sábado, 21 de julho de 2012

A DISPUTA PELO “MERCADO” DA NOTÍCIA




COM NOVIDADES NO FRONT

“Os dirigentes políticos da esquerda precisam compreender que o interesse dos veículos de comunicação pela polêmica - por razões comerciais - é muito maior que o interesse por debater os grandes temas, capazes de moldar futuro melhor para o país. Só com a defesa de temas como a reforma política, o verdadeiro e indiscriminado combate à corrupção, a crise européia e o fracasso neoliberal, poderemos nos libertar da sedução dos holofotes e das armadilhas midiáticas, que são colocadas frequentemente só para disputar o “mercado” da notícia. 

 

 O artigo é de Tarso Genro.

 Tarso Genro

Ao longo dos últimos dez anos a disputa de princípios, na esfera da política, tornou-se mais complexa. Os argumentos tradicionais estão bloqueados por um senso comum formatado por repetição de [pseudo]“verdades”, cuja aceitação não se fundamenta em fatos ou provas, mas é criada pelo martelamento permanente, repetitivo, de “informações” que são passadas como se não precisassem de argumentação minimamente lógica. O fazer político e o discurso político, hoje, devem partir do pressuposto que o senso comum já está “trabalhado pela grande mídia” para formar “pré-conceitos” sobre todos os temas relevantes do país e do mundo.

Repito o que disse em outras oportunidades: quando falo em “grande mídia”, não estou me reportando a qualquer órgão de imprensa, em particular, nem a um ou outro jornalista, sejam eles manipuladores ou não das informações que transitam nas suas colunas ou matérias. Reporto-me ao produto “matéria informativa”, no mercado da notícia, que é fabricado para ser assimilado pelo senso comum, ou por parte dele, como conjunto que passa a circular de forma dominante, como verdade, na “grande mídia” nacional.



Assim, Chávez, que ganhou sucessivas eleições na Venezuela e sofreu uma tentativa de golpe de Estado quase concretizada, passou a ser um “ditador”. Lula, que fez o governo mais democrático e avançado do país - em termos de progresso econômico, distribuição de renda e soberania nacional- nos últimos 50 anos, passou a ser retratado como um “Presidente tosco, que teve a sorte de surfar nas boas ondas da economia mundial”. A corrupção no Estado é apresentada sempre (e quando ela passou a ser mais combatida e por isso se tornou mais evidente) como uma “novidade”, ligada principalmente ao PT (mesmo quando os “sacerdotes da moralidade pública” são desnudados por inteiro e não são nem do PT, nem da esquerda).

Ao lado desses macroeventos, alinham-se outros. Por exemplo, a deposição do ministro Orlando Silva, do PC do B, que é exposto cinicamente como participante de um esquema de corrupção, humilhado publicamente pela “grande mídia” perante o país e a sua família, sem qualquer cuidado com a verdade, e sobre o qual hoje não pende nenhum indício de culpa. O serviço - a chacina -, porém, foi feita de forma meticulosa, certamente respondendo a interesses econômicos e políticos obscuros.

Neste momento, a “grande mídia” atravessa período de esforço para a legitimação da deposição golpista do Presidente Lugo. Abre, assim, precedente perigoso no debate sobre o futuro das democracias na América Latina, que lembra os anos 70.

Os métodos são outros, mas os objetivos e os efeitos são os mesmos: travar reformas progressistas e roubar esperanças de mudanças dentro da ordem. Pode, uma maioria parlamentar, -mesmo legítima em termos eleitorais - promover a deposição sumária de um Presidente por “não cumprir adequadamente” as suas funções, sem direito a ampla defesa e sem mesmo um esboço de prova?

Ao aceitarmos como “normal” a deposição do presidente Lugo, qualquer maioria (seja qual for sua posição política) poderá interromper mandatos sem obediência a regras que presidem qualquer Estado Democrático de Direito, estimulando o desapreço do povo à democracia política. A naturalização da deposição de Lugo está sendo meticulosamente trabalhada para passar ao senso comum que ela foi um “ato legítimo”.

[Senador Demóstenes, o “intransigente em relação à corrupção”, segundo a mídia tentava vender]

Há outro aspecto interessante no movimento da mídia. Aquele que elege a “personalidade da vez”. Até há pouco tempo, esse era o Senador Demóstenes, que seria o contraponto à “herança Lula”. Pela sua “probidade” e “intransigência em relação à corrupção”, era considerado também “um modelo ideológico”, capaz, inclusive, de promover uma pauta bombástica (e falsa), como aquela que a Polícia Federal estaria gravando diálogos seus com o ex-presidente do STF, Gilmar Mendes, que, na oportunidade, mostrou-se justamente indignado.

Ministro da Justiça naquele período, considerando o pedido do ministro Gilmar que presidia o STF, determinei investigação rápida e profunda, que não localizou nenhuma escuta ilegal. Não seria Cachoeira o autor do grampo? Não seria falsa a degravação apresentada? Eis uma investigação suplementar que a PF deveria reabrir neste momento.

[Senador Randolfe Rodrigues, o efêmero “instrumento útil” da vez]

Atualmente, a figura mais promovida pela mídia é o senador Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá. Assim como já foi, em outras oportunidades, a senadora Heloisa Helena, quando as suas diatribes udenistas serviam para a tentativa de desestabilização e promoção do fracasso do primeiro governo Lula. Ela era apontada pela mídia, naquela oportunidade, como “exemplo de coerência política e consciência ideológica da esquerda” e atraiu, pelo seu discurso radical contra Lula, o apoio e o voto de colunistas de jornais conservadores, ex-esquerdistas, que se autoproclamavam autênticos justiceiros do PT.

Buscava o governo, naquele momento difícil - não sem erros - dar estabilidade a uma maioria parlamentar para implementar programa de crescimento econômico e melhoria na distribuição de renda, que hoje orgulha toda a nação. O senador Randolfe, portanto, que se prepare, pois quando ele se ocupar em esboçar alguma defesa coerente do programa socialista do seu partido, será também sumariamente despedido dos grandes noticiários e das colunas que hoje lhe cortejam, à medida que já terá sido devidamente utilizado pela “grande mídia” para que este purgue o seu amor a Demóstenes.

Diante desse cenário, sustento que os partidos de esquerda devem elaborar suas agendas estratégicas não exclusivamente pelo que está sendo retratado ou exigido pela “grande mídia”. A informação, na sociedade democrática, é também parte de uma guerra pelo mercado e a produção da notícia. Nem sempre corteja a verdade, mas quase sempre está orientada pela busca do aumento do número de consumidores da notícia.

Os dirigentes políticos da esquerda precisam compreender que o interesse dos veículos de comunicação pela polêmica - por razões comerciais - é muito maior que o interesse por debater os grandes temas, capazes de moldar futuro melhor para o país. Só assim, com a defesa de agendas autônomas e de interesse público, como a reforma política, o verdadeiro e indiscriminado combate à corrupção, a crise européia e o fracasso neoliberal, poderemos nos libertar da sedução momentânea dos holofotes e não estaremos sujeitos às armadilhas midiáticas, que são colocadas frequentemente só para disputar o “mercado” da notícia. Não para informar e preservar a verdade.”

FONTE: artigo escrito por Tarso Genro, Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Publicado no site “Carta Maior” (
http://www.carta maior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20588)

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