Por Fernando Brito
“O papa Urbano IV, no século 13,
percebeu a necessidade de incorporar o sentido milagroso nos objetos reais e,
por isso, criou o dia de Corpus Christi, para que o pão e o vinho usados na
Eucaristia fossem reconhecidos como o corpo e o sangue de Jesus.
Numa metáfora profana, bem que se
podia dizer que a decisão – decisão ou
concessão? – do Banco Central, na noite de quarta-feira, de elevar os
juros, foi uma espécie de corpus christi
da nossa política econômica.
Uma reafirmação de nossa crença de
que “o mercado financeiro reina sobre
todas as coisas” na economia e em seu nome é necessário sacrificar o povo
brasileiro e as aspirações do país a se desenvolver.
Porque só como simbolismo sectário
se pode receber o que, além de contrariar o bom-senso, vai de encontro até mesmo
das regras mais ortodoxas de política econômica.
Não há, em nenhum dos manuais
ortodoxos de política econômica, qualquer caso em que se responda a uma baixo
crescimento, a um quadro recessivo e a uma queda no consumo com elevação de
juros.
Poder-se-ia argumentar que há um
quadro de alta da inflação. Mas como, se a taxa acumulada em setembro de 2011,
quando o BC contrariou o mercado e iniciou a baixa dos juros públicos era de
7,2% em 12 meses, então a maior dos últimos seis anos.
Agora, é de 6,4%, dentro e não
acima, como então, da meta traçada pela própria instituição.
O resultado modestíssimo da expansão
do PIB – com destaque para a redução
brutal do crescimento do consumo das famílias – indicaria, no mínimo, a
persistência de uma taxa que, pelos padrões mundiais, ainda é altíssima. Idem a
baixa perspectiva da economia mundial. Até o Federal Reserve, um templo da ortodoxia, é cauteloso e não se mexeu
mesmo ante sinais positivos na economia dos EUA, a única, entre os países
desenvolvidos, além da Alemanha, que dá mostras de recuperação.
E mais: a China, principal parceiro
comercial do Brasil, hoje, apresenta uma consistente redução no ritmo de
crescimento de sua atividade econômica, embora este continue seguindo em
números elevados.
O que o Banco Central fezquarta-feira,
ao elevar a taxa de juros, foi, portanto, antes de tudo, um ato de fé e
submissão ao mercado financeiro.
Consagrou os juros como objeto
sagrado, que deve ser adorado e o único capaz de salvar nossa economia.
Mas os juros não são pão e vinho.
Não salvam, matam o crescimento econômico, este sim, capaz de mudar
permanentemente a realidade brasileira.
Não podia ser mais bem definido que
o foi pelo economista Paulo Nogueira Batista Jr, uma das poucas cabeças que
sobrevivem lúcidas em meio ao credo neoliberal:
“Políticas sociais, de cunho
distributivo, são indispensáveis. Muito pode ser alcançado em desenvolvimento
social com políticas desse cunho, como mostra a experiência brasileira nos
últimos dez anos. Mas não se pode ter ilusões: no longo prazo, o que realmente
faz diferença é o crescimento. E crescimento de longo prazo implica aumento do
investimento e da produtividade.
Com crescimento medíocre tudo fica
mais complicado. Sofre a geração de empregos e renda. O ajustamento das contas
públicas se torna mais difícil. Os conflitos se intensificam. O horizonte se
estreita.
O crescimento não é solução para
tudo, mas sem crescimento não há solução para nada.”
FONTE: escrito por Fernando Brito em seu
blog “Tijolaço” (http://www.tijolaco.com.br/index.php/o-corpus-christi-do-banco-central/).
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