[Ato humanitário dos EUA e aliados em Bagdad]
Por Vitaly Churkin, embaixador da
Rússia na ONU [entrevista à rede “Rússia Today”].
“Infelizmente, a
intervenção militar humanitária é sempre só militar; apenas parece humana ou
humanitária. Seja qual for o motivo ou pretexto, fato é que qualquer tipo de
intervenção militar na Síria só levará a derramamento de sangue ainda maior.
Não há quem não saiba que os maiores interventores humanitários do planeta – EUA
e Grã-Bretanha – intervieram no Iraque, por exemplo, declamando os mais
nobres pretextos (naquele caso, a existência de armas de destruição em
massa... que jamais existiram). O resultado, no Iraque, foram 150 mil
mortes, só entre os civis; além de milhões de refugiados e legiões de seres
humanos cujas vidas foram arruinadas, condenados a vagar pelo país. Por tudo
isso, não se deixem enganar pela retórica do humanitarismo ocidental. Na política
ocidental para a Síria, há muito mais geopolítica, que humanitarismo.
Conter a influência do
Irã no Oriente Médio é outra das principais motivações dos “combatentes
democráticos” ocidentais – Arábia Saudita e Qatar – preocupados com
o avanço do que, para eles, seria interesse só do Irã; o mesmo se vê também no
Bahrain.
Quanto aos vetos – se
não estou enganado, só os EUA vetaram, sozinhos, contra todo o Conselho de
Segurança, mais de 60 projetos de resoluções sobre a questão palestina -, quem
se sinta incomodado pelo veto de China e Rússia na questão síria, que
entreviste os diplomatas norte-americanos, meus colegas, e peça-lhes
explicações sobre as dezenas e dezenas de vetos dos EUA contra os palestinos.
Rússia e China vetaram,
pela terceira vez, um projeto de Resolução do Conselho de Segurança da ONU
sobre a Síria, que teria consequências trágicas para Damasco. O embaixador da
Rússia à ONU, Vitaly Churkin (VC) – o
homem que ergueu a mão e fez parar, pelo menos por hora, a intervenção militar
na Síria – explica, em entrevista a “Russia Today”, por que a única opção a ser considerada, no
caso da Síria, tem de ser uma solução diplomática.
Em entrevista exclusiva a “Russia Today”, Vitaly Churkin
explica o que está acontecendo na Síria e por que creem que o conflito já
ultrapassa as fronteiras do país:
Russia Today:A
decisão da Rússia, de vetar esse último projeto de Resolução no Conselho de
Segurança, causou consternação e muitas críticas à posição de Moscou. A Rússia
apoia o regime de Assad?
Vitaly Churkin [VC]: É
claro que não. Não se trata de quem apoia quem. Trata-se de encontrar solução
aceitável para a atual crise. Infelizmente, a estratégia de nossos colegas
ocidentais parece estar sendo encaminhada exclusivamente para fazer aumentar as
tensões na Síria e em torno da Síria. Não perdem uma oportunidade. Dessa vez,
aproveitaram a circunstância de ser necessário prorrogar o mandato da missão de
monitoramento que opera na Síria, e acrescentaram, no mesmo projeto de
Resolução rascunhado por eles, inúmeras outras cláusulas inaceitáveis. Foi
indispensável que Rússia e China vetassem aquele projeto, para garantir a Kofi
Annan mais tempo para trabalhar sobre o documento já aprovado por ministros de
Relações Exteriores de vários países do chamado “grupo de ação”, pelo qual se exige a criação de um corpo nacional
de transição. Para conseguir isso, é preciso que haja diálogo entre as partes
em confronto. Nesse contexto, aprovar e converter em Resolução do Conselho de
Segurança um documento que só gerará mais sanções contra o governo sírio não é,
bem evidentemente, a melhor ideia. Por isso, exercemos nosso direito de vetar e
bloquear essa decisão que vemos como contraproducente.
Russia Today: OK.
Moscou não está apoiando o regime de Assad. Mas EUA, Grã-Bretanha e França
dizem que a Rússia abandonou, desamparou o povo sírio. Como o senhor reage a
essa acusação?
VC: Você
sabe... Eles são muito bons nisso, falam alto, vivem de criticar a propaganda
política, que não seria “democrática”. Mas, na nossa avaliação, estão dedicados
agora, exclusivamente, à propaganda. Só isso explica tantas críticas, sem
qualquer fundamento, mas sempre muito estridentes, contra Rússia e China. Hoje,
foram os representantes permanentes de França e Grã-Bretanha que lá estavam,
falando e falando. Infelizmente, só repetiram falsidades sobre as políticas
externas da Rússia e da China. Deveriam concentrar-se, isso sim, em ajudar Kofi
Annan.
Infelizmente, até agora
nada fizeram para construir e por em andamento um processo positivo e produtivo
na Síria. Em vez disso, só fazem reunir o grupo chamado “Amigos da Síria”. De fato, é grupo em que se reúnem todos os
inimigos do governo sírio. Não diria que sejam inimigos do povo sírio, mas não
há dúvida de que o que une aquele grupo é o desejo de derrubar o governo sírio,
sem sequer considerar o que daí advirá. As consequências, segundo nossa
avaliação, seriam trágicas. Essa política implica tragédia ainda maior, porque
o governo do presidente Assad não é governo de um homem ou de um grupo, nem é
governo ditatorial. O governo Assad representa um segmento da população síria,
uma determinada estrutura de poder que lá está há décadas. Quebrar essa
estrutura pela violência só aumentará a extensão do conflito e o banho de
sangue. A Síria precisa de reformas, que só são possíveis mediante diálogo
político. Essa é a via razoável para encaminhar a solução daquela crise. Essa é
a linha de ação que a Rússia advoga.
Russia Today: Mas
até agora, pouco se obteve mediante qualquer diálogo. Parece que... há hoje, em
todo o mundo, a sensação de que é preciso fazer algo para deter a matança de
gente inocente. O que, exatamente, Moscou rejeita, na “intervenção humanitária”?
Sei que Moscou preocupa-se muito com o risco de o Capítulo 7º [da Carta da ONU]
poder levar a intervenção militar. Mas não haveria outro tipo de intervenção,
que pusesse fim à matança? O grupo de monitoramento, cuja ação a Rússia está
tentando manter, é um modo de intervenção política – intervenção prática –, para tentar deter a violência. Infelizmente,
ainda não obteve qualquer sucesso.
VC: Você
disse que o diálogo ainda não levou a coisa alguma. O problema, de fato, é que
o diálogo ainda nem começou. Os grupos de oposição recusam-se a
dialogar com o governo sírio. E grave obstáculo no caminho da missão de Kofi
Annan. O governo sírio já se declarou pronto a dialogar com a oposição. Agora,
seria hora de testar essa disposição do governo sírio. Aí está um elemento
importante.
Infelizmente, a
intervenção militar dita ‘humanitária’ é intervenção ‘militar’;
apenas parece humana ou humanitária. Seja qual for o motivo ou pretexto, fato é
que qualquer tipo de intervenção militar na Síria só levará a derramamento de
sangue ainda maior. Não há quem não saiba que os maiores “interventores
humanitários” do planeta – EUA e
Grã-Bretanha – intervieram no Iraque, por exemplo, declamando os mais
nobres pretextos (naquele caso, a
existência de armas de destruição em massa... que jamais existiram). O
resultado, no Iraque, foram 150 mil mortes, só entre os civis; além de milhões
de refugiados e legiões de seres humanos cujas vidas foram arruinadas e vagam
pelo país.
Por tudo isso, não se
deixem enganar pela retórica do humanitarismo ocidental. Na política ocidental
para a Síria, há muito mais geopolítica, que humanismo.
Russia Today: O
senhor disse que o que está acontecendo na Síria se espalhará eventualmente
também para o Irã. O senhor pode explicar melhor? O risco de o Irã ser o
próximo alvo?
VC: Falei
sobre o Irã, mas em contexto um pouco diferente. Não estou dizendo que, em
seguida, se mudem para o Irã. Mas, no comentário a que você se referiu, eu
falava de outro problema. Você refere-se ao que eu disse hoje no Conselho de
Segurança, na ONU. Ali, eu me referia ao interesse dos que pedem intervenção
militar já. Conter a influência do Irã no Oriente Médio é outra das principais
motivações dos “combatentes democráticos”
orientais – Arábia Saudita e Qatar –
preocupados com o avanço do que, para eles, seriam interesses só do Irã; o
mesmo se vê também no Bahrain.
Insistem que os xiitas que
protestam estariam recebendo alguma espécie de patrocínio do Irã, apesar do que
dizem vários observadores – inclusive
jornalistas, que conhecem de perto os eventos. Para vários desses
observadores, os protestos são genuínos, contra um sistema que, para dizer o
mínimo, não é inteiramente democrático. Portanto, não há dúvidas de que há uma
dimensão geopolítica nas políticas de vários dos países que, hoje, atacam mais
agressivamente a Síria. Isso, evidentemente, nada tem a ver com os interesses
do povo sírio.
Russia Today: Qual
é a preocupação de Moscou? Dessas implicações geopolíticas das quais o senhor
falou tão claramente... Por que Moscou está tão preocupada com essa questão? De
que modo tudo isso afetaria Moscou?
VC: O
fundamento da posição russa, nesse caso, não é alguma implicação geopolítica – por mais que saibamos, é claro, que uma
ampliação do conflito contra o Irã implique problemas para a Rússia. Hoje
se trata de fazer ver que a intervenção militar na Síria é desnecessária. E
trabalhamos ativamente para resolver pacificamente também o problema do
programa nuclear do Irã. A crescente tensão entre o Irã, o ocidente e os
sauditas não ajuda a encaminhar nenhum desses problemas.
O que se vê bem claramente
hoje é que o povo sírio está sendo sacrificado, numa disputa geopolítica entre
grandes potências ocidentais. É preciso por fim ao conflito armado. Não é
absolutamente necessário acrescentar, ao quadro do conflito armado local, a
violência de uma intervenção militar. E não há outro meio para por fim àquele
conflito, se não a mesa de negociações.
Há boa base para iniciar
essas negociações no documento aprovado por consenso pelo “Grupo de Ação” (ministros do
Exterior de vários países, reunidos em Genebra), há duas semanas e meia.
Esse documento fala de um corpo nacional de governo de transição a ser criado;
e que não será jamais criado a golpes de “sanções”, nem intervenção militar,
nem pressões contra um lado só e sempre o mesmo lado – o governo sírio. Ora, o governo sírio já declarou que está pronto a
iniciar negociações. Já há até representante designado pelo governo sírio para
as conversações indispensáveis para negociar o fim dos conflitos armados na Síria.
O problema é que há grupos
na Síria que não querem nenhuma negociação; há grupos extremistas; há grupos
armados que têm interesse na escalada da violência, inclusive com ataques
terroristas, como o que houve ontem (quinta-feira) em Damasco. Não estou
dizendo que o governo sírio jamais antes tenha recorrido à violência excessiva;
também aí se cometeram erros graves, e ataques injustificáveis ao longo desses
meses. Mas, agora, é hora de negociar e pôr fim à violência dos dois lados. A
menos que alguém tenha algum interesse em que a guerra na Síria se prolongue
por muitos anos, é indispensável iniciar um diálogo imediatamente.
Russia Today: A
Rússia não abandona a posição contra a intervenção militar na Síria. Não haverá
algum perigo, em assumir posição tão isolada, tendo de vetar e vetar sempre
qualquer sanção contra a Síria, se se sabe que a Russia está fornecendo
equipamentos ao exército sírio? Sabemos que Moscou já declarou que os
equipamentos não são usados contra civis. Mas... não é posição difícil de
defender? Como ficarão a reputação da Rússia e as relações entre a Rússia e os
países aos quais os vetos russos se opõem, tão declaradamente, depois de
superada a crise síria?
VC: Não
se pode adivinhar. Entendo que a Rússia está fazendo o que tem de fazer,
fazendo o mais certo, sem seguir uma ou outra política de catástrofe. Aí está
uma luta que me orgulho muito de estar lutando, que talvez leve a um novo e
melhor curso de ação e a políticas que levem a melhores resultados. É luta que
a Rússia está lutando em circunstâncias muito difíceis.
Quanto aos vetos... Se não
estou enganado, só os EUA vetaram, sozinhos, só o veto dos EUA, contra a
aprovação de todo o Conselho de Segurança em mais de 60 projetos de resolução
sobre a questão palestina. Quem se sinta incomodado pelo veto de China e
Rússia, na questão síria, que vá entrevistar os diplomatas norte-americanos,
meus colegas, e peça-lhes explicações sobre as dezenas e dezenas de vetos dos
EUA contra os palestinos. Não raras vezes, os representantes norte-americanos
no Conselho de Segurança “vetam”, até, declarações do próprio presidente ou da
secretária de Estado!
De fato, o veto é uma
instituição da Carta da ONU. É direito tão perfeito e legítimo quanto o voto a
favor. Nada há de errado em vetar, quando vetar é absolutamente necessário e
indispensável, como no caso da Síria, hoje; quando se trata de impedir que mais
um país seja destruído, como se a “intervenção militar humanitária” ocidental
já destruiu o Iraque e, mais recentemente, também a Líbia. (...)
Russia Today: E
sobre a missão dos observadores da ONU na Síria? Que sentido há em manter lá
essa missão que, até agora, nada conseguiu?
VC: A
missão deve ser mantida lá, por várias razões. A primeira delas é que a missão
é fonte de informação objetiva. Além disso, é importante que a missão esteja
lá, também para avaliar a real situação da população, vendo a situação de
perto. Retirar de lá a missão da ONU seria como abrir caminho para ações ainda
mais terríveis, de consequências ainda mais graves. Já estamos, de fato,
entrando em outra batalha diplomática. Trata-se, agora, de conseguir manter a
missão lá e tecnicamente operante, sem sobrecarregá-la com limitações e
implicações políticas.”
FONTE:
entrevista com Vitaly Churkin,
embaixador da Rússia à ONU [entrevista à rede “Rússia Today”]. Título original: “Don’t be
duped by Western humanitarian rhetoric on Syria”. Artigo traduzido
pelo “pessoal da Vila Vudu”. Castor Filhohttp://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/07/russia-sobre-siria-nao-se-deixem.html) [Imagem
do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’]
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