sábado, 4 de fevereiro de 2012

DILMA, HAITI, CUBA E OS TELHADOS DE VIDRO

Dilma, na chegada no Haiti
Por Beto Almeida

“Inspirada, quem sabe, no sambista mineiro Ataulfo Alves, que, por sua vez, inspirou-se em Cristo, Dilma Roussef desafiou em Havana a quem teria moral de atirar a primeira pedra no debate que, de modo distorcido, manipulado e enviesado se faz sobre direitos humanos para fazer pré-condenação a Cuba. Com estas declarações corajosas – propondo o debate a partir do centro de torturas que os EUA mantêm na Base de Guantánamo - a mandatária brasileira honrou o Brasil, o povo brasileiro, não eximindo nosso país de um auto-exame, ao lembrar que todos têm telhado de vidro, até nós.

Claro, sabemos que temos uma taxa elevadíssima de homicídios, de execuções por milícias e forças segurança, de cidadãos presos mesmo com penas já cumpridas, de torturas sistemáticas em dependências policiais, de violência no campo majoritariamente impune. Raras vezes na história tivemos posturas presidenciais com tamanha coragem e sinceridade. E com honesta dose de autocrítica. Sequer erradicamos o analfabetismo, ou o trabalho infantil, que, aliás, está crescendo lá nos EUA como provam a estatísticas.

Havana
Certamente, Cuba pode não ser o paraíso, mas das 200 milhões de crianças desnutridas hoje no mundo, a caminho da pena de morte da fome, nenhuma delas é cubana! E nenhuma criança cubana trabalha! As declarações da presidenta servem, sem dúvida, para colocar esse debate no patamar concreto e longe das manipulações interessadas que se fazem com o uso das esfarrapadas bandeiras dos direitos humanos acenadas exatamente pelos países que mais guerras produzem, mais invasões perpetram sobre povos mais débeis, mais ditaduras constroem, mais rapinas exercitam sobre os países pobres. Na liderança, obviamente, os EUA.

CUITO CUANAVALE E OS DIREITOS HUMANOS.

Um vergonhoso manto de silêncio e de sonegação informativa foi levantado em torno de Cuba para que o mundo não conheça suas conquistas sociais, sua resistência às agressões sofridas por mais de meio século de Revolução, incluindo-se atentados terroristas, guerras bacteriológicas comprovadas. A visita de Dilma também joga luz sobre a existência de bloqueio midiático contra Cuba. Por exemplo: nunca se informou com a devida honestidade e relevância, a epopéia da contribuição de Cuba, na década de 70, que enviou 400 mil homens e mulheres a Angola - inclusive a filha do Che - para defender a independência do povo angolano cujo território foi ocupado por tropas da racista África do Sul de então. Como afirma Nelson Mandela, a humanidade deve a Cuba a derrota do cruel regime do apartheid, derrotado por tropas cubanas-angolas-namibianas na Batalha de Cuitocuanavale. Com o nascimento de Telesur, já se informa corretamente sobre essa contribuição de Cuba para libertar a África do apartheid. Talvez, um acordo da TV Brasil com a TV Cubana permitisse desfazer centenas de desinformações, mitos e distorções construídos contra a ilha caribenha. E colocar dose de realismo e objetividade no debate sobre direitos humanos, como sugere Dilma.

A política externa brasileira, afirmada e expandida a partir de Lula, agora continuada por Dilma, é forma prática e concreta de furar aquele bloqueio. A presença do estado brasileiro, com o BNDES, com a Embrapa, a Petrobrás, empresas privadas, movimentos sociais, os acordos na área de saúde e de desenvolvimento agrário, é mais que um enfrentamento efetivo ao bloqueio dos EUA sobre a Ilha. É, também, passo decisivo na linha de integração latino-americana e caribenha que inclui expansão produtiva, de infraestrutura, comercial, científica, cultural, dentro da visão geoestratégica já consignada na criação da CELAC (Comunidade de Estados da Latino América e Caribe) . O que revela consciência diante da necessidade de pensar novo modelo de desenvolvimento, cooperativo, solidário, federativo, e ,também, diante da necessária prevenção face aos efeitos que a crise do capitalismo pode descarregar sobre nossa região, uma alternativa de longo prazo. Não há perspectiva para nenhum país isoladamente, sugerem esses acordos.

A LOCOMOTIVA DO CARIBE

Porto de Mariel-Cuba
Apesar de enfurecida e desconcertada pelo comportamento independente e altivo de Dilma Roussef, a imprensa brasileira teve que reconhecer, por debaixo do dilúvio de preconceitos que espargiu em sua cobertura sobre a visita presidencial a Havana, que, na prática, o Porto de Mariel, construído com participação brasileira, é nova locomotiva para o Caribe. Não apenas será o maior porto da região, dinamizando o comércio de toda a região, como será, também, pólo industrial, estando prevista a instalação de indústria de vidros - carência crônica da região - e até mesmo a produção de açúcar e de energia da biomassa da cana. Incide, também, na expansão dos forças produtivas. Nesse particular, vela lembrar que há em Cuba importantes desenvolvimentos tecnológicos alcançados pelo “Instituto Cubano de Investigaciones de Derivados de La Caña”, criados por Che Guevara, quando Ministro da Indústria, que certamente receberão agora significativos impulsos, tendo em vista que a Odebrecht, empresa brasileira ali instalada, também atua com desenvoltura nessa área da aplicação da alcoolquímica, inclusive com metas de grande porte na produção de embalagens biodegradáveis.

Mas, o editorialismo preconceituoso predominante na mídia contra Cuba dificulta que o povo brasileiro possa ser informado adequadamente sobre o alcance dos acordos firmados entre Brasil e Cuba. Além dos já citados, os acordos na área de saúde incluem cooperação em pesquisa, produção de medicamentos (a Fundação Oswaldo Cruzparticipa da empreitada), na formação de médicos e agentes de saúde, com a relevante contribuição da “Escola Latina-Americana de Medicina”, onde estudam centenas de brasileiros de família humildes, muitos deles do MST. Os jovens do MST, que estudam ao lado de jovens negros e pobres do Harlem, dos EUA, dificilmente teriam outra oportunidade para formarem-se como médicos, gratuitamente, como em Cuba. Bom tema para incluir no debate concreto sobre direitos humanos, não?

HAITI

Pela pedagogia dos gestos e atitudes, Dilma Roussef revelou pontaria política de alcance internacional ao dar uma banana ao “Fórum de Davos” e preferir o “Fórum de Porto Alegre”, onde afirmou que as fórmulas européias para crise são fracassadas. Além disso, em seu discurso aos movimentos sociais, citou a “Revolução dos Cravos” e a canção “Grandola, Vila Morena”, “O povo é que mais ordena”, ressaltando que, enquanto na Europa se destroem salários, direitos sociais e práticas democráticas pela tirania dos banqueiros, na América Latina está sendo construído outro mundo possível, seja pela expansão dos direitos sociais, pelo crescimento econômico, pela distribuição de renda e pela integração regional com o fortalecimento do MERCOSUL, da UNASUL, e, agora, da CELAC. A Europa, tida como avançada, retrocede e se rebaixa ao capital especulativo, à imposição dos países mais fortes sobre os mais fracos, à ditadura financeira, com retrocesso sócio-econômico e agressão militarista contra a Palestina, a Líbia, a Síria, o Irã. Sem esquecer as novas ameaças da militarista Inglaterra contra a Argentina, que recebe, por sua vez, a solidariedade brasileira na defesa da soberania platense sobre as Malvinas.

DIREITOS HUMANOS, UMA DIMENSÃO CONCRETA

Seguindo a lógica sempre destacada por Lula - a integração pressupõem o crescimento de todos os países juntos – Dilma, de Cuba para o Haiti, para firmar novos acordos de cooperação, em parceria com Cuba, que alcançam a doação de ambulâncias, medicamentos, construção de unidades de saúde, hospitais, laboratórios, dando dimensão concreta e clara do que significa contribuir para a valorização dos direitos humanos em escala internacional. Além disso, o Batalhão de Engenharia do Exército, que já realizou diversas obras de infraestrutura no Haiti (pontes, cisternas, estradas) , antes e depois do trágico terremoto, está a construir a única usina hidrelétrica daquele país, que tem merecido, uma vez mais, o mais completo desprezo por parte de países como EUA e França, que se negam, até hoje, a realizar o depósito dos recursos em favor do povo haitiano, descumprindo compromisso com a ONU. E são os que mais acenam a bandeira esfarrapada dos direitos humanos para justificar guerras e matanças, como na Líbia e na Síria agora.

JORNALISMO DE INTEGRAÇÃO

Por fim, vale questionar o enfoque da mídia brasileira na cobertura sobre a viagem de Dilma a Cuba e Haiti, pontuado pela desqualificação dos países visitados como se fosse viagem inútil e perdida. Perdida talvez tivesse sido a viagem de Dilma a Davos. Será que, numa eventual viagem da presidenta aos EUA, por exemplo, esse jornalismo de desintegração, de separação dos povos, de hostilidade à cooperação, daria o mesmo espaço à cobertura com entrevistas aos sem-tetos norte-americanos, aos ocupantes de Wall-Street, às estatísticas das violações de direitos humanos ali, à indagação sobre os presos e desaparecidos em razão da Lei Patriótica após o 11 de setembro, aos prisioneiros sequestrados ilegalmente em qualquer parte do mundo e transladados para a câmara de tortura de Guantánamo? Será que essa mídia condenaria Dilma por, eventualmente, criticar ou não se somar ao belicismo do Prêmio Nobel da Paz, Barack Obomba?

Centro de Torturas de Suspeitos, em Guantánamo, na Ilha de Cuba

Sim, tem razão a presidenta quando afirma que todos possuem telhados de vidro. O que coloca nova ótica na discussão e reflexão sobre o tema dos direitos humanos. Particularmente aos que aqui, nas fileiras da esquerda, esgrimem a bandeira de direitos humanos contra Cuba, mas se calam contra a arbitrária prisão do jornalista negro Múmia Abu Jamal nos EUA, condenado por juiz racista à pena de morte, agora comutada para prisão perpétua. Ou que se calam diante dos assassinatos de cientistas iranianos, que se calam diante da matança de 200 mil líbios pela OTAN que tanto bradou hipocritamente a bandeira dos direitos humanos.

O jogo está sendo jogado e, nesse xadrez, Dilma entra não apenas com postura e declarações corajosas que ,aliás, marcam sua vida. Entra, também, com a expansão dos acordos de cooperação entre povos, com a solidariedade concreta, com investimentos, com mais protagonismo de estado, com ajuda técnica, financeira, alavancando uma nova América Latina e Caribe, no âmbito da CELAC. Contribui, com isso, para virar a página da herança colonialista dos “Cem Anos de Solidão” e abrir a nova era, ainda embrionária, dos “Cem Anos de Cooperação”. Para o que falta, urgentemente, jornalismo de integração.”

FONTE: escrito por Beto Almeida, jornalista, membro da Junta Diretiva da Telesur. Transcrito no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5438) [Imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].[Postagem por sugestão do leitor Probus]

4 comentários:

Probus disse...

"...mas se calam contra a arbitrária prisão do jornalista negro MÚMIA ABU JAMAL Jamal nos EUA, condenado por juiz RACISTA à pena de morte, agora comutada para prisão perpétua.

Afinal, quem é Mumia Abu-Jamal???

12 DE ABRIL DE 2011

Mumia Abu-Jamal para presidente dos EUA

Está na hora de um negro governar os EUA

Rede Brasil Atual

Do corredor da morte ao mundo

“Porque é preciso muita gente para fazer a revolução, e muita gente para preservá-la”, Glória Muñoz Ramírez

Por Desinformemonos.org

http://blogdocappacete.blogspot.com/2011/04/mumia-abu-jamal-para-presidente-dos-eua.html

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04/02/2012: Mumia Abu-Jamal passou de condenado à morte à segregação

Mumia Abu-Jamal, cuja pena capital foi comutada pela cadeia perpétua após 30 anos no corredor da morte, sofre hoje as humilhações do sistema carcerário dos Estados Unidos, que o colocou numa cela de isolamento.

Por Sinay Céspedes Moreno, da Prensa Latina

Do Esquerda.net

http://www.outroladodanoticia.com.br/inicial/29549-mumia-abu-jamal-passou-de-condenado-a-morte-a-segregacao.html

Unknown disse...

Probus,
Obrigada pelas informações. Eu quase nada conhecia sobre esses fatos.
Maria Tereza

jovanello disse...

Por gentileza, você teria a foto de cuba em uma melhor resolução ou maior? Gostei muito queria fazer um quadro;

obrigado

jovanello disse...

Por gentileza, você teria esta imgaem de cuba maior ou em uma resolução melhor?

Gostaria de fazer um quadro.

Obrigado