Segundo Sarney, José Serra (PSDB) e o ex-diretor de inteligência da PF Marcelo Itagiba (PSDB) eram os articuladores da investigação subterrânea, a partir do Ministério da Saúde, com o objetivo de alvejar adversários.
Agentes federais apreenderam mais de R$ 1,3 milhão no escritório da empresa de Roseana e seu marido, Jorge Murad, em São Luís (MA). A operação precipitou a briga de Sarney com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que teria sido alertado sobre o vaivém de arapongas. Sarney levantou ainda a confecção de dossiês contra três membros da cúpula do PSDB: Pedro Malan, Paulo Renato de Souza e Tasso Jereissati.
Trecho do discurso de Sarney:
"A imprensa em quase sua totalidade publica que esse mesmo grupo está conectado para essas ações políticas na Polícia Federal e no Ministério Público citando o delegado Marcelo Itagiba, ex-chefe do Departamento de Inteligência da Polícia Federal, ex-chefe do grupo de inteligência que se formou no Ministério da Saúde e que é, atualmente, o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, e o Procurador José Roberto Santoro".
Em ano eleitoral, o senador José Sarney prefere não comentar a antiga denúncia.
Veja a entrevista:
Terra Magazine - Em 2002, o senhor fez um dos discursos mais duros de sua vida pública, falando do medo de dossiês no Brasil, e denunciou José Serra e Marcelo Itagiba como autores de um dossiê contra sua filha, Roseana. Como avalia o fato de eles acusarem o PT de usar esse instrumento na campanha deste ano?
José Sarney - Não, essas coisas do passado a gente não deve remexer.
O senhor não quer mais falar disso?
Não quero mais tocar nesse assunto.
Ainda sustenta aquele discurso?
O discurso está nos anais. Agora, eu li uma reportagem da Carta Capital que falava desses assuntos. Tive a oportunidade, mas eu não quero mais tratar... Isso é uma coisa passada.
Não quer revolver isso em um ano eleitoral?
Isso é coisa inteiramente superada.
Como o senhor vê a recorrência dessa prática de dossiês?
Eu sempre pensei que a gente deve olhar para o futuro, e não para trás.
Qual a expectativa do senhor para a aliança com a ministra Dilma?
A ministra Dilma tem uma grande perspectiva, uma vez que é a primeira mulher que vai ser presidente do País. Minha convicção é de que ganhará no primeiro turno.”
FONTE: reportagem de Claudio Leal publicada no portal “Terra Magazine” do jornalista Bob Fernandes.
2 comentários:
Dossiê é detergente
Funciona assim: contrato alguém para espionar a mim mesmo, descobrir segredos que possam interessar aos adversários. Aparece uma lista de capivaras incômodas e a partir de então ficamos atentos. Assim que os farejadores alheios puxam aqueles rabichos, e antes que possam organizá-los em alguma investigação compreensível, saímos a público denunciando que estão a elaborar um maldoso dossiê. Para provar, até divulgamos o assunto. Sempre que aparece aquela suspeita, reagimos com indignação democrática, devolvendo o prejuízo à imagem dos “arapongas”.
Qualquer campanha a prefeito de cidade mediana tem sua equipe de contra-informação. A maioria é formada por jornalistas (quem disse que o diploma não serve para nada?), mas há também publicitários, ex-policiais e aspones em geral. Eles se conhecem, é um meio relativamente fechado. E não há ingênuos: repórter ou analista que cobre eleições para grande veículo e nega a existência desses grupos em todos os partidos está sendo mentiroso. Para entender o alcance da estrutura a serviço de José Serra, basta realizar uma pesquisa rápida nos arquivos de qualquer jornal, procurando menções a Serra, à Polícia Federal e a Marcelo Itagiba. Isso vem de longe e não deveria mais causar espanto.
Talvez o PT esteja correto em sua estratégia de tratar o caso como histeria de perdedor. Mas, precisando, pode partir das próprias denúncias preventivas da Veja, que levantou a lebre e misteriosamente "esqueceu" de averiguá-la. É batata.
Guilherme Scalzilli,
Perfeita e clara análise. Ajudará outros leitores a melhor compreender esse artifício da política rasteira que ora presenciamos na mídia.
Obrigada
Maria Tereza
Postar um comentário