Melhor para todos os países europeus
era decidirem em comum acordo pela descontinuidade do euro
“Passei duas semanas na Espanha,
participando de conferências acadêmicas e conhecendo o belo norte do país.
Encontrei uma Espanha rica, ensolarada, mas triste, com pouca gente nas ruas e
nos restaurantes.
Uma Espanha muito diferente daquela
alegre e otimista que encontrei nas visitas dos últimos dez anos.
Em todos esses dias, li o "El
País", e o clima das notícias e das opiniões nele veiculadas é ainda mais
sombrio. Vejo uma Espanha em plena crise do euro, uma Espanha sem saída.
Nas últimas eleições, os espanhóis
rejeitaram o governo social-democrata de José Luis Zapatero, porque este
aceitava a "austeridade" que lhe impunham os alemães e a "troica"
(Comissão Europeia, Banco Central Europeu, FMI).
Elegeram um premiê conservador,
Mariano Rajoy, que lhes prometia gestão mais soberana do país.
Mas, nos seus primeiros seis meses de
governo, a crise bancária do país se agravou, a Espanha foi obrigada a pedir
socorro, e agora a troica lhe impõe maiores cortes de despesas, aumento de
impostos e eliminação de direitos dos cidadãos.
Diante desse quadro, digo a meus
amigos espanhóis que a austeridade não resolverá seus problemas (muitos deles
concordam) e que melhor para todos os países europeus era decidirem em comum
acordo pela descontinuidade do euro, para, assim, evitar crise maior e
garantir a União Europeia. Diante dessa observação, eles se calam. A
sobrevivência do euro é tabu para eles.
Na última semana, diante do ajuste
de € 65 bilhões imposto à Espanha, a presidente da Argentina, Cristina
Kirchner, não pôde deixar de se indignar e de lembrar de seu próprio país.
Porque a situação da Argentina em
2000 e 2001 era muito semelhante à dos países endividados da zona do euro. O
"Plano de Conversibilidade" dos argentinos transformara o peso em uma moeda
estrangeira, como o euro é uma moeda estrangeira para os europeus: uma moeda
que não podem nem emitir, nem desvalorizar.
E ninguém tinha coragem de se
insurgir e propor o abandono da paridade legal do peso com o dólar, porque essa
paridade se tornara tabu.
Quem falasse contra ela estaria
"traindo" a Argentina. É exatamente a mesma coisa que está
acontecendo hoje na zona do euro: propor a desvalorização das moedas dos países
endividados é traição.
Os argentinos não foram capazes de
evitar o colapso de sua economia e a hiperinflação. Foi só depois que as duas
coisas ocorreram que a crise financeira mais terrível de que tenho lembrança
se abateu sobre seu povo, que o governo foi mudado e o problema foi enfrentado
-com coragem.
Terá a zona do euro também que
esperar a crise violenta para reagir? Ou será ela capaz de tomar medidas
suficientes de centralização bancária e de união fiscal que lhe permita evitar
essa crise violenta?
Os governos europeus apostam na
segunda alternativa, mesmo que ela tenha um custo muito maior do que o de dar
um passo atrás e descontinuar de forma acordada o euro.
E os espanhóis que encontrei estão
paralisados, pois sabem que não podem pressionar seu governo para uma medida
unilateral de saída do euro.
Podem, entretanto, deixar de
transformar a questão em tabu e começar a discuti-la. Proibir o debate é
arriscado. Poderá custar caro para eles e para todos os europeus.”
FONTE:
escrito por Luiz
Carlos Bresser Pereira na “Folha de Sõ Paulo”
[Imagem
do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’]
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