Camponeses
paraguaios denunciam que terras foram vendidas aos brasileiros ilegalmente pelo
ex-ditador Alfredo Stroessner
“Mal havia terminado o golpe de
Estado contra o presidente Fernando Lugo e flamantes porta-vozes da burguesia
brasileira saíram em coro a defender os golpistas.
Por João Pedro Stedile, na “Folha de S. Paulo”
Seus argumentos eram os mesmos da
corrupta oligarquia paraguaia, repetidos também de forma articulada por outros
direitistas em todo continente. O “impeachment”, apesar de tão rápido, teria
sido legal. Não importa se os motivos alegados eram verdadeiros ou justos.
Foram repetidos surrados argumentos paranóicos da Guerra Fria: "O Paraguai foi salvo de uma guerra civil"
ou "o Paraguai foi salvo do
terrorismo dos sem-terra".
Se a sociedade paraguaia estivesse dividida e armada, certamente os defensores
do presidente Lugo não aceitariam pacificamente o golpe.
Curuguaty, que resultou em sete policiais e 11 sem-terra assassinados, não foi
um conflito de terra tradicional. Sem que ninguém dos dois lados estivesse
disposto, houve matança indiscriminada, claramente planejada para criar comoção
nacional. Há indícios de que foi uma emboscada armada pela direita paraguaia
para culpar o governo.
Foi o conflito o principal argumento utilizado para depor o presidente. Se esse
critério fosse utilizado em todos os países latino-americanos, FHC seria
deposto pelo massacre de Carajás. Ou o governador Alckmin pelo caso
Pinheirinho.
O Paraguai é o país do mundo de maior concentração da terra. De seus 40 milhões
de hectares, 31.086.893 ha são de propriedade privada. Os outros 9 milhões são
ainda terras públicas no Chaco, região de baixas fertilidade e incidência de
água.
Apenas 2% dos proprietários são donos de 85% de todas as terras. Entre os
grandes proprietários de terras no Paraguai, os fazendeiros estrangeiros são
donos de 7.889.128 hectares, 25% das fazendas.
Não há paralelo no mundo: um país que
tenha "cedido" pacificamente para estrangeiros 25% de seu território
cultivável. Dessa área total dos estrangeiros, 4,8 milhões de hectares
pertencem brasileiros.
Na base da estrutura fundiária, há 350 mil famílias, em sua maioria pequenos
camponeses e médios proprietários. Cerca de cem mil famílias são sem-terra.
O governo reconhece que, desde a ditadura Stroessner (1954-1989), foram
entregues a fazendeiros locais e estrangeiros ao redor de 10 milhões de
hectares de terras públicas, de forma ilegal e corrupta. E é sobre essas terras
que os movimentos camponeses do Paraguai exigem a revisão.
Segundo o censo paraguaio, em 2002 existiam 120 mil brasileiros no país, sem
cidadania. Desses, 2 mil grandes fazendeiros controlam áreas superiores a mil
hectares e se dedicam a produzir soja e algodão para empresas transnacionais
como Monsanto, Syngenta, Dupont, Cargill, Bungue...
Há, ainda, um setor importante de médios-proprietários, e um grande número de
sem-terra brasileiros vivem como trabalhadores por lá. São esses brasileiros
pobres que a imprensa e a sociologia rural apelidaram de
"brasiguaios".
O conflito maior é da sociedade paraguaia e dos camponeses paraguaios: reaver os 4,8 milhões de hectares usurpados
pelos fazendeiros brasileiros. Daí a solidariedade de classe que os demais
ruralistas brasileiros manifestaram imediatamente contra o governo Lugo e a
favor de seus colegas usurpadores.
O mais engraçado é que as elites brasileiras nunca reclamaram de, em função de
o Senado paraguaio sempre barrar todas as indicações de nomes durante os quatro
anos do governo Lugo, a embaixada no Brasil ter ficado sem mandatário durante
todo esse período.”
FONTE: escrito por João Pedro Stedile, economista,
integrante da coordenação nacional do MST (Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) e da Via Campesina Brasil. Publicado na “Folha de S. Paulo” e
transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=188654&id_secao=7).
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