Bashar
al-Assad fala para o jornal argentino Clarin
Por Pepe Escobar, no “Asia Times Online
– The Roving Eye”, sob o título
“Assad talks, Russia walks”. Traduzido pelo “pessoal da
Vila Vudu” e postado no blog
“Redecastorphoto”
Pepe
Escobar
“Bashar al-Assad falou com exclusividade ao jornal argentino
‘El Clarin’ (a diáspora síria é imensa na
Argentina, como também no Brasil).
Avançando contra o
nevoeiro gerado pela histeria ocidental, Bashar destacou alguns pontos
importantes. Há provas, sim, de que o governo sírio declarou várias vezes que
concordava com conversar com a oposição; mas os muitos grupos “rebeldes”, que
sequer falam uns com os outros, que não têm liderança unificada, sempre
recusaram qualquer conversa. Assim sendo, não há como implementar algum
cessar-fogo que, eventualmente, venha a ser “acordado” na próxima Conferência de Genebra, entre EUA e Rússia. Assad
faz sentido, quando diz que “Não podemos
discutir cronogramas, sem sabermos com quem discutimos”.
Sim, mas... qualquer
pessoa que acompanhe o desenrolar da tragédia síria sabe quem são, todos eles,
ou quase. Sabe-se que os ‘Nada-Livres
Canibais Sírios’, digo, o “Exército
Sírio Livre” [ing. Free Syrian Army, FSA)] é um bando
esfarrapado de senhores-da-guerra, gângsteres e oportunistas de várias marcas
& griffes, em intersecção-somatório com jihadistas
linha-duríssima da espécie Jabhat al-Nusra (mas também de outros grupos e subgrupos ligados à, ou inspirados pela,
al-Qaeda).
A Agência Reuters demorou
meses, mas, afinal, teve de admitir que os jihadis comandam o show em campo. Um comandante “rebelde” até reclamou
à Reuters:
“Nusra agora é duas: uma
segue a agenda da al-Qaeda, que luta por uma maior nação islamista. A outra é
síria, com agenda nacional, para ajudar a derrubar Assad”.
O que não disse é que a “Nusra”
que realmente faz diferença é a ligada à al-Qaeda.
A
Síria está convertida em Inferno das Milícias; em tudo semelhante ao Iraque de
meados dos anos 2000, parecidíssima com a Líbia-estado-fracassado “libertado”
imposto ali pelo Ocidente. Essa afeganistização/ somalização da Síria é
consequência direta da ação do eixo de intervenção CCGOTAN-I (Conselho de Cooperação do Golfo-Organização
do Tratado do Atlântico Norte & Israel). Portanto, Assad acerta, quando
diz que o ocidente está jogando gasolina ao fogo, e só se interessa por “mudar
o regime” custe o que custar.
O QUE ASSAD NÃO DISSE
Assad não é político
brilhante – e desperdiçou uma oportunidade de ouro para explicar à opinião
pública ocidental, ainda que resumidamente, por que Arábia Saudita e Qatar,
petromonarquias do ‘Conselho de Cooperação do Golfo’, mais a Turquia, estão
doidas para pôr fogo, de vez, à Síria.
Poderia ter falado do
desejo do Qatar, de entregar a Síria à ‘Fraternidade Muçulmana’; e de a Arábia
Saudita acalentar o sonho de fazer ali um cripto-emirado-colônia. Poderia ter
falado do pânico que acomete Arábia Saudita e Qatar, que veem os xiitas do
Golfo Pérsico abraçarem legítimos ideais do ‘Despertar Árabe’.
Poderia
ter apontado as ruínas nas quais jaz hoje a política turca de “zero problema com os vizinhos”: um dia,
Ancara-Damasco-Bagdá colaboram, unidas; dia seguinte, Ancara quer “mudança de
regime” em Damasco; e todos os dias antagoniza Bagdá. Acima de tudo, a Turquia
atrapalha-se cada dia mais com os curdos que se vão fortalecendo, do norte do
Iraque ao norte da Síria.
Poderia ter detalhado o
modo como Grã-Bretanha e França, dentro da OTAN, para nem falar dos EUA e de suas petromonarquias-fantoches, estão usando a
desintegração da Síria, para atingir o Irã – e como todos esses atores que
fornecem armas e muito dinheiro dão importância-zero ao sofrimento do “povo
sírio”. Só os alvos estratégicos interessam.
Enquanto Bashar al-Assad
falava, a Rússia agia. O presidente Vladimir Putin – bem ciente de que as
conversações de Genebra já estão sendo desencaminhadas por vários agentes e
atores, bem antes, até, de começarem – deslocou navios de guerra russos para o leste
do Mediterrâneo; e ofereceu à Síria um carregamento de ultramodernos
mísseis terra-mar Yakhont, mais vários mísseis S-300 antiaéreos – o modelo russo equivalente ao
míssil Patriot dos EUA. E nem é preciso lembrar que a Síria já tem
mísseis antiaéreos russos, os SA-17.
Agora,
elementos da gangue CCGOTAN, tentem aí, tentem, qualquer um, “contornar” a ONU,
e aparecer com alguma operação “Mini
Choque e Pavor”, contra Damasco. Ou metam-se a implantar alguma zona aérea
de exclusão. Em termos militares, o Qatar e a Casa de Saud são piada.
Britânicos e franceses sentem-se seriamente tentados, mas não têm os meios – ou
estômago. Washington tem os meios – mas não o estômago. Putin sabe, com
absoluta certeza, que o Pentágono já entendeu seu recado.
E
NÃO ESQUEÇAMOS O OLEOGASODUTOSTÃO
Assad também poderia ter
falado – e do que poderia ser? – do Oleogasodutostão. Bastar-lhe-iam dois
minutos para explicar o significado do acordo para o gasoduto Irã-Iraque-Síria,
de US$10 bilhões, assinado em julho de 2012. Esse entroncamento crucial do
Oleogasodutosão exportará gás extraído do campo Pars Sul, no Irã (o maior do mundo, partilhado com o Qatar),
cruzando o Iraque, para a Síria – com uma possível extensão para o Líbano, com
clientes já assegurados na Europa Ocidental. É situação que os chineses
descrevem como “ganha-ganha”.
Mas
nada de gás para – adivinhem! – nem Qatar, nem Turquia. O Qatar sonha com um
gasoduto rival, de seu campo Norte (contíguo ao campo Pars Sul, do Irã), que
atravesse a Arábia Saudita, Jordânia, Síria e finalmente Turquia (que espera faturar sobre a licença de
passagem da energia, entre Oriente e Ocidente). Destino final: mais uma
vez, a Europa Ocidental.
Como
em tudo que tenha a ver com o Oleogasodutostão, o xis da questão é “contornar”
o Irã e a Rússia. É o que faz o oleogasoduto qatari – freneticamente apoiado pelos EUA. Mas, instalado o gasoduto
Irã-Iraque-Síria, a rota de exportação só poderá começar em Tartus, porto sírio
no Mediterrâneo leste, que dá hospedagem à Marinha russa. Claro que a gigante
russa Gazprom entrará nesse quadro – do
investimento à distribuição.
Que
ninguém se engane: o Oleogasodutostão,
mais uma vez obrigado a “contornar” Rússia e Irã – explica muita coisa sobre
por que a Síria está sendo destruída.
O
ESQUEMA PETRÓLEO-PARA-A-AL-QAEDA, DA UNIÃO EUROPEIA
Enquanto isso, o exército
sírio real – com o apoio do Hezbollah
– está metodicamente reconquistando Al-Qusayr, retomando dos “rebeldes” o
controle desse ponto estratégico. O passo seguinte será olhar na direção leste
– onde a frente Jabhat al-Nusra alegremente enriquece, lucrando com mais
uma trapalhada típica da União Europeia: a decisão de levantar as sanções que impedem que a Síria compre petróleo.
Mercenários
da Frente Jabhat al-Nusra, associados à al-Qaeda
Joshua
Landis, blogueiro de “Syria
Comment”, já extraiu as conclusões óbvias:
“Quem puser a mãos no
petróleo, na água e na agricultura, prenderá pela garganta os sunitas sírios.
No momento, quem faz isso é a Frente al-Nusra. A abertura do mercado de
petróleo para a Europa força a barra nessa mesma direção. Portanto, a conclusão
lógica dessa loucura só pode ser uma: a Europa logo estará financiando a
al-Qaeda.”
Pode-se chamar de “o
esquema Petróleo-para-a-Al-Qaeda, da União Europeia”.
O Sudoeste da Ásia – que o ocidente chama de “Oriente Médio”
– deve permanecer como espaço privilegiado da irracionalidade em ação. No pé em
que andam as coisas na Síria, mesmo sem zona aérea de exclusão, o que se verá
partindo dali, para sempre, voo rápido, é a paz – com todos e mais alguns,
todos, todos, envolvidos: EUA, Rússia, União Europeia, mas também o Hezbollah,
Israel e, claro, o Irã – como o ministro russo de Relações Exteriores Sergei Lavrov já deixou bem claro.
Sergey Lavrov, Ministro de
Relações Exteriores da Russia
Muito
distante do que exige a obsessão ocidental por “mudança de regime”, a já
difícil próxima Conferência de Genebra poderá obter, no máximo, um acordo que
considere os termos da Constituição Síria – a
qual, por falar dela, é absolutamente legítima, adotada em 2012, aprovada por
maioria de votos do verdadeiro, real, sofredor “povo sírio”. Pode acontecer
até que Assad não concorra à presidência, em eleições previstas para 2014.
Mudança de regime, sim. Mas por meios pacíficos.
E o eixo de intervenção
CCGOTAN-I (Conselho de Cooperação do
Golfo-Organização do Tratado do Atlântico Norte & Israel) permitirá que
alguma paz aconteça ali? Não.”
FONTE: escrito por Pepe Escobar, no
“Asia Times Online – The Roving Eye”, sob o título “Assad talks, Russia walks”. Traduzido pelo “pessoal da
Vila Vudu” e postado no blog
“Redecastorphoto” (http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/05/pepe-escobar-assad-fala-russia-age.html).
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