Por Mário Augusto Jakobskind
“Causou estranheza o
fato de a Comissão Nacional da Verdade,
ao apresentar um balanço sobre um ano de atividades, dedicasse pouca informação
relacionada com a participação do setor empresarial na ditadura. Para se passar
o país a limpo, será necessário ir fundo nessa questão, porque muitos
apoiadores do regime de força hoje se apresentam como “democratas desde
criancinha”, na prática enganando a opinião pública.
A área de mídia também
merece investigação profunda, porque muitos veículos, além de silenciarem na
época, deram apoio ostensivo ao regime ditatorial. O “Globo” é um exemplo,
embora alguns digam que o patrono da empresa, Roberto Marinho, tenha livrado a
cara de jornalistas que não eram bem vistos pelo regime. Mas os mais críticos,
em função da subserviência aos generais de plantão, não absolvem as “Organizações
Globo”, mesmo se eventualmente o seu patrono tenha livrado a cara de um ou
outro jornalista do seu quadro das garras da repressão.
Não há notícias de que
as “Organizações Globo” chegassem a ceder veículos para o aparelho repressivo,
como fez o grupo “Folha”, de Octávio Frias, em São Paulo. Os veículos de
comunicação dos Marinhos se limitaram a abrir seus espaços de forma áulica aos
generais de plantão e seus seguidores.
É preciso que os
brasileiros, sobretudo os das novas gerações, sejam informados sobre o que se
passou nos anos de chumbo e como se comportaram alguns setores que hoje se
dizem defensores da democracia.
No relatório apresentado
pela Comissão da Verdade, alguns
fatos tornados públicos não chegam a ser novidade, como, por exemplo, que os
que pegaram o poder à força torturavam opositores logo depois da derrubada do
presidente constitucional João Goulart.
A tortura, portanto, não
foi instituída a partir de 1968 com a promulgação do AI-5, como alguns ainda
hoje apoiadores do regime justificam. Essa gente, que navega nas ondas do Clube
Militar, ao deturpar a história diz que o regime ficou mais duro para enfrentar
a guerrilha. Omitem o que acontecia antes de 13 de dezembro de 1968. E que a
ação do próprio regime fez com que alguns setores da oposição, de forma
precária, partissem para a luta armada por entenderem que seria o único caminho
para acabar com o estado repressivo.
EXEMPLO ARGENTINO
A Argentina tem dado
exemplo de como ir fundo nas questões da repressão. Além de julgar agentes do
Estado que fizeram barbaridades em matéria de violações dos direitos humanos,
agora mesmo a Justiça processou três ex-diretores da filial da Ford no contexto
de uma causa que investiga o sequestro de trabalhadores em uma filial da
empresa norte-americana.
Por ordem da juíza
federal Alicia Vence, os acusados Pedro Muller, do setor de manufaturas,
Guillermo Galarraga, da área de relações trabalhistas e Héctor Francisco Jesús
Sibilla, ex-chefe de segurança da empresa, estão respondendo na Justiça pelo
sequestro de 24 trabalhadores da Ford, na localidade de Pacheco, próximo a
Buenos Aires, ocorrida entre 24 de março e 20 de agosto de 1976.
Os três, segundo a
juíza, facilitaram informações sobre os trabalhadores à repressão. Ou seja,
eram dedos-duros, fornecendo até fotografias e os endereços particulares para
que as autoridades os prendessem.
Embora os acusados
tenham sido considerados “participantes primários dos crimes de privação
ilegal da liberdade dos trabalhadores, duplamente agravada por ter sido
cometida por abuso funcional, com violência e ameaças”, mesmo assim a juíza
ordenou o embargo dos bens dos processados, até alcançar a soma de 750 mil
pesos, correspondente a cerca de 143 mil dólares.
É bem possível que a Comissão da Verdade destas bandas,
esmiuçando arquivos e toda a papelada da repressão, possa chegar aos
dedos-duros que infelicitaram a vida de muitos brasileiros, ajudando, inclusive,
o trabalho da repressão, e seguem por aí como se não tivessem nenhuma
responsabilidade sobre os acontecimentos.
Em suma, não basta
conhecer os 1.500 agentes do estado ditatorial brasileiro, sejam militares ou
civis, que cometeram atrocidades, inclusive estupros de opositoras, como
informa a Comissão Nacional da Verdade.
Para virar a página definitivamente, é preciso fazer o mesmo que está sendo
feito na Argentina.
Por lá, em um primeiro
momento, duas leis, Ponto Final e Obediência Devida, livravam a cara dos
que cometeram violações dos direitos humanos. Bastou aparecer um Presidente com
vontade política, como Nestor Kirchner, para que a lei de anistia fosse
revogada em 2003. A Corte Surpema, em 2005, confirmou a constitucionalidade da
decisão e começaram os julgamentos.
Por aqui, a instância
máxima da Justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF), em um
julgamento lamentável, confirmou a Lei da Anistia que deixa impune agentes do
Estado que cometeram crimes de lesa humanidade. E ainda não apareceu um
Presidente que tivesse vontade política para levar adiante para o Congresso o
mesmo que aconteceu na Argentina.”
FONTE: escrito por Mário Augusto Jakobskind, correspondente
no Brasil do semanário uruguaio “Brecha”. Foi colaborador do “Pasquim”,
repórter da “Folha de São Paulo” e editor internacional da “Tribuna da Imprensa”.
Integra o Conselho Editorial do seminário “Brasil de Fato”. É autor, entre
outros livros, de “América que não está na mídia”, “Dossiê Tim Lopes -
Fantástico/IBOPE”. Artigo publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/esqueceram-dos-empresarios).
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