Dani Rodrik, da
Universidade de Harvard (EUA): com câmbio e conjunto de políticas industriais corretos,
Brasil pode ter setor manufatureiro saudável
Por Sergio Lamucci, no jornal VALOR
“O economista Dani Rodrik não embarcou na recente onda de pessimismo em relação à
economia brasileira. Para o professor de
economia política internacional da Universidade de Harvard (EUA), o Brasil
tem condições de crescer a taxas de 5% ao ano mesmo no ambiente adverso que ele
antevê para a economia global, de baixo crescimento por muitos anos,
especialmente nos países desenvolvidos.
“O
Brasil, obviamente, será afetado de modo negativo pelos acontecimentos na
Europa e nos EUA e também pela provável desaceleração da China. Mas o Brasil
tem alguns pontos fortes”, disse Rodrik, citando as finanças públicas em
ordem e o regime democrático estável, mencionando também a grande classe média
como trunfo importante do país.
O economista turco será um dos
principais convidados do seminário “O
Brasil e o Mundo em 2022″, promovido pelo BNDES em comemoração aos 60 anos
do banco. O evento ocorre de 22 a 24/07 no Rio, no “Espaço Tom Jobim”.
Rodrik vê o Brasil, ao lado de Índia
e Coreia do Sul, como um dos países “relativamente
mais bem posicionados” para enfrentar esse cenário externo adverso dos
próximos anos – o crescimento depende
mais da demanda interna do que das exportações, a dívida pública está
controlada e a democracia é robusta. São vantagens importantes num mundo
que, segundo ele, tem 50% de possibilidade de testemunhar a dissolução parcial
da zona do euro nos próximos anos, além do risco de manutenção do impasse entre
democratas e republicanos sobre a trajetória fiscal americana. Rodrik, tampouco,
é otimista quanto às perspectivas para a China, um país que não é democrático e
ainda é muito dependente das exportações.
Para o Brasil crescer a um ritmo de
5%, ele aponta como fundamental “sinalizar
um ambiente em que serão mantidos os incentivos relativos para o investimento
na indústria manufatureira e em outros setores ‘tradables’
[comercializáveis internacionalmente]“, o que requer juros baixos e câmbio
relativamente competitivo. “Se as
políticas em curso conduzirem a essa combinação, já será grande ajuda”,
afirmou Rodrik, que vê, ainda, com bons olhos as iniciativas do governo de
reduzir impostos para setores específicos e tentar impulsionar o investimento
por meio do BNDES.
“O
que o Brasil está tentando fazer é esforço que vale a pena, desde que seja
pragmático e revisado à luz da evidência de seu impacto”, diz ele, para
quem o verdadeiro teste desse tipo de política é saber desistir dos perdedores,
não insistindo com setores se ficar claro que [neles] as medidas não dão
resultado. “A própria experiência do
Brasil no passado oferece muitas lições nesse sentido. Algumas políticas
industriais não foram muito bem-sucedidas, como no setor de informática, mas
outras, como no setor de aço e aviões, foram muito bem-sucedidas”, disse
Rodrik, um crítico da globalização exagerada. A seguir, os principais trechos
da entrevista, feita por telefone, na sexta-feira [20 jul].
Valor:
Em artigo recente, o Sr. diz que “a economia mundial está
entrando numa nova fase difícil a longo prazo – fase que será substancialmente
menos favorável para o crescimento do que possivelmente qualquer outro período
desde o fim da Segunda Guerra Mundial”. O mundo está condenado a uma longa era
de baixo crescimento?
Dani Rodrik: É muito provável que as próximas
décadas tenham crescimento substancialmente menor do que nas duas ou três
décadas anteriores à crise financeira. Há várias razões para isso. A primeira é
que os países avançados têm dívida pública muito elevada, o que reduz o
crescimento. A outra é que a crise atual na zona do euro também deve ter
implicações negativas para as perspectivas de crescimento de longo prazo.
Valor:
Por que o Sr. não acredita que os países emergentes, em especial
a China, tenham papel importante para impulsionar a economia global, como em
2008 e 2009?
Rodrik: Em primeiro lugar, porque eles não
são, em conjunto, tão grandes como os países ricos. Além disso, porque o
crescimento dos mercados emergentes nos últimos anos dependeu de ambiente
global permissivo, com mercados abertos nos países industrializados e a
disposição dos países desenvolvidos de olhar para o outro lado, enquanto países
como a China promoviam amplas políticas industriais para reestruturar as suas
economias. A economia global será muito menos permissiva nesse sentido, o que
também vai deprimir o potencial de crescimento dos países emergentes.
Valor:
O Sr. está preocupado com uma onda protecionista?
Rodrik: Em parte, haverá maior
protecionismo, mas de modos mais sutis – não
estou falando de algo como a onda que ocorreu nos anos 30. Mas potências
exportadoras como a China vão ter mais dificuldades para ter grandes superávits
comerciais com os países avançados do que tiveram no passado. Haverá muito
menos cooperação e coordenação global, porque os países ricos estarão mais
preocupados com questões internas.
Valor:
A cúpula da União Europeia, no fim de junho, decidiu pela
recapitalização direta dos bancos, mas os rendimentos dos títulos públicos
espanhóis e italianos continuaram em níveis altos. Por que a decisão não
acalmou os mercados?
Rodrik: Infelizmente, os líderes políticos
europeus têm ficado consistentemente atrás dos mercados. Eles sempre fazem o
mínimo possível, atuando apenas para adiar os problemas, sem lidar com as
questões fundamentais.
Valor:
Qual é o cenário mais provável para a zona do euro? Uma ruptura
ou os líderes vão conseguir manter a união monetária intacta?
Rodrik: Acho que uma dissolução parcial da
zona do euro tem possibilidade de 50% de ocorrer nos próximos anos. Há boa
chance de que a união monetária seja dissolvida.
Valor:
Na semana passada, Barry Eichengreen [professor da Universidade
da Califórnia, em Berkeley] disse ao jornal “Valor”
que um colapso do euro seria um desastre financeiro. O Sr. concorda com ele?
Rodrik: Eu concordo com ele. As
consequências de curto prazo seriam devastadoras do ponto de vista econômico, e
acho que haveria consequências políticas ainda mais sérias no médio prazo. É
tragédia de primeira ordem.
Valor:
Como se daria a dissolução da zona do euro?
Rodrik: Há um número de países centrais – Alemanha, Áustria, Holanda e Finlândia –
que devem ficar numa união monetária a despeito do que ocorrer com a zona do
euro. Mas o futuro de todos os outros está muito em dúvida.
Valor:
A saída de algum país pode ocorrer ainda neste ano?
Rodrik: É bastante possível que a Grécia
tenha que deixar a zona do euro por volta do fim do ano. Se isso ocorrer,
haverá grande esforço para assegurar que o contágio para países como Espanha e
Itália seja limitado, o que pode comprar algum tempo para os outros países.
Valor:
Como o Sr. vê a estratégia europeia para enfrentar a crise? Há
foco demais na austeridade?
Rodrik: Acho que a estratégia é falha,
primeiro porque enfatiza demais a austeridade, deixando países como Grécia e
Espanha num círculo vicioso em que a austeridade reduz o crescimento, exigindo
mais austeridade fiscal, e assim por diante. Em termos mais estruturais, os
líderes políticos têm que decidir se vão dar um salto maior na direção de maior
integração fiscal e política, assumindo compromisso político com essa
trajetória. Ou, se forem incapazes de entrar num acordo em relação a essa opção
mais ambiciosa, e a única solução real for menos união econômica, eles deveriam
se preparar para isso, em vez de deixar o caos ocorrer. O caminho de maior
união fiscal e política seria de longe o melhor, porque evitaria os custos
econômicos e políticos de uma ruptura. Infelizmente, à medida que o tempo
passa, um desfecho favorável parece cada vez menos possível.
Valor:
A recuperação dos EUA não parece sólida. Uma nova rodada de
afrouxamento quantitativo [política monetária ultraexpansionista, de compra de
títulos] ajudaria a sustentar a recuperação?
Rodrik: A política monetária pode ter algum
papel, mas é limitado. O problema é que a política fiscal, acima de tudo,
exerce um peso sobre a economia. Nós precisamos de melhor estratégia fiscal,
que enfatize menos consolidação fiscal agora, especialmente no nível dos
Estados, e maior consolidação fiscal no futuro.
Valor:
O Sr. acredita que os democratas e republicanos vão conseguir
evitar o abismo fiscal em 2013 [a combinação do fim de isenção de impostos e
forte corte de gastos], que pode provocar violenta contração fiscal?
Rodrik: É muito difícil ser otimista em
relação a isso, infelizmente. Esse risco continuará a afetar a recuperação e o
crescimento.
Valor:
Em artigo recente, o Sr. diz que, no cenário global atual,
Brasil, Índia e Coreia do Sul estão numa posição mais favorável do que o resto
do mundo por serem democracias, terem crescimento puxado pela demanda
doméstica, e não pelas exportações, e por terem baixos ou moderados níveis de
dívida pública. Esses países vão se sair bem mesmo nesse mundo adverso?
Rodrik: Eu tenho prognóstico pessimista
para a economia global como um todo, mas alguns países estão relativamente mais
bem posicionados do que outros. O Brasil, obviamente, será afetado de modo
negativo pelos acontecimentos na Europa e nos EUA e também pela provável
desaceleração da China. Mas o Brasil tem, de fato, alguns pontos fortes, como
as finanças macroeconômicas estáveis e o regime democrático estável.
Valor:
Por que ser uma democracia é uma vantagem nesse cenário global
adverso?
Rodrik: As democracias, em geral, são muito
melhores em lidar com turbulência e incerteza, porque esses são os momentos que
pedem conciliação e cooperação entre diferentes grupos sociais. O que a
democracia faz é oferecer os mecanismos institucionalizados para que essas
barganhas ocorram. Quando se excluem essas barganhas, é verdade que se pode ter
alguns ganhos de curto prazo, mas não há nenhum modo para responder ao dissenso
e a oposição, o que, frequentemente, leva ao conflito. Esse é um risco
importante que a China pode enfrentar se a taxa de crescimento ficar mais
fraca. Esse é um motivo importante pelo qual eu sou menos otimista em relação
às perspectivas para a China.
Valor:
Mas a China não tem um potencial mercado interno de grandes
proporções?
Rodrik: Sem dúvida, mas eles têm que
reorientar a estratégia de crescimento em direção ao mercado doméstico. Como o
crescimento dependeu bastante de grandes superávits comerciais, essa mudança
produziria ajuste muito custoso, com fechamento de fábricas e trabalhadores
perdendo os seus empregos. Seria muito difícil administrar esse processo.
Valor:
Depois de vários anos de otimismo em relação à economia
brasileira, muitos analistas e investidores se tornaram céticos em relação ao
Brasil, em geral citando a falta de reformas estruturais e perspectivas piores
para as ‘commodities’. Em que medida esses dois fatores podem prejudicar o
Brasil?
Rodrik: O processo de reformas estruturais
é de longo prazo. Ele sempre caminha com progressos e paradas. Nós não
deveríamos ficar tremendamente preocupados com isso. Em relação aos preços de ‘commodities’,
eles têm produzido efeitos positivos e negativos para o Brasil. Obviamente, a
alta de preços estimula o crescimento no curto prazo, mas ao custo de afetar a
indústria e valorizar a moeda, como consequência da “doença holandesa”. Por
esse motivo, uma redução dos preços de ‘commodities’ não é, necessariamente,
algo ruim.
Valor:
O Sr. escreveu num artigo que, para os países em
desenvolvimento, “o imperativo manufatureiro é nada menos do que vital”. A
indústria manufatureira brasileira enfrenta crise de falta de competitividade,
respondendo por 14,6% do PIB. Como esse problema afeta as perspectivas para o
Brasil?
Rodrik: É um grande ponto de interrogação.
O processo de desindustrialização é algo que está ocorrendo por todo o mundo. É
questão de administrá-lo. Eu não acho que o Brasil possa voltar a ter uma
indústria respondendo por 20% a 25% do PIB, sem mencionar os 35% a 40% do PIB
de alguns países asiáticos. É uma corrida entre formar capital humano, para que
se possa criar empregos de altos salários no setor de serviços, e a perda de
emprego na indústria de trabalhadores relativamente pouco qualificados.
Valor:
Mas esse problema na indústria não pode ofuscar as três
qualidades que o Sr. menciona, quando diz que o Brasil está mais bem
posicionado que a maior parte dos países?
Rodrik: Comparado com muitos outros países,
o Brasil tem capacidades significativas no setor manufatureiro. Não é uma
questão de construir algo que não está lá. A base é muito boa. Com a taxa de
câmbio correta e um conjunto correto de políticas industriais, que o Brasil
está tentando adotar, o país pode ter setor manufatureiro saudável.
Valor:
O Brasil tem hoje câmbio mais desvalorizado em relação aos
últimos anos e o Banco Central está cortando os juros de modo agressivo, pelo
menos para os padrões brasileiros. Em que medida isso vai ajudar o crescimento?
Rodrik: Ela tem o potencial de ajudar um
pouco a indústria e o crescimento geral, mas os investidores tomam decisões
para períodos que não se limitam aos próximos seis meses ou um ano. Eles fazem
investimentos de longo prazo, de cinco anos, dez anos. Eles olham para o futuro
e precisam de algum tipo de garantia de como estarão os juros e o câmbio não
apenas hoje ou no mês que vem, mas daqui a dois anos ou daqui a cinco anos. O
que é necessário em termos de administração do câmbio e de política monetária é
ajuste de médio prazo, de sinalizar uma política que levará em conta a taxa de
câmbio e a competitividade muito mais do que no passado.
Valor:
O BC deve dizer diretamente que tem uma meta para a taxa de
câmbio, ou pelo menos que se preocupa com o nível do câmbio?
Rodrik: Eu colocaria do seguinte modo. O
nível do câmbio afeta o crescimento potencial da economia e, consequentemente,
na medida em que a política monetária é influenciada pelo crescimento
potencial, a taxa de câmbio naturalmente entra nas decisões de política
monetária. Há modos de trazer o nível do câmbio para as discussões de política
monetária sem que seja necessário mudar fundamentalmente o arcabouço do regime
de metas de inflação ou desistir da independência do BC.
Valor:
Em março de 2011, o Sr. disse, numa entrevista ao “Valor”,
que o Brasil deveria crescer 7%, mas que, devido à combinação de juros altos e
baixo investimento, 4% a 5% pareciam um sucesso. Neste mundo de baixo
crescimento que o Sr. antevê, que taxa o Brasil deve aspirar?
Rodrik: Acho que 5%, neste cenário global
em que eu acredito, seria um grande sucesso.
Valor:
O Brasil deve crescer menos de 2% neste ano. É algo cíclico ou
mostra que crescer a taxas mais altas, como de 5%, é difícil?
Rodrik: Quando mencionei 5%, me refiro à média
de médio prazo. Flutuações de um ano para o outro são naturais.
Valor:
Então, mesmo neste ambiente global adverso, ainda é possível
para o Brasil crescer a essa taxa de 5% ao ano.
Rodrik: Acredito que, com os pontos fortes
que tem, o Brasil é capaz de crescer 5%. O Brasil tem grande classe média, e
tem potencial para crescer ainda mais.
Valor:
O que o Brasil deve fazer para crescer a essa taxa?
Rodrik: A questão principal é sinalizar um
ambiente em que se manterão os incentivos relativos para o investimento na
indústria manufatureira e em outros setores “tradables”. É ambiente de juros
baixos e câmbio relativamente competitivo. Se as políticas em curso conduzirem
a essa combinação, já será grande ajuda.
Valor:
Muitos analistas criticam o governo brasileiro por cortar
impostos para setores específicos e tentar usar o BNDES para impulsionar o
investimento. Como o Sr. avalia essas iniciativas?
Rodrik: Acho que, em geral, vale a pena
experimentar políticas industriais desse tipo. O que o Brasil está tentando
fazer é um esforço que vale a pena, desde que seja pragmático, revisado à luz
da evidência do seu impacto.
Valor:
Escolher setores específicos não é um problema?
Rodrik: Não estou tão preocupado com
políticas econômicas seletivas, que favoreçam alguns setores em vez de outros.
Tenho mais preocupação em continuar com essas políticas quando elas claramente
não estão funcionando. O teste real é se há capacidade de desistir dos
perdedores. É isso o que quero dizer quando falo em abordagem pragmática. A
experiência do Brasil no passado oferece muitas lições nesse sentido. Algumas
políticas industriais não foram muito bem-sucedidas, como no setor de informática,
mas outras, como no setor de aço e aviões, foram muito bem-sucedidas. Muitas
indústrias exportadoras brasileiras não existiriam hoje, se o país não tivesse
adotado políticas seletivas no passado.”
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