Do jornal “Brasil 247”
“Para Paulo
Moreira Leite, quando a condenação dos réus petistas atendia a interesses
políticos da oposição, não se falou em abuso, em politização da Justiça ou
coisa parecida. Segundo ele, investigações sobre o propinoduto podem colocar os
tucanos na difícil posição de esperar para si um benefício que negaram para os
adversários.
A teoria de “domínio
do fato”, cobrada pela oposição no julgamento da Ação Penal 470, agora pesa
sobre tucanos nas investigações do propinoduto. Segundo Paulo Moreira Leite,
eles agora dificilmente deixarão de pagar o preço pelo silêncio na hora em que
seu gesto teria a nobreza de quem defende bons princípios mesmo quando eles
contrariam seus interesses. Leia:
Quando a
condenação dos réus petistas atendia a interesses da oposição, não se ouviu uma
única voz discordante
Os festejos
promovidos pela oposição em função do emprego da teoria do “domínio do fato”
para condenar os réus do mensalão ameaçam voltar-se contra os tucanos
denunciados no propinoduto tucano.
Advogado do
professor Luizinho na ação penal 470, secretário do Ministério da Justiça no
período de Marcio Thomaz Bastos, Pierpaolo Bottini registrou em artigo no site “Consultor
Jurídico” que há uma notável semelhança entre o tratamento dispensado aos réus
condenados pelo mensalão e os primeiros suspeitos de receber propinas no
escândalo da Siemens – o emprego da
teoria do “domínio do fato”.
Referindo-se
ao indiciamento do ex-secretário de Energia Andrea Matarazzo pela Polícia
Federal, Bottini, que reconhece méritos nessa jurisprudência desenvolvida pela
Justiça alemã, mas lembra que ela possui determinados requisitos para que possa
ser emprega em nome do bom Direito, fala que ela está sendo empregada de forma
“extensiva demais.”
É uma
avaliação que reproduz críticas feitas durante a ação penal 470.
Para o
advogado, Matarazzo foi indiciado “com
base expressa na teoria citada, pelo fato de ocupar o cargo e pertencer ao
partido político governista (revelando a sapiência da velha máxima de que
“pau que bate em Chico bate em Francisco”).
Avaliando o
que se passou na ação penal 470, Bottini registra: “Fica a impressão de que, em alguma medida, se utilizou da teoria como
elemento de imputação de responsabilidade e não para distinguir entre autores e
partícipes.”
Muitos
estudiosos desconfiam da teoria do “domínio do fato” exatamente porque ela
serve para punições arbitrárias desde que não seja empregada com a cautela
devida, ajudando a encobrir lacunas e fragilidades de uma denúncia. Resumindo a
questão de forma simplificada, a crítica seria a seguinte: se nós sabemos que a
corrupção não deixa recibo, a falta de recibo também não pode servir de
argumento para uma condenação, certo?
Certíssimo.
Quando a
condenação dos réus petistas atendia a interesses políticos da oposição, que pretendia
tirar o máximo proveito do massacre de líderes do governo no julgamento da ação
penal 470, não se ouviu uma única voz discordante.
Não se falou
em abuso, em politização da Justiça ou coisa parecida.
As
condenações foram aplaudidas em tom cívico e qualquer tentativa de contestação
era rebatida como simples manobra diversionista, destinada a manter a
impunidade de réus acusados “no maior
escândalo da história.”
As
investigações sobre o propinoduto podem mostrar que “domínio do fato” em
julgamento dos outros não arde, colocando os tucanos na difícil posição de
esperar para si um benefício que negaram para os adversários.
Dificilmente
deixarão de pagar o preço pelo silêncio na hora em que seu gesto teria a
nobreza de quem defende bons princípios mesmo quando eles contrariam seus
interesses, recomendação oportuna do filósofo político Isaiah Berlin para
políticos de todas as famílias.
O artigo de
Bottini mostra que, com o aval do STF, a moda pegou – e esse tipo de condenação pode tornar-se um padrão a ser seguido em
casos semelhantes.
O tratamento
diferenciado que se deu ao “mensalão mineiro” [eufemismo para mensalão tucano],
que garantiu aos réus o direito de serem julgados em tribunais comuns, ajudou a
criar uma primeira controvérsia na ação penal 470.
Uma mudança
no julgamento da ação penal 470 poderia tornar mais aceitável a exibição de uma
postura mais rigorosa na avaliação das provas contra os acusados do
propinoduto, se e quando chegar a hora.
As semelhanças
devem parar por aqui, porém.
Pelo menos
em sua fase inicial, a denúncia contra o PSDB está mais clara do que o mensalão
do PT.
O esquema
financeiro do PT foi denunciado por Roberto Jefferson, parlamentar que jamais
apresentou provas muito robustas para sustentar o que dizia. Em depoimentos
posteriores à Justiça, ele chegou a se desmentir e definiu o mensalão como “
criação mental.”
Você pode
até acreditar que o governo Lula queria “comprar votos” no Congresso e que
desviou R$ 73 milhões do Banco do Brasil. Mas o fato é que não há provas de uma
coisa nem de outra. Principal testemunha de acusação, Jefferson nunca esteve no
coração do esquema, que conhecia pela participação numa de suas franjas, como
partido aliado.
Os
documentos do caso, inclusive auditorias oficiais, contrariam várias
condenações, o que tem levado juristas importantes a questionar o julgamento em
seu conjunto.
Ninguém sabe
quais serão os desdobramentos do caso Siemens. É preciso ouvir o conjunto das
testemunhas, buscar coerência entre as provas e, com certeza, dar a todo
acusado o direito de demonstrar sua inocência.
Mas há uma
diferença essencial na acusação, porém. Foi a empresa que está na origem do
esquema de corrupção que resolveu confessar o que fez, por que fez, para que.
Disse para quem pagou, para onde mandou o dinheiro, para quem e quando.
Apresenta documentos, orientou as buscas em empresas que eram parceiras. A
Siemens se autoincrimina – posição que dá
inteira credibilidade a sua denúncia. Pelas leis brasileiras, com esse
acordo de leniência ela se livra da acusação de cartel e seus executivos se
livram da acusação de corrupção. A denúncia sobra para os outros.
Numa
analogia, é como se Marcos Valério tivesse feito um acordo de delação premiada
logo no início da investigação do mensalão – e pudesse reunir o mesmo conjunto de provas robustas -- recibos,
documentos e emails -- que a Siemens
exibiu.
Essa é a
questão.”
FONTE: do jornal online “Brasil 247” (http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/111941/'Dom%C3%ADnio-de-fato-cobrado-na-AP-470-agora-amea%C3%A7a-tucanos'.htm).
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