terça-feira, 27 de março de 2012

ATENÇÃO QUEM ASSISTE TV GLOBO: “A CULPA NÃO É DO SUS”!


Por Mário Augusto Jakobskind

“A reportagem veiculada pelo programa ‘Fantástico’, da Rede Globo, no domingo, dia 18 de março corrente, indubitavelmente choca pela contundência ao exibir imagens explícitas de corrupção ativa e passiva. A prática da corrupção [há décadas] permeia a vida pública e privada brasileira, em todos os seus escalões e níveis, sendo até agora infensa a qualquer tipo de abordagem saneadora, constituindo verdadeira praga. É impossível outra atitude que não a de repúdio ao que foi mostrado.

Apesar de deixar claro o repúdio mais absoluto a essa excrescência, a corrupção, que assola a vida nacional, a reportagem veiculada pelo ‘Fantástico’ e longamente repercutida dia a dia pela ‘Rede Globo’, suscita algumas considerações que, embora se refiram a aspectos muito sutis – que se não forem devidamente considerados redundariam em provocações gratuitas –, não podem passar despercebidas.

O primeiro aspecto é quanto à ética e à legalidade de uma reportagem concretizada em tais condições.

No entanto, não se pode esquecer que liberdade de imprensa implica compromisso com a legalidade, com a ética, e pede, em contrapartida, responsabilidade. É defensável que um repórter, com o suporte de uma empresa de comunicação de indiscutível competência e ampla penetração na vida brasileira, assuma uma personalidade falsa para obter informações, ainda que seja sobre tema de alta relevância para o aprimoramento da vida nacional? Os fins perseguidos justificam a utilização desses meios? É correto recorrer à falsidade ideológica para tal objetivo? Esse tipo de imprensa deve ser incentivado, suportado e defendido como efetivo exercício de liberdade profissional?

Outra consideração que não pode deixar de ser evidenciada tem a ver com o gestor do hospital público, cenário dos lamentáveis flagrantes registrados pelas câmaras da televisão. O que teria levado o médico Edimilson Migowski a permitir que a operação tivesse lugar na instituição sob o seu comando, o “Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira” (IPPMG), da “Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro” (UFRJ)? O que levaria esse gestor a dar a sua cara a tapa, expondo, na tela da televisão, a sua incompetência para enfrentar a corrupção em curso entre os seus subordinados? Será, de fato, incompetência ou inapetência para enfrentar o desafio? [Ou outras hipóteses? (ver observação ao final)]. Que subordinados são esses, e que poder maior que o do diretor os sustenta, para consumar os seus atos de corrupção: respaldo político ou qualquer outra forma espúria de poder que o diretor não pudesse encarar pelos meios oficiais?

Será que esse gestor é tão ingênuo que não considerou um dado irretorquível: o de que ele é conivente com os fatos ocorridos nos porões da sua instituição e que vai responder por eles, na sua qualidade de funcionário público e de cidadão brasileiro? O fato de haver apoiado a estratégia da reportagem configura dois crimes: incentivo ao exercício da falsidade ideológica e conivência com os atos que, certamente, vinham ocorrendo, desde antes da reportagem, sem que fosse capaz de denunciá-los. De pronto, ele agrediu o “Estatuto do Funcionário Público”, que não permite a qualquer gestor investir na qualidade de servidor alguém que de fato não o é, permitindo que pratique, em nome da instituição, atos que seriam exclusivos de alguém que fosse concursado ou, no mínimo contratado para o posto pelo regime das leis trabalhistas. O suposto responsável pelas compras era um estranho ao meio funcional. Seria o mesmo que ele permitisse que um falso médico praticasse cirurgias, pondo em risco a vida de outrem, para averiguar irregularidades nas práticas atinentes a um centro cirúrgico.

Também produz estranheza que o segmento escolhido para exemplificar a corrupção tenha sido a saúde pública. Por que motivo isso teria ocorrido, quando há muitos outros com potencial financeiro infinitamente maior, por movimentarem recursos astronômicos e que são recorrentes na própria mídia, como indiscutivelmente dados à prática da distribuição de largas propinas, que têm produzido não poucos casos de enriquecimento ilícito fantásticos? O alvo secundário terá sido agredir as políticas públicas de saúde, desvalorizando-as mais do que já estão junto à opinião pública, como forma de favorecer a medicina privada, que cresce a olhos vistos no país, a custa dos preços absurdos dos planos médicos e dos repasses de recursos públicos?

Diante da péssima distribuição de riquezas aqui registrada e da consequente penúria de grande parcela da população nacional, promover políticas públicas de saúde ainda constitui providência de primeira necessidade. É uma compensação para os menos favorecidos. E o Brasil consagrou esse princípio, com base na sua lei maior, a Constituição Federal e em outros dispositivos voltados para assegurar um mínimo de dignidade humana no acesso à saúde dos brasileiros mais carentes.

A maneira pela qual se configurou esse atendimento se traduziu no “Sistema Único de Saúde” (SUS), que vem sendo bombardeado por todos os lados por seus inimigos. Então, por que exterminá-lo? É uma dívida social e há que ser paga. Portanto, atacar o SUS, tentar bombardear a sua estrutura é um desserviço e a sua concretização fará o país mergulhar em problemas ainda maiores do que os hoje enfrentados.

O SUS hoje é integrado, em todo o país, por 6.500 hospitais. Desses, 48% pertencem à iniciativa privada, que recebem perto da metade dos repasses federais para estados e municípios. Atualmente, segundo o próprio “O Globo”, em editorial no dia 21 de março último, da ordem de R$ 175 bilhões, oriundos dos impostos pagos pelos cidadãos. Não será ele também indício de uma corrupção mais aguda e mais profunda do que aquele mostrado na reportagem encenada no IPPMG? Parece que voltamos ao ponto de partida: a corrupção não pode ser analisada no varejo. É coisa do atacado.”

[OBS deste blog ‘democracia&política’: a Polícia Federal, certamente, incluirá em sua investigação mais duas hipóteses: uma delas é a de o diretor do “Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira” (IPPMG), da “Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro” (UFRJ), ter recebido compensadora propina da “Rede Globo” para colaborar com a farsa encenada por interesses privados (TV Globo) em seu hospital, mesmo com os óbvios danos para a sua carreira decorrentes da ilegalidade administrativa que incorreu. O rastreamento de pagamentos ao diretor poderá afastar ou não essa conjectura. Outra situação, que complementa a primeira hipótese, é de a “Rede Globo” ter sido contratada por grande empresa de medicina privada para produzir a reportagem maquiavelicamente. Ela se somaria às ações já em curso há décadas no Brasil e em muitos países, de continuamente contribuir para o esvaziamento da rede pública gratuita de saúde e, em consequência, para o crescimento do negócio privado de planos de saúde pagos].

FONTE: escrito por Mário Augusto Jakobskind, correspondente no Brasil do semanário uruguaio “Brecha”. Foi colaborador do “Pasquim”, repórter da “Folha de São Paulo” e editor internacional da “Tribuna da Imprensa”. Integra o Conselho Editorial do seminário “Brasil de Fato”. É autor, entre outros livros, de “América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE”. Artigo publicado no site “Direto da Redação”  (http://www.diretodaredacao.com/noticia/a-culpa-nao-e-do-sus). [Título, trechos e observação final entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

2 comentários:

Vanderlei Framil disse...

Concordo plenamente com você. A culpa não é do SUS. E sim da incapacidade do atual gestor.

Unknown disse...

Vanderlei Framil,
Concordo totalmente com você que ainda há muitas capacidades a superar atualmente, apesar da grande melhoria e ampliação do atendimento ocorrida nos últimos anos.
Os governos devem continuar na luta e não ceder aos que batalham (com apoio da grande mídia) pela extinção do sistema público gratuito em prol das gananciosas empresas privadas de planos de saúde.
Maria Tereza