sexta-feira, 31 de maio de 2013

O “CORPUS CHRISTI” DO BANCO CENTRAL

Por Fernando Brito

“O papa Urbano IV, no século 13, percebeu a necessidade de incorporar o sentido milagroso nos objetos reais e, por isso, criou o dia de Corpus Christi, para que o pão e o vinho usados na Eucaristia fossem reconhecidos como o corpo e o sangue de Jesus.

Numa metáfora profana, bem que se podia dizer que a decisão – decisão ou concessão? – do Banco Central, na noite de quarta-feira, de elevar os juros, foi uma espécie de corpus christi da nossa política econômica.

Uma reafirmação de nossa crença de que “o mercado financeiro reina sobre todas as coisas” na economia e em seu nome é necessário sacrificar o povo brasileiro e as aspirações do país a se desenvolver.

Porque só como simbolismo sectário se pode receber o que, além de contrariar o bom-senso, vai de encontro até mesmo das regras mais ortodoxas de política econômica.

Não há, em nenhum dos manuais ortodoxos de política econômica, qualquer caso em que se responda a uma baixo crescimento, a um quadro recessivo e a uma queda no consumo com elevação de juros.

Poder-se-ia argumentar que há um quadro de alta da inflação. Mas como, se a taxa acumulada em setembro de 2011, quando o BC contrariou o mercado e iniciou a baixa dos juros públicos era de 7,2% em 12 meses, então a maior dos últimos seis anos.

Agora, é de 6,4%, dentro e não acima, como então, da meta traçada pela própria instituição.

O resultado modestíssimo da expansão do PIB – com destaque para a redução brutal do crescimento do consumo das famílias – indicaria, no mínimo, a persistência de uma taxa que, pelos padrões mundiais, ainda é altíssima. Idem a baixa perspectiva da economia mundial. Até o Federal Reserve, um templo da ortodoxia, é cauteloso e não se mexeu mesmo ante sinais positivos na economia dos EUA, a única, entre os países desenvolvidos, além da Alemanha, que dá mostras de recuperação.

E mais: a China, principal parceiro comercial do Brasil, hoje, apresenta uma consistente redução no ritmo de crescimento de sua atividade econômica, embora este continue seguindo em números elevados.

O que o Banco Central fezquarta-feira, ao elevar a taxa de juros, foi, portanto, antes de tudo, um ato de fé e submissão ao mercado financeiro.

Consagrou os juros como objeto sagrado, que deve ser adorado e o único capaz de salvar nossa economia.

Mas os juros não são pão e vinho. Não salvam, matam o crescimento econômico, este sim, capaz de mudar permanentemente a realidade brasileira.

Não podia ser mais bem definido que o foi pelo economista Paulo Nogueira Batista Jr, uma das poucas cabeças que sobrevivem lúcidas em meio ao credo neoliberal:

“Políticas sociais, de cunho distributivo, são indispensáveis. Muito pode ser alcançado em desenvolvimento social com políticas desse cunho, como mostra a experiência brasileira nos últimos dez anos. Mas não se pode ter ilusões: no longo prazo, o que realmente faz diferença é o crescimento. E crescimento de longo prazo implica aumento do investimento e da produtividade.

Com crescimento medíocre tudo fica mais complicado. Sofre a geração de empregos e renda. O ajustamento das contas públicas se torna mais difícil. Os conflitos se intensificam. O horizonte se estreita.

O crescimento não é solução para tudo, mas sem crescimento não há solução para nada.”


FONTE: escrito por Fernando Brito em seu blog “Tijolaço”  (http://www.tijolaco.com.br/index.php/o-corpus-christi-do-banco-central/).

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