FHC OUVIU O GALO CANTAR; ACHOU QUE ERA UM TUCANO
Por Saul Leblon
“Fernando Henrique Cardoso recebeu
um prêmio da biblioteca do Congresso dos EUA, cuja primeira edição agraciou a
tradição dos intelectuais arrependidos da esquerda. O polonês Leszek Kolakowski
inaugurou a fila do 'Pluge' em 2003 depois de concluir uma baldeação do
marxismo ortodoxo à rejeição radical da obra de Marx, classificada por ele como
a "maior ilusão do século XX".
No caso de FHC, o prêmio de U$ 1
milhão brindou os desdobramentos políticos de suas reflexões sobre a
dependência. No entender dos curadores, elas teriam demonstrado como os países
periféricos 'podem fazer escolhas
inteligentes e estratégicas' (leia-se dentro dos marcos dos “livres
mercados” [que beneficiam os EUA]) mesmo estando em desvantagens
em relação às nações industrializadas".
O tucano não decepcionou. Na entrevista, após embolsar o galardão, falou
grosso. E acusou Lula de ser responsável pelas agruras atuais da indústria
nativa (perda de competitividade e de
peso no PIB), ao interromper as “reformas liberalizantes”. Isso mesmo, aquelas
das quais seu governo foi um instrumento [dos interesses norte-americanos] e
cuja correspondência no plano internacional, como se verifica, legou-nos um
mundo de fastígio e virtudes sociais. O diagnóstico do sociólogo, como se sabe,
vem ancorado em atilada visão macroeconômica [sic].
Graças a ela, o Brasil frequentou o guichê do FMI por três vezes em seus oito anos de mandato. Mais recentemente, em 29 de setembro de 2011, quando o governo Dilma reduziu a SELIC pela primeira vez e começou a armar o país contra a segunda avalanche da crise vinda da Europa, FH advertiu no jornal Valor: "A decisão (de cortar os juros) se mostra precipitada diante das previsões de queda do crescimento e mais inflação".
A fina sintonia com o lobby dos bancos, jornalistas e rentistas --que anunciavam o dilúvio após a queda da SELIC, de estratosféricos 12,5% para 12%, contra zero nos EUA-, não se confirmou. As previsões do 'mercado' de uma inflação em alta (6,52% então), esfarelaram-se ante o peso descomunal do agravamento do quadro externo. Na 4ª feira, depois de novo corte de 0,5 ponto na SELIC, que atingiu recorde de baixa de 8%, contra um pico histórico de 44,5% em março de 1999 [no governo FHC/PSDB], no segundo mandato do sociólogo, ninguém mais se lembrava das doutas advertências feitas por ele em 2011.
O mundo literalmente despenca sob o peso descomunal de uma quase depressão, que avança pelo quinto ano sem perspectivas de solução nos marcos do capitalismo desregrado. Os capitais em fuga para a segurança inundam os cofres do Banco Central Europeu e do Tesouro americano, mas também do alemão, que pagam taxa de juro inferior à inflação. Ou seja, os ricos preferem pagar para guardar o dinheiro em títulos públicos confiáveis do que investir na produção. O nome disso é colapso sistêmico.
Mais de 17,5 milhões de empregos foram dizimados na Europa. Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda caíram sob intervenção da banca para salvar ela própria; Obama chapinha num lodaçal de liquidez que não consegue reerguer a maior economia da terra; a China já sente a retração do comércio mundial que irradia efeitos contracionistas também no Brasil e demais fronteiras da América Latina.
Dos escombros desse desastre de proporções ferroviárias, irrompe falação do tucano em defesa das 'reformas'. Sejamos francos, FHC ouviu o galo cantar; achou que era um tucano áulico.
Graças a ela, o Brasil frequentou o guichê do FMI por três vezes em seus oito anos de mandato. Mais recentemente, em 29 de setembro de 2011, quando o governo Dilma reduziu a SELIC pela primeira vez e começou a armar o país contra a segunda avalanche da crise vinda da Europa, FH advertiu no jornal Valor: "A decisão (de cortar os juros) se mostra precipitada diante das previsões de queda do crescimento e mais inflação".
A fina sintonia com o lobby dos bancos, jornalistas e rentistas --que anunciavam o dilúvio após a queda da SELIC, de estratosféricos 12,5% para 12%, contra zero nos EUA-, não se confirmou. As previsões do 'mercado' de uma inflação em alta (6,52% então), esfarelaram-se ante o peso descomunal do agravamento do quadro externo. Na 4ª feira, depois de novo corte de 0,5 ponto na SELIC, que atingiu recorde de baixa de 8%, contra um pico histórico de 44,5% em março de 1999 [no governo FHC/PSDB], no segundo mandato do sociólogo, ninguém mais se lembrava das doutas advertências feitas por ele em 2011.
O mundo literalmente despenca sob o peso descomunal de uma quase depressão, que avança pelo quinto ano sem perspectivas de solução nos marcos do capitalismo desregrado. Os capitais em fuga para a segurança inundam os cofres do Banco Central Europeu e do Tesouro americano, mas também do alemão, que pagam taxa de juro inferior à inflação. Ou seja, os ricos preferem pagar para guardar o dinheiro em títulos públicos confiáveis do que investir na produção. O nome disso é colapso sistêmico.
Mais de 17,5 milhões de empregos foram dizimados na Europa. Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda caíram sob intervenção da banca para salvar ela própria; Obama chapinha num lodaçal de liquidez que não consegue reerguer a maior economia da terra; a China já sente a retração do comércio mundial que irradia efeitos contracionistas também no Brasil e demais fronteiras da América Latina.
Dos escombros desse desastre de proporções ferroviárias, irrompe falação do tucano em defesa das 'reformas'. Sejamos francos, FHC ouviu o galo cantar; achou que era um tucano áulico.
A industrialização brasileira vive,
de fato, uma compressão decorrente de desequilíbrios internos e externos. O
fôlego industrial do país hoje é 5% inferior ao que existia no pré-crise de 2008.
Quem acha que a perda é miúda deve ser informado que a corrosão ocorre
justamente nos setores de ponta, aqueles que dão o comando aos demais segmentos
da economia e da produção. A regressão decorre, em grande parte, da não
retificação do substrato neoliberal trazido do ciclo tucano, a saber:
privatizações que desguarneceram a capacidade do Estado de investir na
infraestrutura, indispensável à ampliação da competitividade sistêmica;
liberdade de capitais; juros escorchantes; câmbio valorizado e miséria aniquiladora
da demanda interna.
O governo Lula optou por atacar com maior contundência dois flancos desse modelo de inserção internacional dependente, construído pelo PSDB: o mercado de massa asfixiado pela fome de emprego, de comida, crédito e salário mínimo e o torniquete financeiro externo, feito de dívida alta e reservas baixas. Poderia ter ido além, afrontando o lobby rentista associado ao câmbio destrutivo? Tecnicamente, deveria. A resposta técnica descuida 'apenas' de um dado: a relação de forças permitiria atacar todas as frentes ao mesmo tempo?
Mal ou bem, as escolhas históricas de Lula deram ao seu segundo governo, e ao primeiro de Dilma, base de apoio social ampliada que hoje possibilita aprofundar o descolamento em relação à "agenda neoliberal", evocada na nostálgica entrevista de FHC.
Nesse espaço dilatado pela política, há uma discussão à espera de seus personagens; ela é sobremaneira urgente.
Até que ponto é possível blindar o país do vagalhão em curso apenas com doses de soro creditício e recuos graduais da SELIC, como tem sido feito? Ou ainda: se o investimento privado não comparece para dar impulso sustentável a essa engrenagem, qual deve ser o espaço do Estado na resistência contracíclica à recessão?
Não se trata de menosprezar a importância dos mercados, sobretudo do mercado de capitais, mas as insuficiências da lógica privada ficaram evidentes na recente queda de braços entre o governo e a banca em torno dos “spreads”. A pendência só se inclinou a favor da redução do custo do dinheiro quando o governo decidiu politizar o tema e acionou poderosa alavanca indutora: os bancos estatais, que normatizaram o significado do interesse nacional nesse momemto. O mesmo ocorreu em 2008. Antes da crise, os bancos públicos eram responsáveis por 30% do crédito oferecido; hoje, por 40%. O crédito dos bancos públicos cresceu do equivalente a 15,5% do PIB para 22,5%. Sem eles, o lubrificante básico da atividade econômica, o crédito, minguaria, como acontece na Europa agora.
Lição correlata vem da área do petróleo. O mundo estrebucha, mas a Petrobrás reafirmou investimentos de US$ 236,5 bilhões até 2015 -- US$ 142 bilhões em exploração e produção, o que significa fabulosa injeção de demanda por máquinas, serviços e equipamentos. Por que a Petrobrás é capaz de fazer, enquanto outras instâncias do governo patinam? Levantamentos do IPEA mostram que, dos R$ 13,661 bilhões destinados este ano à construção de rodovias, por exemplo, apenas R$ 2,543 bilhões (18,6%) foram gastos até maio.
Uma das respostas é que a existência da Petrobrás preservou a capacidade de planejamento do país no setor petrolífero; preservou e ampliou seus quadros de alto nível, expandiu o torque de sua engenharia, formou e massificou sua mão de obra; induziu e disseminou uma estratégica cadeia de fornecedores; criou e motivou a implantação de centros de pesquisa de ponta na área. Enfim, fez tudo o que foi suprimido ou interditado no interior do Estado brasileiro nos anos 90, e que um deslocado FHC reivindicou como 'trunfo' desperdiçado por Lula. O resultado desse 'trunfo' é a brutal dificuldade enfrentada agora para destravar investimentos imprescindíveis em infraestrutura, mesmo quando não existe restrição orçamentária. Os ditos 'mercados' não dão conta do recado; o Estado foi programado para não fazer.
Se quiser de fato ir além de soluços de consumo nos próximos anos, o Brasil talvez tenha que perder o medo de discutir um tema interditado pela ideologia do “Estado mínimo“ nos anos 90: a criação de novas empresas públicas, estatais que possam nuclear setores estratégicos e fazer o mesmo que os bancos públicos e a Petrobrás fazem hoje em suas áreas de referência -- colocar o mercado para trabalhar pelo país.
A título de ilustração, vale a pena ler reportagem recente do jornal “Valor”. Ela mostra como até os batalhões de engenharia do Exército, livres do desmonte do ciclo tucano, e à margem das licitações feitas para não funcionar, conseguem entregar obras antes do prazo [e devolvendo dinheiro], em situações em que a livre iniciativa fracassa ou se torna onerosa.
O governo Lula optou por atacar com maior contundência dois flancos desse modelo de inserção internacional dependente, construído pelo PSDB: o mercado de massa asfixiado pela fome de emprego, de comida, crédito e salário mínimo e o torniquete financeiro externo, feito de dívida alta e reservas baixas. Poderia ter ido além, afrontando o lobby rentista associado ao câmbio destrutivo? Tecnicamente, deveria. A resposta técnica descuida 'apenas' de um dado: a relação de forças permitiria atacar todas as frentes ao mesmo tempo?
Mal ou bem, as escolhas históricas de Lula deram ao seu segundo governo, e ao primeiro de Dilma, base de apoio social ampliada que hoje possibilita aprofundar o descolamento em relação à "agenda neoliberal", evocada na nostálgica entrevista de FHC.
Nesse espaço dilatado pela política, há uma discussão à espera de seus personagens; ela é sobremaneira urgente.
Até que ponto é possível blindar o país do vagalhão em curso apenas com doses de soro creditício e recuos graduais da SELIC, como tem sido feito? Ou ainda: se o investimento privado não comparece para dar impulso sustentável a essa engrenagem, qual deve ser o espaço do Estado na resistência contracíclica à recessão?
Não se trata de menosprezar a importância dos mercados, sobretudo do mercado de capitais, mas as insuficiências da lógica privada ficaram evidentes na recente queda de braços entre o governo e a banca em torno dos “spreads”. A pendência só se inclinou a favor da redução do custo do dinheiro quando o governo decidiu politizar o tema e acionou poderosa alavanca indutora: os bancos estatais, que normatizaram o significado do interesse nacional nesse momemto. O mesmo ocorreu em 2008. Antes da crise, os bancos públicos eram responsáveis por 30% do crédito oferecido; hoje, por 40%. O crédito dos bancos públicos cresceu do equivalente a 15,5% do PIB para 22,5%. Sem eles, o lubrificante básico da atividade econômica, o crédito, minguaria, como acontece na Europa agora.
Lição correlata vem da área do petróleo. O mundo estrebucha, mas a Petrobrás reafirmou investimentos de US$ 236,5 bilhões até 2015 -- US$ 142 bilhões em exploração e produção, o que significa fabulosa injeção de demanda por máquinas, serviços e equipamentos. Por que a Petrobrás é capaz de fazer, enquanto outras instâncias do governo patinam? Levantamentos do IPEA mostram que, dos R$ 13,661 bilhões destinados este ano à construção de rodovias, por exemplo, apenas R$ 2,543 bilhões (18,6%) foram gastos até maio.
Uma das respostas é que a existência da Petrobrás preservou a capacidade de planejamento do país no setor petrolífero; preservou e ampliou seus quadros de alto nível, expandiu o torque de sua engenharia, formou e massificou sua mão de obra; induziu e disseminou uma estratégica cadeia de fornecedores; criou e motivou a implantação de centros de pesquisa de ponta na área. Enfim, fez tudo o que foi suprimido ou interditado no interior do Estado brasileiro nos anos 90, e que um deslocado FHC reivindicou como 'trunfo' desperdiçado por Lula. O resultado desse 'trunfo' é a brutal dificuldade enfrentada agora para destravar investimentos imprescindíveis em infraestrutura, mesmo quando não existe restrição orçamentária. Os ditos 'mercados' não dão conta do recado; o Estado foi programado para não fazer.
Se quiser de fato ir além de soluços de consumo nos próximos anos, o Brasil talvez tenha que perder o medo de discutir um tema interditado pela ideologia do “Estado mínimo“ nos anos 90: a criação de novas empresas públicas, estatais que possam nuclear setores estratégicos e fazer o mesmo que os bancos públicos e a Petrobrás fazem hoje em suas áreas de referência -- colocar o mercado para trabalhar pelo país.
A título de ilustração, vale a pena ler reportagem recente do jornal “Valor”. Ela mostra como até os batalhões de engenharia do Exército, livres do desmonte do ciclo tucano, e à margem das licitações feitas para não funcionar, conseguem entregar obras antes do prazo [e devolvendo dinheiro], em situações em que a livre iniciativa fracassa ou se torna onerosa.
Roosevelt, na Depressão dos anos 30,
nos EUA, fez coisas que deixaram os capitalistas e a mídia de cabelos em pé.
Foi acusado de comunista e odiado pelos endinheirados. Mas tinha o apoio dos
sindicatos e o voto das ruas; salvou a economia do país. A lição daqueles dias
vale para o governo Dilma, mas também convida os sindicatos e a CUT a irem além
das reivindicações salariais. A ver.”
FONTE: escrito por Saul Leblon no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1031). [Título, imagens do google e trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política']
FONTE: escrito por Saul Leblon no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1031). [Título, imagens do google e trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política']
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