China e suas fronteiras
Por Pepe Escobar, no “Al-Jazeera”, de
Qatar, sob o título original “China talks deals, not sanctions”
Pepe Escobar
“O
Irã é, sabidamente, o terceiro maior fornecedor de petróleo para a China, atrás
só da Arábia Saudita e de Angola. O comércio bilateral ultrapassará US$ 50 bilhões
em 2015 [1]. Em junho, a China importou 524 mil barris/dia de petróleo
do Irã [2] – quase 40% a mais que em abril.
Vejamos,
pois, como a China respeita as “sanções” contra o Irã.
O
ministro do Petróleo do Irã, Rostam Qasemi, anunciou que a China investirá $20
bilhões – para começar – no
desenvolvimento de dois dos maiores campos de petróleo do Irã: “Azadegan” (dos maiores do mundo, com reservas estimadas
de 42 bilhões de barris [3]) e “Yadavaran” (no Khuzestão, perto da fronteira com o Iraque) [4]. São
maná, para Pequim, no longo prazo, esses 700 mil barris/dia de petróleo a mais.
Mapa de exportação de
petróleo do Irã (antes das sanções)
Ao
mesmo tempo, o Paquistão garantiu contratos – sem concorrência [5]– à “Gazprom” russa para o
gasoduto "IP" (Irã-Paquistão), projeto que foi conhecido como "IPI"
(Irã-Paquistão-Índia), antes de a Índia pular fora. Significa que Moscou
ajudará Islamabad a construir o trecho paquistanês do gasoduto (o trecho iraniano já está pronto).
Adivinhem
quem mais pode associar-se ao projeto? A China, claro. Nesse caso, o gasoduto
"IPC" estender-se-á do porto de Gwadar, no Mar da Arábia, pela rodovia Karakoram
até Xinjiang, no extremo oeste da China.
Mapa
da rede do Oleogasodutostão
QUEREMOS
NOSSO MAR, E JÁ!
No
“Oleogasodutostão”, onde as placas tectônicas vivem em perpétuo movimento,
esses são apenas dois dos recentes desenvolvimentos estrelados pela China. E
são projetos em terra. A coisa fica realmente espinhosa é quando se observar o front
marítimo.
A
China tem nada menos que 14 fronteiras terrestres. A maioria das questões de
fronteiras foram satisfatoriamente resolvidas, exceto duas escaramuças menores
que envolvem o Butão e a Índia.
E
a China tem nada menos que 14.500 quilômetros de litoral. No total, Pequim
reclama soberania total ou parcial sobre nada menos que 4 milhões de
quilômetros quadrados de mar. Não surpreende que a regra sejam as crises – potenciais ou reais. E ainda nem falamos
sobre Taiwan.
A
China disputa, com o Japão, as ilhas Diaoyu (Senkaku, em japonês), próximas de Okinawa, onde há uma base
asiática dos EUA, ilhas por isso mesmo consideradas chaves. Como se pode
adivinhar, há aí também um ângulo que conecta a área ao “Oleogasodutostão”: um campo de gás onde podem estar reservas de
200 bilhões de metros cúbicos.
A
China também tem disputas com Taiwan, Vietnã, as Filipinas, Malásia, Brunei e
Indonésia, em torno das ilhas Spratly (Nansha,
em mandarim) e o arquipélago Pratas (Dongsha,
em mandarim). E há disputa também com o Vietnã e Taiwan pelo arquipélago
Paracel (Xisha, em mandarim).
Enviados
de 26 nações pacífico-asiáticas e da União Europeia (EU) reuniram-se em Pnom
Pen, Camboja [6], para discutir segurança regional. Mas já antes de começar
a reunião, a China pediu que não se discutisse a confusão marítima; a posição
oficial da China é negociar desenvolvimento conjunto das fontes de energia em
todas essas áreas em disputa – segundo o
porta-voz Zhang Jianmin.
As
Filipinas e o Vietnã – ambos membros da “Association of Southeast Asian Nations”
(ASEAN)/Associação das Nações do Sudeste da Ásia (ANSA) –
definitivamente não concordam com o mapa traçado pelos chineses. Querem
construir uma posição para os países ANSA e depois negociar com a China, como
bloco. Faz sentido, se se considera que, virtualmente, a metade dos países
membros da ANSA reivindicam partes do Mar do Sul da China.
Para
ter ideia do que está em jogo, é possível que, em toda essa área, haja algo em
torno de 30 bilhões de toneladas métricas de petróleo e 16 trilhões de metros
cúbicos de gás. Correspondem a, pelo menos, um terço dos recursos de petróleo e
gás da China, segundo a Agência Xinhua.
Já
se observam superposições complexas. Por exemplo, a “PetroVietnam” quer que a “China
National Offshore Oil Corporation” (CNOOC) cancele um convite para que
empresas estrangeiras explorem blocos que se sobrepõem com áreas já entregues à
“ExxonMobil”, à “Open Joint Stock Company Gazprom” (OAO Gazprom)
russa e à indiana “Oil & Natural Gas Co”.
E,
seja como for, a ANSA já chegara a importante acordo antes da reunião em Pnom
Pen [7], para o que pode ser um código regional de conduta, cogente e
aplicável no Mar do Sul da China, segundo Albert del Rosario, secretário de
Assuntos Externos das Filipinas.
Na
verdade, ANSA e China já tinham um acordo não cogente há mais de dez anos. Só
têm de sentar e por tudo no papel. Qualquer exploração de recursos energéticos
terá de ser conduzida “passo a passo e
baseada em consenso”. Isso explica por que Pequim não está sendo exatamente
intimidada pelas ameaças da secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton, sobre
iminente apocalipse no Mar do Sul da China.
UM
PASSO ALÉM DA LINHA
Muito
mais do que [preocupar-se] com quem explora petróleo e gás no Mar do Sul da
China, Pequim preocupa-se muito seriamente com o acesso de seus navios a águas
internacionais. Normal: 90% do massivo
comércio internacional chinês depende de rotas marítimas.
Pequim
quer ser potência hegemônica incontestada a oeste de uma “linha verde” que vai
do Japão à Malásia passando por Taiwan e Filipinas. O problema aqui é que os
chineses estão em competição direta com a marinha japonesa.
O
próximo passo para Pequim será saltar das águas traiçoeiras do Mar do Sul da
China para as águas azuis de uma segunda vasta área, que vai do Japão à
Indonésia e passa por Guam – onde
acontece de haver instalada a principal base aeronaval dos EUA no Pacífico
Ocidental.
E
é aí que a coisa aperta realmente – porque
é onde entra Taiwan. Taiwan é a barreira com que os EUA contam para
bloquear uma projeção do poder chinês entre a “linha verde” e a “linha azul”.
O
jogo paralelo é igualmente importante para Pequim, para preservar seus
corredores navais para abastecimento de energia no sudeste da Ásia.
O
primeiro corredor é o Estreito de Malaca – pelo
qual transitam os navios petroleiros de menos de 100 mil toneladas que vêm da
África e do Oriente Médio para o Mar do Sul da China. O segundo corredor,
para superpetroleiros, passa pelos estreitos de Sunda e Gaspar.
O
terceiro, para o petróleo que vem da América do Sul, especialmente da
Venezuela, atravessa águas filipinas. E o quarto é uma rota reserva, entre os
estreitos de Lombok e Makassar, e daí ao largo das Filipinas.
Já
mostrei em outro artigo [8] como a estratégia de energia dos chineses,
extremamente sofisticada, move-se em torno de ultrapassar o que Pequim
considera gargalos-monstros – os
estreitos de Ormuz e Malacca. Nada menos de 80% das importações chinesas de
petróleo passam pelo estreito de Malacca.
Não
surpreende que Pequim esteja multiplicando seus investimentos em abrir vias
alternativas. A China está construindo uma estrada de ferro, como uma “Nova
Rota da Seda”, que interliga a maioria das nações da ANSA e um oleoduto
China-Myanmar que conecta Sittwe a Kunming, na província de Yunnan; está
estimulando a produção de gas natural no oceano na Tailândia, mas sobretudo em
Myanmar, através de 60 empresas chinesas de petróleo; e está construindo um
canal pelo istmo de Kra, no sul da Tailândia.
Estreito de Sunda
Por
tudo isso, há poucas coisas mais importantes para o governo coletivo em Pequim,
nesse universo, que esses quatro corredores. Devem ser mantidos em perfeita
segurança (se necessário, à moda chinesa).
Os estrategistas chineses têm simulado todas as espécies de pesadelos navais
que EUA, Japão, Índia ou todos esses juntos possam tentar inventar.
Uma
das consequências desse estado de coisas é a implantação do que os
estrategistas norte-americanos chamam de “o
colar de pérolas” – série de bases permanentes chinesas por todo o Oceano
Índico: Marao, nas Maldivas; Gwadar no Paquistão; as ilhas Coco em Myanmar;
Chittagong em Bangladesh. E acrescentem à lista Port Sudan, na África Oriental.
Esse
frenesi naval levou a inevitável boom na indústria de construção de
navios na China, do Mar Amarelo ao Mar do Sul da China. Mediante duas empresas
gigantescas – a “China State Shipbuilding Corporation” (CSSC) e a “China
Shipbuilding Industry Corporation” (CSIC), o Império do Meio, em 2020, será
o maior estaleiro do planeta.
Nem
seria preciso dizer que, como consequência disso tudo, os relatórios anuais do
Pentágono sobre o poder militar chinês ganham tons cada dia mais alarmistas.
QUE
BAITA, BAITA, BAITA GÁS! [9]
Pequim,
é claro, está extremamente preocupada com a crise na Eurozona. O Banco Central
acaba de baixar os juros. Haverá mais um pacote de estímulos – no mínimo, US$ 320 bilhões – para
aumentar o consumo interno. O país talvez cresça “só” 7,5% em 2012.
Mas
a expansão não para nunca. O premiê Wen Jiabao acaba de propor um acordo
comercial entre a China e o MERCOSUL – o “Mercado Comum latino-americano”.
Cataratas de energia, vinda de todos os cantos – Sibéria, Ásia Central, Irã, Oriente Médio, África, América do Sul –
têm de continuar a jorrar, para manter ativo o dragão mercantilista.
Por
tudo isso, investir bilhões no Irã e promover a exploração conjunta da energia
no Mar do Sul da China são, para Pequim, medidas óbvias de desenvolvimento. Não
é tempo para sanções ou tambores de guerra. É tempo para fazer negócios. Um
negócio de cada vez. Sem parar nunca.”
NOTAS
DE RODAPÉ:
[2] 22/6/2012, AsiaNews Net, em: “Beijing taking advantage of
Iran sanctions to boost Iranian oil imports”.
FONTE: escrito por Pepe Escobar, no
“Al-Jazeera”, de Qatar, sob o título original “China talks
deals, not sanctions”.
Traduzido
pelo “pessoal da Vila Vudu”. Castor Filhohttp://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/07/pepe-escobar-china-quer-saber-de.html).
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