[Obs deste blog: A grande mídia, a oposição e a pseudoelite, direitistas, julgaram, eufóricas que, com o incentivo às manifestações das ruas em junho, gerariam a derrota do governo PT e a volta da direita (PSDB/DEM/PPS) ao poder. Não esperavam que iriam parir a guerrilha urbana anticapitalista e que dela seriam alvos]
COMO O ‘BLACK BLOC’ PODE IMPACTAR O PAÍS
Da revista “Carta Capital”
COMO O ‘BLACK BLOC’ PODE IMPACTAR O PAÍS
Da revista “Carta Capital”
“Nem grupo nem movimento, essa tática de guerrilha urbana
anticapitalista pegou carona nos protestos atuais. Como esse fenômeno pode
impactar o Brasil
Por Piero Locatelli e Willian Vieira
Com um martelo em punho, uma jovem
de rosto coberto vestida de preto tenta destruir um Chevrolet Camaro (de 200
mil reais) em uma concessionária na Avenida Rebouças, São Paulo. Outros
trajados da mesma forma, paus e pedras nas mãos, estilhaçam a parede de vidro
de uma agência bancária. Uma faixa pede a saída do governador Geraldo Alckmin –
o A do nome traz o símbolo de anarquia.
Até chegarem as bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo da tropa de choque da
PM. Sem movimento social ou partido à frente, o protesto reuniu cerca de 200
jovens, deixou lojas pichadas e 20 detidos na terça 30 de julho. Mas as cenas
parecem repetidas, a ecoar os eventos que há meses têm chacoalhado o
País.
Desde o princípio das manifestações
de rua no dia 6 de junho de 2013 em São Paulo contra o aumento nas passagens de
ônibus, muito ficou por ser entendido. Seria a carestia a motivação dos
protestos que cruzaram a barreira de 1 milhão de pessoas em todo o Brasil ou o
esgotamento do sistema político? E os manifestantes, eram jovens anarquistas
sem partido ou seriam necessários novos conceitos para dar conta de tantas
vozes? De todas as perguntas, a que mais intrigou o País segue sem resposta
clara: em meio ao mar de cabeças e punhos em riste, quem eram e o que queriam
aqueles jovens de preto dispostos a destruir bancos e lojas e enfrentar a
polícia com as próprias mãos?
“Black Bloc” foi o termo surgido de
forma confusa na imprensa nacional. Seriam jovens anarquistas anticapitalistas
e antiglobalização, cujo lema passa por destruir a propriedade de grandes
corporações e enfrentar a polícia. Nas capas de jornais e na boca dos âncoras
televisivos, eram “a minoria baderneira”
em meio a “protestos que começaram
pacíficos e ordeiros”. Uma abordagem simplista diante de um fenômeno
complexo. Além da ameaça à propriedade e às regras do cotidiano (como atrapalhar o trânsito e a visita
oficial do papa), as atuações explicitaram a emergência de uma faceta dos
movimentos sociais, de cunho anarquista e autonomista, que vão do “Movimento
Passe Livre” (MPL) e outros coletivos até a face extrema dos encapuzados.
Corretos ou não, a tática “Black Bloc” forçou a discussão sobre o uso da
desobediência civil e da ação direta, do questionamento da mobilização pelo
próprio sistema representativo. Ignorá-los não resolve a questão: o
que faz um jovem se juntar a desconhecidos para atacar o patrimônio de empresas
privadas sob risco de apanhar da polícia?
“O
que nos motiva é a insatisfação com o sistema político e econômico”, diz
Roberto (nome fictício), 26 anos e três “Black Blocs” na bagagem. Ele não se
identifica por razões óbvias: o que faz é ilegal. Roberto já havia ido
às ruas contra a alta da tarifa, sem depredar nada. Conheceu a tática e decidiu
pelas vias de fato. “Nossa sociedade vive
permeada por símbolos. Participar de um ‘Black Bloc’ é fazer uso deles para
quebrar preconceitos, não só do alvo atacado, mas da ideia de vandalismo”,
diz. As ações de depredação não seriam violentas por não serem contra pessoas.
“Não há violência. Há performance.”
Roberto confia em coletivos como o MPL e a Marcha das Vadias. Mas não em partidos
políticos. “Não me sinto representado por
partidos. Não sou a favor de democracia representativa e, sim, de uma
democracia direta.”
Estudar política e quebrar bancos
caminham juntos. “Não se trata de
depredar pelo simples prazer de quebrar ou pichar coisas, mas de atacar o
símbolo representado ali. Quando atacamos uma agência bancária, não somos
ingênuos de acreditar que estamos ajudando a falir um banco, mas tornando
evidente a insanidade do capitalismo. Política também se faz com as próprias
mãos.” Como Roberto, milhares de jovens simpatizam com a causa e o modo de
defendê-la. Juntas, as páginas do “Black Bloc” no “Facebook” receberam 30 mil
“likes”. Novas surgem a cada dia. Páginas fechadas têm centenas de membros. E
eles já se encontram fora da internet. Após o protesto em São Paulo no dia 11,
participantes fizeram uma reunião espontânea e sem líderes.
“O
Black Bloc no Brasil veio para ficar”, afirma Pablo Ortellado, professor da
USP. O pesquisador participou de protestos antiglobalização no começo dos anos
2000, quando o termo apareceu pela primeira vez no País. Hoje, estuda a
emergência de tais grupos. Para entendê-los, diz, é preciso voltar no tempo. A
denominação surgiu na Alemanha nos anos 80, com uma pauta (ecologia radical) e uma função específica: isolar manifestantes e polícia, evitando cassetetes e agitadores
infiltrados. Em 1999, manifestaram-se com violência em Seattle (EUA),
quando a “Organização Mundial do Comércio” ali se reuniu. Protestos terminaram
com pichações e depredação de empresas como “Starbucks”. “É quando o anarquismo dominou e o Black Bloc ficou associado ao uso da
violência como ação direta, passando a ter caráter mais estético, espetacular,
de intervenção urbana.” Por aqui, ambos os momentos ocorreram. “No Brasil, eles cumpriram as duas tarefas”,
diz Ortellado. Num primeiro ato, protegeram os manifestantes da repressão
policial, tradição alemã. Depois, sobrou o modelo americano, de ataque
simbólico a grandes corporações, de espetáculo midiático.
No fim de junho, o País viu o MPL
conseguir, na base dos protestos nas ruas, baixar a tarifa de ônibus Brasil
afora. Sem sua organização, os protestos continuaram com bandeiras confusas e
reivindicações mais amplas – exatamente a
conjuntura na qual os “Black Blocs” florescem. Se no começo eles tomavam
carona em protestos organizados por entidades com pautas claras, pouco a pouco
passaram a agir sozinhos. O protesto de terça 30, por exemplo, teve convocação
apócrifa. Tais manifestações tendem a ocorrer cada vez mais desse jeito: instantâneas,
acéfalas, impossíveis de controlar. Como não são uma organização, mas uma
tática condicionada a contextos políticos, os “Black Blocs” devem surgir com
mais frequência. A Copa do Mundo e as Olimpíadas, com seus espaços delimitados,
gastos controversos e simbologias fartas, são alvos esperados.
O arcabouço teórico e prático paira
na rede. Uma espécie de biblioteca virtual, com links para o “cânone” do “Black
Bloc”, é replicada nas páginas dos seguidores da tática. Há o “Manifesto Black Bloc”, com máximas de
caráter político, e o “Manual de Ação
Direta”, espécie de treinamento à distância para a ação direita, com as
seções: desobediência civil (e temas como “usando escudos”, “apanhando da
polícia” e “lidando com animais”); primeiros
socorros (além dos itens “gás lacrimogêneo” e “spray de pimenta”, há dicas
de como lidar com queimaduras e traumatismos cranianos); e “leis, direitos e segurança” (“sendo
preso”, “na delegacia” e “como deve ser a sua mochila” são os tópicos). Uma
frase do manual dá o tom: “Lembre que o
que eles fazem conosco todos os dias é uma violência, a desobediência violenta
é uma reação a isso e, portanto, não é gratuita, como eles tentam fazer parecer”.
O surgimento de um bloco não é
centralizado nem permanente. É o encontro de indivíduos com propósitos
similares, mas nunca coibidos pela coletividade. “Uma formação temporária, sem identidade, na qual os indivíduos podem
nem saber quem é a pessoa ao lado. Por isso, é difícil controlá-los”, diz
Saul Newman, professor de teoria política da “Goldsmiths University”, de
Londres. Newman cunhou o termo pós-anarquismo para abarcar formas de resposta
direta às vezes radicais, a um Estado que interfere cada vez mais na vida de
seus cidadãos. A sociedade estaria subestimando esse potencial político. “Ainda que os ‘Black Blocs’ representem uma
minoria no movimento anarquista, são um importante símbolo da emergência de
novas formas de políticas antiautoritárias. Seus rostos cobertos se tornaram a
imagem do ativismo radical contemporâneo.”
Entre os manifestantes não ligados
ao “Black Bloc”, duas posturas ganham espaço. Por um lado, certo romantismo
idealista alimentado pelas redes sociais. Pois eles agiriam como “linha de frente no enfrentamento com a
polícia”, diz um blog anarquista. De outro, há uma ojeriza irredutível. Em
uma democracia jovem, desacostumada com manifestações difusas, qualquer
protesto fora do script é temido. Durante os atos de junho, não faltaram
críticas: eles só seriam válidos se pacíficos, por meio da palavra. “Mas como protestar pela palavra se é ela o
suporte por meio do qual o Estado de Direito exerce violência?”, indaga o
professor de teoria política Nildo Avelino, do “Grupo de Estudos e Pesquisas Anarquistas” da UFPB. “É preciso criar novas formas de comunicar: o
‘Black Bloc’ pode ser uma delas.”
Para Avelino, o “Black Bloc” pode
ser visto como a retomada de um tipo de ação praticada pelos anarquistas no
século XIX; a propaganda pelo fato, ali para suprir a insuficiência da
propaganda oral e escrita quando a prática eleitoral ganhava influência. A
razão desse retorno à ação direta adviria da paulatina perda da dignidade
imposta pelo capitalismo. O que explica a aceitação dos “Black Blocs” entre
jovens na rede: o fenômeno daria voz a
anseios difusos de quebrar a ordem, longe das vias institucionais. Mesma
opinião tem o ativista americano John Zerzan, um dos primeiros a defender a
tática nos EUA. Em 1999, a mídia associou os protestos de Seattle à sua
influência. À época, o centro financeiro da cidade foi destruído. “Não será surpresa ver novas e maiores
manifestações do Black Bloc no futuro”, afirma. “Demonstrações pacíficas não alcançam nada. Os protestos de 2003 contra
a Guerra do Iraque foram os maiores da história e não conseguiram nada.”
Um veredicto temerário, não só por
instaurar o embate físico em detrimento do debate político como regra, mas por
alimentar, justamente, a opressão combatida. Não sendo possível separar
ativistas encapuzados de policiais infiltrados e com a expansão da tática,
seria possível realizar no futuro ações diretas de massa não violentas, sem
embates violentos televisionados e criticados por setores amplos da sociedade?
“A proeminência das táticas dos Black
Blocs em insurreições recentes ao redor do mundo, inclusive no Brasil, tem
alimentado o estereótipo dos anarquistas como destrutivos”, alerta Newman.
“A mídia e as elites os demonizam e usam
seus confrontos espetaculares para deslegitimar protestos mais amplos.” Um
problema mais sério que as depredações.
A discussão não passou ao largo de
quem foi às ruas em junho no Brasil, quando bases policiais e bancos foram
destruídos em protestos organizados pelo MPL. O coletivo prestou ajuda jurídica
a todos os presos nos protestos, independentemente do crime a eles imputado.
Todas as prisões eram “políticas e arbitrárias”, diziam. “A gente tentava evitar que houvesse treta entre os manifestantes. Tão
ruim quanto o que aconteceu na Paulista, quando os militantes de partidos foram
atacados, era quando havia desentendimentos entre manifestantes que optam por
uma tática ou outra, entre os chamados de pacíficos e os chamados de
baderneiros”, diz Caio Martins, do MPL. Movimentos sociais e partidos (do
PSTU à CUT), tradicionais portos para insatisfações juvenis nas ruas,
mostraram-se contrários à depredação e à tática em geral. Mas, confusa diante
dos novos atos, a “esquerda tradicional” evita falar do assunto. Ninguém os
defende, com receio de perder apoio de setores mais conservadores, e poucos os
criticam, temendo prejudicar a união da chamada voz das ruas.
Fora do País, o mesmo ocorre. Mal os “Black Blocs” apareceram nos protestos no Cairo, manifestantes passaram a ser presos aleatoriamente sob a acusação de “terrorismo”. O mesmo oportunismo aconteceu com o “Occupy Wall Street”. Em 2012, o ativista Chris Hedges os descreveu como o câncer que debelou o movimento, até então bem-sucedido em debater a tirania do capitalismo financeiro. O artigo virou um manifesto anti-Black Block. Derrick Jensen, a voz mais crítica contra a tática, concorda. “Sua antipatia contra qualquer forma de organização que iniba sua liberdade de ação faz com que eles tentem destruir até organizações lutando pela revolução social”, diz. Jensen é taxativo: para quem busca alcançar conquistas sociais concretas, a tática é um desserviço. “Atos gratuitos de destruição com espírito de carnaval não vão arranhar o capitalismo”, defende. “É preciso estratégia, objetivos. E certa ética.”
Fora do País, o mesmo ocorre. Mal os “Black Blocs” apareceram nos protestos no Cairo, manifestantes passaram a ser presos aleatoriamente sob a acusação de “terrorismo”. O mesmo oportunismo aconteceu com o “Occupy Wall Street”. Em 2012, o ativista Chris Hedges os descreveu como o câncer que debelou o movimento, até então bem-sucedido em debater a tirania do capitalismo financeiro. O artigo virou um manifesto anti-Black Block. Derrick Jensen, a voz mais crítica contra a tática, concorda. “Sua antipatia contra qualquer forma de organização que iniba sua liberdade de ação faz com que eles tentem destruir até organizações lutando pela revolução social”, diz. Jensen é taxativo: para quem busca alcançar conquistas sociais concretas, a tática é um desserviço. “Atos gratuitos de destruição com espírito de carnaval não vão arranhar o capitalismo”, defende. “É preciso estratégia, objetivos. E certa ética.”
FONTE: escrito por Piero Locatelli e
Willian Vieira, da revista “Carta Capital”.
Transcrito no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/como-o-black-bloc-pode-impactar-o-pais) [Título, imagem do Google e trecho inicial entre colchetes acrescentados
por este blog ‘democracia&política’].
Nenhum comentário:
Postar um comentário