Lula: "A mídia lambia as botas da ditadura, deu apoio
a FHC e foi contra o meu governo e o de Dilma"
LULA EM CAMPANHA
Entrevista de Lula a Luiz Gonzaga Belluzzo e Mino Carta,
em "CartaCapital" (via e-mail de Julio Cesar Macedo Amorim).
"Antes de mais nada, impressiona a paixão. Aos 68 anos,
Luiz Inácio Lula da Silva não perdeu o vigor com que arengava
à multidão reunida no gramado da Vila Euclides no fim
dos anos 70. E nos momentos em que sustenta algo capaz de
empolgá-lo, ocorrência frequente, aperta com força metalúrgica
o pulso do entrevistador mais próximo, como se pretendesse
transmitir-lhe fisicamente sua emoção. Assim se deu nesta
longa entrevista que o ex-presidente Lula deu à revista
"CartaCapital". No caso de Mino, esta foi mais uma das
inúmeras, a começar pela primeira, em janeiro de 1978.
CC: O senhor enxerga alguma relação entra a Copa do Mundo
e a eleição? Se enxerga, por que e de que maneira?
Lula: Eu acho difícil imaginar que a Copa do Mundo possa
ter qualquer efeito sobre a preferência por este ou aquele
candidato.
Por outro lado, se o Brasil perder, acho que teremos um
desastre similar àquele de 1950. Temo uma frustração
tremenda, e a gente não sabe com que resultado psicológico
para o povo. Em 50, jogaram o fracasso nas costas do
goleiro Barbosa.
CC: Em primeiro lugar o Barbosa.
Lula: O Barbosa carregou por 50 anos a responsabilidade, e
morreu muito pobre, com a fama de ter sido quem derrotou
o Brasil.
É uma vergonha jogar a culpa num jogador. Se o Brasil ganha,
a campanha passa a debater o futuro do País e o futebol vai
icar para especialistas como eu.
CC: E as chamadas manifestações?
Lula: Ainda há pouco tempo, a gente não esperava que
pudessem acontecer manifestações. E elas aconteceram
sem qualquer radicalização inicial, porque as pessoas
reivindicavam "saúde padrão Fifa", "educação padrão Fifa";
poderiam ter reivindicado "saúde padrão Interlagos", quando
há corrida, ou "padrão de tênis Wimbledon", na hora do tênis.
Eu acho que isso é até saudável, o povo elevou seu padrão
reivindicatório. E é plenamente aceitável dentro do
processo de consolidação democrático que vive o Brasil.
Luiz Inácio Lula da Silva não perdeu o vigor com que arengava
à multidão reunida no gramado da Vila Euclides no fim
dos anos 70. E nos momentos em que sustenta algo capaz de
empolgá-lo, ocorrência frequente, aperta com força metalúrgica
o pulso do entrevistador mais próximo, como se pretendesse
transmitir-lhe fisicamente sua emoção. Assim se deu nesta
longa entrevista que o ex-presidente Lula deu à revista
"CartaCapital". No caso de Mino, esta foi mais uma das
inúmeras, a começar pela primeira, em janeiro de 1978.
CC: O senhor enxerga alguma relação entra a Copa do Mundo
e a eleição? Se enxerga, por que e de que maneira?
Lula: Eu acho difícil imaginar que a Copa do Mundo possa
ter qualquer efeito sobre a preferência por este ou aquele
candidato.
Por outro lado, se o Brasil perder, acho que teremos um
desastre similar àquele de 1950. Temo uma frustração
tremenda, e a gente não sabe com que resultado psicológico
para o povo. Em 50, jogaram o fracasso nas costas do
goleiro Barbosa.
CC: Em primeiro lugar o Barbosa.
Lula: O Barbosa carregou por 50 anos a responsabilidade, e
morreu muito pobre, com a fama de ter sido quem derrotou
o Brasil.
É uma vergonha jogar a culpa num jogador. Se o Brasil ganha,
a campanha passa a debater o futuro do País e o futebol vai
icar para especialistas como eu.
CC: E as chamadas manifestações?
Lula: Ainda há pouco tempo, a gente não esperava que
pudessem acontecer manifestações. E elas aconteceram
sem qualquer radicalização inicial, porque as pessoas
reivindicavam "saúde padrão Fifa", "educação padrão Fifa";
poderiam ter reivindicado "saúde padrão Interlagos", quando
há corrida, ou "padrão de tênis Wimbledon", na hora do tênis.
Eu acho que isso é até saudável, o povo elevou seu padrão
reivindicatório. E é plenamente aceitável dentro do
processo de consolidação democrático que vive o Brasil.
Eu acho que, ao realizar a Copa, o governo assumiu o
compromisso de garantir o bem-estar e a segurança dos
brasileiros e dos torcedores estrangeiros. Quem quiser
fazer passeata que faça, quem quiser levantar faixa, que
levante, mas é importante saber que, assim como alguém
tem o direito de protestar, o cidadão que comprou o
ingresso e quer ir ver a Copa tenha a garantia de assistir
aos jogos em perfeita paz.
CC: O povo brasileiro amadureceu e nós entendemos que o
resultado da Copa será bem menos importante do que foi em
1950. Mesmo que a seleção perca, não haverá tragédia.
Desse ponto de vista, efeitos sobre as eleições podem ocorrer
em função das chamadas manifestações.
Lula: Eu tenho certeza de que a presidenta Dilma e os governos
estaduais estão tomando toda a responsabilidade para garantir a
ordem. Com isso, podemos ficar tranquilos, é questão de honra
para o governo brasileiro. O que está em jogo é também a imagem
do Brasil no exterior. De qualquer maneira, acho que não vai ter
violência, e, se houver será tão marginal a ponto de ser punida pela
própria sociedade. Agora, se um sindicato quer fazer uma faixa
“abaixo não sei o quê, 10% de aumento”, é seu direito.
Eu me lembro que disse ao ministro José Eduardo Cardozo,
quando começou a se aventar a possibilidade de uma lei contra
os mascarados: “Olha, gente, nem brincar com lei contra mascarados
porque a primeira coisa que iremos prejudicar vai ser o Carnaval,
não os mascarados”.
A Constituição e o Código Penal definem claramente o que é
ordem e o que é desordem e, portanto, o governo tem mecanismos
para evitar qualquer abuso. Recomenda-se senso comum. Nesses
dias, tentaram até confundir uma frase minha sobre uma linha
de metrô até os estádios. Em 1950, no Maracanã cabiam 200 mil
pessoas, mais de duas vezes as assistências atuais. É verdade,
havia menos carros nas ruas, infinitamente menos carros, mas
também não havia metrô.
CC: De todo modo, vale a pena realizar uma Copa?
Lula: Discordo daqueles que defendem a Copa no Brasil dizendo
que vão entrar 30 bilhões, ou que geraremos novos empregos.
O problema não é econômico. A Copa do Mundo vai nos permitir,
no maior evento de futebol do mundo, mostrar a cara do Brasil
do jeito que ele é. O encontro de civilizações, o resultado
dessa miscigenação extraordinária entre europeus, negros
e índios que criou o povo brasileiro. Qual é o maior patrimônio
que temos para mostrar? A nossa gente.
CC: Em que medida essas manifestações nascem do fato de que
houve uma ascensão econômica? Aqueles que melhoraram de
vida reivindicam mais saúde, mais educação.
Lula: Eu acho que não há apenas uma explicação para o que
está acontecendo. Precisamos aprender a falar com o povo,
para que entenda o momento histórico.
O jovem hoje com 18 anos tinha 6 anos quando ganhei a
primeira eleição, 14 anos quando deixei de ser presidente da
República. Se ele tentar se informar pela televisão, ele é
analfabeto político. Se tentar se informar pela imprensa escrita,
com raríssimas exceções, ele também será um analfabeto
político. A tentativa midiática é mostrar tudo pelo negativo.
Agora, se nós tivermos a capacidade de dizer que certamente
o pai dele viveu num mundo pior do que o dele, e se
começarmos a mostrar como a mudança se deu, tenho certeza
de que ele vai compreender que ainda falta muito, mas que
em 12 anos, passos adiante foram dados.
CC: O governo não soube se comunicar?
Lula: Eu acho. Eu, de vez em quando, gosto de falar de
problema histórico, para a gente entender o que de fato
aconteceu neste país. Já disse e repito: Cristóvão Colombo
chegou em Santo Domingo, em 1492, e em 1507 ali surgia
a primeira faculdade. No Peru, em 1550, na Bolívia, em 1624.
O Brasil ganhou a primeira faculdade com dom João VI, mas
a primeira universidade somente em 1930. Então, você
compreende o nosso atraso.
Qual é o nosso orgulho? Primeiro, em 100 anos, o Brasil
conseguiu chegar a 3 milhões de estudantes em universidades.
Nós, em 12 anos, vamos chegar a 7,5 milhões de estudantes,
ou seja, em 12 anos, nós colocamos mais jovens na universidade
do que foi conseguido em um século. Escolas técnicas. De 1909
até 2002, foram inauguradas 140. Em 12 anos, nós inauguramos
365. Ou seja, duas vezes e meia o número alcançado em
um século.
E daí você consegue imaginar o que significa o REUNI ao elevar
o número de alunos por sala de aula, de 12 para 18. Ou o que
significa o "Ciências Sem fronteiras", o FIES: 18 universidades
federais novas. Pergunta o que o Fernando Henrique Cardoso/PSDB
fez? Se você pensar em 146 campi novos, chegará à conclusão
de que foi preciso um sem diploma na Presidência da República
para colocar a educação como prioridade neste País.
Nós triplicamos o Orçamento da União para a educação.
É pouco? É tão pouco que a presidenta Dilma já aprovou a
lei permitindo 75% dos royalties para a educação. É tão pouco
que a Dilma criou o "Ciência Sem Fronteiras" para levar
65 mil jovens a estudar no exterior. É tão pouco que ela
riou o PRONATEC, que já tem 6 milhões de jovens se
preparando para exercer uma profissão. Isso tudo estimula
essa juventude a querer mais.
Tem de querer mais. Quanto mais ela reivindicar, mais a gente
se sente na obrigação de fazer. Quem comia acém, passou
a comer contrafilé e agora quer filé. E é bom que seja assim,
é bom que as pessoas não se nivelem por baixo. Eu sempre fui
contra a teoria de que é melhor pingar do que secar. Quanto
mais o povo for exigente e reivindicar, forçará o governo
a fazer mais. O que é ruim? A hipocrisia.
Nós temos um setor médio da sociedade que ficou esmagado
entre as conquistas sociais da parte mais pobre da população
e os ricos, que ganharam dinheiro também. A classe média,
em vários setores, proporcionalmente, ganhou menos. Toda
vez que um pobre ascende um degrau, quem está dez degraus
acima acha que perdeu algumas coisas. A Marilena Chauí tem
uma tese que eu acho correta: um setor da classe média brasileira
que às vezes também é progressista, do ponto de vista social,
mas não aprendeu a socializar os espaços públicos e então
fica incomodado.
CC: Nós entendemos que o problema é representado pela
elite brasileira. Quem se empenha contra a igualdade?
Lula: Eu sou o mais crítico do comportamento da elite brasileira
ao longo da história. Este país foi o último a acabar com a
escravidão, foi o último a ser independente. Só foi ter voto da
mulher na Constituição de 34. Tudo por aqui resulta de um
acordo, inclusive um acordo contra a ascensão social. Na
Guerra dos Guararapes, quando pretos e índios quiseram
participar, a elite disse “não, não vai entrar, porque depois
que terminar essa guerra vão querer se voltar contra nós”.
Essa é a história política do Brasil. Ocorre, porém, que a
ascensão dos pobres levou empresas brasileiras a ganhar
como nunca. Não sou eu quem lembra – em 1912,
Ford dizia: “Quero pagar um bom salário para meus
trabalhadores para que eles possam consumir”. Por exemplo,
pobre em shopping dá lucro. Muitas vezes os donos não
aceitam num primeiro momento, mas depois percebem
que é bom. Tínhamos 36 milhões de brasileiros viajando
de avião, agora temos 112 milhões.
CC: Notáveis avanços são inegáveis. Mas como vai ser daqui
para a frente?
Lula: Eu fazia debates mundo afora, com o Mantega,
o Meirelles, às vezes a Dilma. E eu dizia: esses ministros
meus, eles falam de macroeconomia, mas o que eles
não dizem é que essa macroeconomia só deu certo por
causa da minha microeconomia. O que foi a microeconomia?
Foi o aumento de salário, foi a compra de alimentos,
a agricultura familiar, foi o financiamento, foi o crédito
consignado, foi o "Bolsa Família". Foi essa microeconomia
que deu sustentabilidade à macroeconomia.
Na Constituição de 46, quando o trabalho era o assunto,
concluía-se: “Não pode dar 30 dias de férias para o
trabalhador, porque o ócio o prejudica”. Chamavam férias
de "ócio". Agora, as pessoas dizem que o "Bolsa Família"
cria um exército de vagabundos. E o futuro? Numa escada
de dez degraus, os pobres só subiram dois, um e meio,
ainda falta muito para subir. Por isso, eu tenho orgulho
da presidenta Dilma, ela sabe que muita gente vai se
bater contra ela a sustentar que, "para controlar a
inflação e fazer o País crescer, é preciso ter um pouco
de desemprego, arrocho no salário mínimo", ou seja, que
é preciso fazer o que sempre foi feito neste País e que
não deu certo.
Então, o que o governo tem de garantir é o aumento da
poupança interna, mais investimento do Estado, mais junção
entre empresa privada e pública, mais capital externo para
investir no setor produtivo. Para tanto, é indispensável dar
continuidade à ascensão dos mais pobres. Porque é isso que
também vai garantir a ascensão do Brasil no mundo
desenvolvido, com alto padrão de qualidade de vida, renda
per capita de 20 mil, 30 mil dólares, e até mais. O Brasil
não pode parar agora. Está tudo mais difícil, mas temos
agora o que a gente não tinha há cinco anos, vamos contar
com o pré-sal daqui a pouco.
CC: Temos um agronegócio muito exuberante, muito
produtivo e competitivo: é possível mobilizar essa capacidade
para estimular a indústria de equipamentos agrícolas?
Lula: Nós já temos uma indústria de equipamentos agrícolas
muito boa. Quando na Presidência, cansei de discutir com
empresários que feiras de agronegócio nós precisamos é
fazer na Argentina, no México, Nigéria, Angola, Índia.
Temos de mostrar nossa capacidade nos outros mercados.
Essa é uma área na qual o Brasil está pronto, não só
porque tem conhecimento tecnológico, mas também porque
tem capacidade de área agricultável, terra, sol e água.
Sem a vergonha de dizer que exportamos "commodities".
Hoje, a "commodity" em preço. O que nós precisamos é produzir
não só o alimento, mas a indústria de alimentos, não só a soja,
mas o óleo de soja.
CC: Permita-nos insistir: como vencer as resistências da elite,
atiçada pela mídia?
Lula: No movimento sindical, em 1969, comecei a negociar
com a FIESP, certamente a elite era muito mais retrógrada
do que hoje. Eu lembro quando nós constituímos a primeira
grande comissão de fábrica na Volkswagen nos anos 80, nós
fomos pedir a Antônio Ermírio de Moraes a criação de uma
comissão de fábricas na sua indústria química de São Miguel
Paulista, e significava trabalhador querendo mandar na
empresa dele.
Hoje, tem uma classe empresarial, mais jovem, que já
compreende a importância da negociação coletiva. Mesmo
assim, permanecem setores retrógrados. Ainda temos coronel
que mata gente por este Brasil afora por briga de terra.
Nesses dias, a "Nissan" americana não queria deixar
seu pessoal sindicalizar-se por lá mesmo e eu tive de
mandar uma carta para o presidente da empresa.
Mas voltemos à mídia.
CC: A mídia nutre essa elite.
Lula: Eu certamente não sou especialista nesta questão
da mídia e nunca tive muita simpatia dos seus donos.
Toda vez que tentei conversar com eles, cuidei de explicar
que, ao governo, não interessa uma mídia chapa-branca,
como foram no governo Fernando Henrique Cardoso/PSDB.
Eu não quero isso, não quero que tratem o PT como
trataram a turma do Collor nos dois primeiros anos do
seu mandato.
Agora, também é inaceitável a falta de respeito com Dilma.
Se querem falar mal, façam-no no editorial do jornal.
Na hora da cobertura do fato, publiquem o fato como ele é.
Nunca liguei para o dono de mídia pedindo para fazer
essa ou aquela matéria, mas o respeito há de ter, tanto mais
por parte da comunicação, que é concessão do Estado.
Respeito à instituição, e acho que eles saíram de um momento
em que lambiam as botas da ditadura e evoluíram para o
pensamento único a favor de FHC/PSDB, e contra o meu
governo e contra o da Dilma, e contra a presidenta com
agressividade ainda maior.
CC: E em termos de informação?
Lula: Quando eu cito os números da educação, por exemplo,
é porque nunca foram divulgados por essa mídia. É como se
houvesse a obrigação de omitir, sem perceber que, com isso,
se desrespeita o próprio público, que lê, ouve ou assiste.
Nem o recente IBOPE eles divulgaram. Nem comentaram a
inauguração da Rodovia Norte-Sul, que passaram três anos
criticando. Há uma predisposição ao negativismo, e isso
contribui para uma desinformação da sociedade brasileira.
É uma questão ideológica; se fosse econômica, eles deveriam
ir todo dia à igreja acender uma vela para mim, porque muitos
estão quebrados e se salvaram no meu governo. Eu estou
com a alma tão leve, eu até acho normal o que eles fazem.
Vem esse metalúrgico, que a gente supunha destinado a um
fracasso total, e é um sucesso. Vem essa mulher aí, que
a gente achava um poste, e ela não é um poste.
E essa mulher vai se eleger outra vez.
CC: Na verdade, o que está esmaecendo no Brasil e no mundo
é o espírito crítico.
Lula: Porque interessa a uma parte da elite brasileira a negação
da política. O que vem depois é sempre pior, quando você nega
a política. A ditadura brasileira foi a negação da política. O que
é muito grave, porque, se você atravessa um momento sem
nenhuma referência, sem ninguém em condições de controlar
a situação, o próprio Estado vai à deriva.
CC: Insistimos novamente: o governo não se comunica?
Lula: Vocês estão certos, não se comunica, eu tenho falado
para o Guido Mantega, para a Dilma: vendo como está o
mundo hoje, a cada dois meses o governo tem de fazer igual
uma empresa com seus acionistas, que têm fundos de pensão.
Ou seja, você tem de fazer viagens e convencer o fundo de
que a sua empresa é rentável e vale a pena investir. Então,
a cada dois meses o governo brasileiro tem de ir a Nova York,
não para falar com aposentados brasileiros, mas com
o investidor.
Já falei com o Itamaraty, com Bradesco, Santander, todos se
dispõem a articular os maiores debates brasileiros para
mostrar ao mundo realizações e potencialidades. A Petrobras
tem de viajar a cada 30 dias para onde tem investidor.
Não podemos ficar por conta de um jornalista inglês que copiou
matéria de um jornalista que vive no Rio de Janeiro e fica
procurando matéria em jornal para se inspirar.
O Brasil precisa reconhecer, enquanto vira a sétima economia
mundial com viés de ser a quinta, que lá fora já não se
fala bem da gente. José Luis Fiori escreveu um artigo comparando
Brasil e México para acabar com o complexo de vira-lata
de quem fala que o Brasil está pior que o México. O que o
México tem melhor que o Brasil? Eu quero que o México fique
cada dia mais rico, mas a comparação com o Brasil é inadequada,
porque o Brasil é maior que o México em tudo.
Dias atrás, estava aqui com meu amigo Gerdau e perguntei:
como está o setor siderúrgico? E ele: não está muito bem.
Perguntei: quanto é que você está ganhando no Brasil?
Somente aqui, respondeu. Perguntem para o Josué Gomes
da Silva, da Coteminas, onde ganha dinheiro? No Brasil.
O mercado interno brasileiro é uma bênção de Deus que
a elite não sabia existir, eles nunca imaginaram que
poderíamos ultrapassar os 35 milhões de consumidores.
CC: Que chances há de mudar essa falha do governo?
Lula: Não é fácil, eu sei o que foram meu primeiro e segundo
mandatos. Tenho dito com a Dilma que não tem de dar
ouvidos a quem fala que gastamos muito com publicidade.
Eu acho que, se foi anunciado um programa hoje, e no segundo
dia não houve repercussão, vai em rede nacional. O governo tem
de dizer o que a mídia não divulgou, porque se não disser,
o silêncio se fecha sobre o fato. Dois dias de tolerância, e
coloca um ministro em rede nacional, não precisa ir
a presidenta todo dia. Mas não fiquemos nisso.
O "Marco Regulatório" tem de ser compreendido. Não é censura,
queremos é fazer valer a Constituição de 88, tanto mais quando
entram em cena "Facebook" e companhia, eu nem sei o nome
de tudo. Existe "Marco Regulatório" de 1962. O Franklin Martins
foi feliz ao observar: “Em 62, a gente tinha mais televizinhos
do que televisores”.
Eu lembro que menino ia à casa do vizinho ver televisão, a gente
só podia sentar no chão, o sofá era do dono da casa e ele ainda
pisava no dedo da gente. Para assistir luta livre, tinha de gastar
dinheiro no bar, o dono cobrava. Hoje, acontece essa revolução
tecnológica e você não quer discutir sua regulamentação? Então,
o "Marco Regulatório" e a reforma política são dois temas de ponta
que o PT tem de assumir. Temos de convocar uma Constituinte
própria para fazer uma reforma política.
CC: O que seria esta Constituinte própria?
Lula: Não se destinaria a elaborar uma nova Constituição, e sim
discutir a reforma política, exclusivamente. O Congresso tem de
aprovar a ideia do plebiscito e, na convocação, você diz o que é.
E aí, não faltam recursos jurídicos para adotar a nomenclatura
adequada. É insuportável governar com o Congresso tomado
por tantos partidos. É preciso ter critério para organizar um
partido, tem de haver cláusula de barreira.
CC: Este problema não resulta do fato de que os partidos
brasileiros nunca foram o intermediário necessário entre a
nação e o governo?
Lula: o Brasil não tem tradição de partido nacional, a tradição
são tribos locais, com caciques regionais. Depois do PCB, o PT
tornou-se o único partido nacional cuja atuação partidária a
direção decidia. Mas o PT erra quando começa a entrar na
mesmice dos outros partidos. Erra quando usa a mesma prática
dos outros partidos. Eu não quero voltar às origens, briguei a
vida inteira para ser classe média e agora vou voltar a brigar.
O PT, tem que saber, criar esse partido não foi fácil. Lembro
de alguém que vendeu uma cabrita, que dava leite para
mamentar o filho, para legalizar o PT. E, até hoje, há gente
que anda três, quatro dias de canoa para participar de uma
convenção. A gente não pode permitir que meia dúzia de
pessoas deformem esse partido, ele é muito grande. É um
partido que o próprio povo dirige. Não é uma coisa simples,
nós temos de valorizar isso. Já disse na convenção do PT:
quero ajudar o PT a voltar ao seu leito natural. Se tem uma
coisa que o PT tem de se notabilizar é voltar à sua tradição
política. É isso que dá autoridade moral e força para a gente.
CC: Não é fácil manter a coerência na hora da coalizão…
Lula: Não é vergonha você repartir administração com outros
partidos, sempre que pastas sejam definidas na base da
afinidade. A reforma política é a briga que nós temos de ter hoje.
Não acho que tenha de ser da Dilma. Ela é candidata, acho que
a briga tem de ser de todo o partido. O Rui Falcão tem sido de
grande valia nessa luta. Agora, vou fazer campanha pelo Nordeste,
essa é a contribuição que me cabe no momento. E, se eu fosse
o governo, ficaria ouvindo todo programa de rádio, de televisão,
e o que não for verdade, pedir direito de resposta. Utilizar a
nternet e não ficar chorando “a Globo não me dá espaço”.
A gente tem outros instrumentos para dizer o que quer.
Estou muito disposto, física e psicologicamente, para rodar
o Brasil.
CC: A campanha, assumir os palanques…
Lula: Assumir os palanques. Estarei com Dilma onde ela achar
conveniente estar. Preciso tomar muito cuidado, porque haverá
na base aliada interesses de que eu não vá, porque a Dilma
não pode ir, ela é candidata e da base aliada, mas eu tenho
compromisso com o meu partido. Eu sei que isso vai ser um
problema, a gente vai ter de conversar e negociar muito.
Estou feliz, sabe por quê? Eu sempre achei que quem
deixa a presidência fica pensando: como eu estarei daqui a
algum tempo?
Porque as pessoas vão esquecendo, você vai perdendo
importância. Eu lembro que, em 2002, 2006, ninguém queria
o FHC no palanque. Nem Serra colocou. Em 2010, Serra me
apresentou como amigo dele e não colocou o FHC. Então,
eu me sinto feliz, eu estou bem, eu ainda tenho consciência
de que sou uma pessoa importante na política brasileira,
e como tal direi que Dilma é a pessoa mais talhada para cuidar
do Brasil.
CC: E essa história que a imprensa criou do “Volta Lula”?
Lula: O “Volta Lula” começou já na época que eu era presidente,
quando pediam o terceiro mandato. Eu, graças a Deus, aprendi
a ter responsabilidade muito cedo. E aprendi que, ao aceitar
o terceiro mandato, por me achar insubstituível, poderia permitir
que outros também achassem, com a possibilidade de alguém,
algum dia, tentar o quarto. Não é prudente brincar com a
democracia. Cumpri meus dois mandatos, saí cercado pelo carinho
do povo. Se, em algum momento, tiver de voltar, posso daqui
a 4 anos. Mas não é a minha prioridade. Estarei então com 72
e acho que tem de ser gente mais jovem, com mais vigor físico
e capacidade de administração. Mas em política a gente não pode
dizer que não, nem sim. Nunca me passou pela cabeça voltar.
Em todo caso, minha relação com a Dilma é muito forte, e de
muito respeito e admiração pelo caráter dela. Bem formada
ideologicamente e muito leal. Nunca iria disputar sua
candidatura. Não faltou quem quisesse minha volta, mas
quando o Rui Falcão botou em votação, deixei claro:
“Quero que saibam, sou candidato a cabo eleitoral da
companheira Dilma Rousseff para o segundo mandato
à Presidência da República”.
CC: E quanto aos adversários?
Lula: Conheço o Eduardo Campos, é meu amigo, gosto dele
profundamente. Conheço o Aécio, ele não tem a mesma
firmeza ideológica do Eduardo, tem outro compromisso,
é um representante mais afinado com a elite. Mas a Dilma
é a mais preparada. Fico triste que não conseguimos construir
algo capaz de manter o Eduardo Campos junto da gente.
Mas era o destino.
CC: E a Marina?
Lula: Eu gosto muito da Marina, como figura humana.
Foi minha companheira no PT por 30 anos, tenho por ela
um carinho muito grande, mas acho que, de vez em quando,
comete equívocos na análise política dela, meio messiânica.
Imaginei-a candidata e agora entra de vice. Nisso não
consigo entender a Marina. Mas não confundo relação
de amizade com a minha decisão política. Tenho amizade
com o Aécio mais formal do que com o Eduardo e sua família.
CC: Dilma ganha no primeiro turno?
Lula: A ganhar no primeiro turno por 51% a 49% prefiro
ganhar no segundo turno, com 65% a 35%. Reeleição é
sempre muito difícil, mas no segundo turno você pode
consolidar um processo de alianças com a coalizão e você
é eleito com mais desenvoltura, e também permite fazer
um debate mais profundo. No primeiro turno, todo mundo
fala a mesma coisa, promete tudo para o povo. Eu acho que
a Dilma está tranquila. Se em 2002 a esperança venceu
o medo, acho que agora a esperança e a certeza do que
pode ser feito pode vencer o ódio.
CC: A campanha será sangrenta?
Lula: Pelas características dos candidatos, acho que não.
De resto, o resultado de uma campanha não define apenas
vencedor e derrotados, é o grau de politização da sociedade,
é o gosto pela política, é perceber que durante a campanha
os candidatos aprenderam alguma coisa e deram um salto
de qualidade. Quando disputei com o Serra, nós tivemos
uma campanha mais civilizada do que com o Alckmin. Ele
se apresenta como cidadão refinado, mas foi de extrema
agressividade.
CC: Qual seria o adversário mais provável para o segundo
turno?
Lula: Eu acho que, em um segundo turno, será tucano. O PSDB
tem base partidária mais organizada, governam São Paulo,
Paraná, alguns estados importantes no Nordeste, e tem mais
tradição de palanque. Já o PSB tem pouco palanque estadual,
a campanha do Eduardo vai ser mais difícil do que em 1989.
CC: E o Padilha, candidato petista em São Paulo?
Lula: O Padilha é um daqueles fenômenos. Eu disse outro dia
em Sorocaba ao Padilha: “Depois de quem o precedeu,
Arruda Sampaio, Suplicy, Dirceu, Marta, Genoino, Mercadante,
você é o melhor candidato de todos nós, o mais alegre,
o mais simpático, sua capacidade de comunicação com o
povo é fantástica, unificou o partido”.
Mas é uma campanha difícil. Primeiro, porque os tucanos têm
uma base sólida em São Paulo, e há conservadorismo no
estado e isso dá quase uma garantia. Não sei se Paulo Skaff
vai ser candidato, há dois anos que faz campanha não como
candidato, mas como presidente da FIESP. Agora, o desafio
para o PT é ter os votos que o partido tem habitualmente
na cidade, todas as eleições.
CC: Fale da central de boatos a respeito do seu filho Fábio.
Lula: Ao mesmo tempo que sou defensor intransigente da
liberdade que temos na internet, acho que somos vítimas
dessa liberdade, porque o cidadão entra no seu quarto, seu
escritório, e fala a besteira que quiser. Há muito tempo vêm
denúncias; outro dia mostraram a sede da ESALQ e disseram
que era a casa do meu filho; outro dia ele era dono da "Friboi";
um dia desses ele estava fazendo negócios, inventaram que
ele tem um jato.
Conseguimos detectar o paradeiro de dez pessoas, uma era
do "Instituto Fernando Henrique Cardoso", filho do ex-ministro
Graziano. Os envolvidos foram acionados, um veio prestar
depoimento, disse: “Mas eu sou eleitor do Lula, eu só citei, não
sabia se era verdade, mas coloquei”. Muitos pedem desculpas.
O Graziano veio aqui também.
Quando, muito tempo atrás, eu fui contra a invasão do
Afeganistão pela então URSS, diziam que eu era da CIA,
depois eu era visto pela direita como o cara do Partidão. Isso
me permitiu continuar percorrendo o caminho do meio.
Mas vale acentuar que nós chegamos à excrescência da
excrescência do comportamento humano. Um dia desses,
eu vejo "O Que Sei de Lula", um livro. O autor não conviveu
comigo um único segundo para escrever a orelha do livro.
Fico pensando: o que faço com um cidadão desse? Acabo
percebendo que o melhor é a desmoralização pela mentira.
O Romeu Tuma Jr. não merece o comportamento do pai dele.
O pai dele foi um cidadão digno. Quando a minha mãe estava
para morrer, ele, meu carcereiro, me deixava sair da cadeia
às 2 da manhã para visitá-la. Então, quando um cidadão conta
uma mentira dessa, o que fazer? Processar? Acho que falta
um pouco de senso de responsabilidade no comportamento
das pessoas. De verdade, falta reconstruir a estrutura social
da família. Quando eu era pequeno, tinha vontade de comer
uma maçã embrulhada em papel azul, e ficava diante da
barraca olhando e olhando, e sabe por que eu não pegava e
não saía correndo? Para não envergonhar a minha mãe. Ela
era a minha referência de comportamento.
CC: Mas uma política social que conseguisse alcançar certo
grau de igualdade, isso não recriaria automaticamente
valores perdidos?
Lula: Há todo um conjunto de fatores viáveis, não concordo
com diminuir a idade penal e colocar mais polícia na rua para
coibir a violência. Isso não vai funcionar. Eu acho que, se
houver mais gente na escola e mais gente trabalhando, vamos
caminhar no rumo certo.
CC: Seria correto dizer que há uma concepção errada da polícia
num Estado democrático. Trata-se de instituição absolutamente
necessária, mas muito maltratada, porque ela não é para
reprimir, é para prevenir. Será que não vivemos uma crise
institucional dos poderes que haveriam de constituir um
Estado moderno?
Lula: Quando a gente fala em reforma, precisamos reformar
também o Poder Judiciário. É tudo muito lento. Mas a Justiça
pede por uma reforma, porque é justo exigir mais competência,
é preciso ter mais estrutura para chegar a um cargo na Justiça.
Quanto à polícia, tenho uma observação.
A nossa polícia sabe que, em muitos casos, o crime organizado
está mais preparado do que ela. Todo ser humano tem medo.
Há casos em que o policial tira a farda para ninguém saber que
ele é policial. Ele vai trabalhar com um pouco de medo, e o medo
faz você mais violento. Se você aborda o suspeito, já de revólver
em punho, caso este reaja, você puxa o gatilho.
Como é que você resolve isso? Nós cometemos um erro na
Constituição, que foi dar muita autonomia aos estados para
que sua polícia se desvincule com muita autonomia da PM.
Dá a impressão de que os estados saberiam lidar com a
criminalidade, mas na prática muitos estados ficam reféns
da própria polícia. Primeiro, seria preciso que os policiais se
formassem por cursos de inteligência, assim como se formam
em tiro ao alvo e arte marcial. Segundo, é preciso pagar melhor.
Acho que, no caso da organização da polícia, o problema
está na Constituição de 1988. Nas Forças Armadas, nós
liberamos 7 mil, 8 mil fardados por ano, que poderiam ser
chamados diretamente para a polícia. Mas não, têm de prestar
concurso. É preciso rediscutir a respeito. Sem deixar de partir
o pressuposto de que nenhum governador quer abrir mão do
controle da polícia. Decisivo seria definir o papel de cada um.
Porque, quando um governador prende um bandido, ele gosta
de aparecer na televisão, mas, quando ele não prende,
o governo federal é o culpado. Essa ponderação explica-se
a outros campos. A educação. Quem é que cuida? O governo
federal, estadual ou prefeitura? E no ensino técnico? Saúde?
Nós precisamos definir tudo isso.
Temos de repactuar os entes federados. Construir um pacto
federativo, não só a partir da discussão financeira, mas
também de acordo com a responsabilidade de cada um.
Penso que, no segundo mandato, a Dilma terá de fazer coisas
novas, é importante promover debates que ainda não foram
feitos. Só se fala em "política tributária". Eu tentei implementar
duas vezes, ninguém quis. Dilma tem de fazer um esforço
muito grande para destravar este país.
CC: Até que ponto o senhor pode influenciar Dilma na escolha
dos futuros ministros?
Lula: Eu não quero influenciar a Dilma. Faço política por uma
transferência de confiança. Eu confio na Dilma. Se for eleita,
vai fazer suas escolhas, vou torcer para dar certo. Se achar
que ela está errada, vou dar uns palpites. Se em algum
momento ela resolver discutir comigo alguns nomes, eu
também não terei dúvidas em ajudá-la.
CC: Digamos que a presidente não queira ouvir ninguém,
quem quer que seja.
Lula: Não existe isso.
CC: Admitamos uma sugestão não solicitada: “Este cara
é muito bom”.
Lula: Vamos supor que a Dilma seja eleita e eu resolva indicar
o Belluzzo. E ela falasse “não”. O que iria acontecer? Iria ficar
um arranhãozinho na nossa relação de amizade. Daí, eu preferir
não indicar. É mais saudável, nem eu nem ela teremos decepções.
Agora, se o partido vier discutir comigo quais nomes vai indicar,
eu direi o que acho a respeito. Com ela, não. A não ser que a
escolha me pareça absurda e então não hesitarei:
“Este é problema”.
CC: Como analisar o avanço na relação dos BRICS?
Lula: Neste mundo globalizado a gente tem de procurar
parceiros. Acabou o tempo em que o mundo pobre esperava tudo da
Europa e dos Estados Unidos. Então, eu penso que o Brasil
tem de fortalecer as suas relações. Eu sou da tese de que a
gente tem de criar um colchão de proteção do Brasil em
suas relações externas, do ponto de vista estratégico, do
ponto de vista da segurança, econômico, do ponto de vista
estratégico do desenvolvimento científico-tecnológico.
Porque quem já tem não quer repartir com a gente.
Por isso, o Brasil há de fortalecer cada vez mais sua participação,
sobretudo na América do Sul. E ter aqui, na América do Sul,
algo muito forte na área do comércio e da interação das nossas
empresas. Ter empresas fortes e bancos de desenvolvimento
fortes. O BNDES tem de arcar com um papel mais importante
e a gente tem de construir o Banco Sul. Acho que temos de
azer o mesmo com a África, porque agora, no século XXI,
a África dará um salto de qualidade. E com os BRICS,
precisamos tomar decisões políticas.
Nós somos uma espécie de pêndulo do planeta; então, não
podemos ficar dependendo do dólar para fazer negócio.
Temos de construir, e não esperar que o mundo construído
no século XIX, no começo do século XX, venha nos salvar.
Nós podemos fazer a diferença. Eu acho que esse acordo
da Rússia com a China, esse negócio do gás, foi um tapa
de pelica na cara da "Aliança do Atlântico".
Acho que os BRICS devem funcionar como uma espécie de
segurrança na relação de cinco economias importantes. Por
que eu falo isso? O Mercosul, quando cheguei à Presidência,
não valia nada. A ALCA é que estava na moda. Nós não
implantamos a ALCA e o Mercosul passou de 10 bilhões para
49 bilhões de fluxo de comércio exterior. A América do Sul
não valia nada, o Brasil não conversava com ninguém,
ninguém conversava com o Brasil.
CC: Não é de interesse da elite que esses dados apareçam.
Lula: O Brasil é o primeiro produtor, e primeiro exportador,
de carne processada, suco de laranja, tabaco, o segundo de soja.
Tudo que você imaginar, o Brasil está entre os cinco do mundo.
Vamos gostar deste País!"
FONTE: entrevista de Lula a Luiz Gonzaga Belluzzo e Mino Carta,
em "CartaCapital". Transcrita no portal "Viomundo" (http://www.viomundo.com.br/politica/lula-5.html).
compromisso de garantir o bem-estar e a segurança dos
brasileiros e dos torcedores estrangeiros. Quem quiser
fazer passeata que faça, quem quiser levantar faixa, que
levante, mas é importante saber que, assim como alguém
tem o direito de protestar, o cidadão que comprou o
ingresso e quer ir ver a Copa tenha a garantia de assistir
aos jogos em perfeita paz.
CC: O povo brasileiro amadureceu e nós entendemos que o
resultado da Copa será bem menos importante do que foi em
1950. Mesmo que a seleção perca, não haverá tragédia.
Desse ponto de vista, efeitos sobre as eleições podem ocorrer
em função das chamadas manifestações.
Lula: Eu tenho certeza de que a presidenta Dilma e os governos
estaduais estão tomando toda a responsabilidade para garantir a
ordem. Com isso, podemos ficar tranquilos, é questão de honra
para o governo brasileiro. O que está em jogo é também a imagem
do Brasil no exterior. De qualquer maneira, acho que não vai ter
violência, e, se houver será tão marginal a ponto de ser punida pela
própria sociedade. Agora, se um sindicato quer fazer uma faixa
“abaixo não sei o quê, 10% de aumento”, é seu direito.
Eu me lembro que disse ao ministro José Eduardo Cardozo,
quando começou a se aventar a possibilidade de uma lei contra
os mascarados: “Olha, gente, nem brincar com lei contra mascarados
porque a primeira coisa que iremos prejudicar vai ser o Carnaval,
não os mascarados”.
A Constituição e o Código Penal definem claramente o que é
ordem e o que é desordem e, portanto, o governo tem mecanismos
para evitar qualquer abuso. Recomenda-se senso comum. Nesses
dias, tentaram até confundir uma frase minha sobre uma linha
de metrô até os estádios. Em 1950, no Maracanã cabiam 200 mil
pessoas, mais de duas vezes as assistências atuais. É verdade,
havia menos carros nas ruas, infinitamente menos carros, mas
também não havia metrô.
CC: De todo modo, vale a pena realizar uma Copa?
Lula: Discordo daqueles que defendem a Copa no Brasil dizendo
que vão entrar 30 bilhões, ou que geraremos novos empregos.
O problema não é econômico. A Copa do Mundo vai nos permitir,
no maior evento de futebol do mundo, mostrar a cara do Brasil
do jeito que ele é. O encontro de civilizações, o resultado
dessa miscigenação extraordinária entre europeus, negros
e índios que criou o povo brasileiro. Qual é o maior patrimônio
que temos para mostrar? A nossa gente.
CC: Em que medida essas manifestações nascem do fato de que
houve uma ascensão econômica? Aqueles que melhoraram de
vida reivindicam mais saúde, mais educação.
Lula: Eu acho que não há apenas uma explicação para o que
está acontecendo. Precisamos aprender a falar com o povo,
para que entenda o momento histórico.
O jovem hoje com 18 anos tinha 6 anos quando ganhei a
primeira eleição, 14 anos quando deixei de ser presidente da
República. Se ele tentar se informar pela televisão, ele é
analfabeto político. Se tentar se informar pela imprensa escrita,
com raríssimas exceções, ele também será um analfabeto
político. A tentativa midiática é mostrar tudo pelo negativo.
Agora, se nós tivermos a capacidade de dizer que certamente
o pai dele viveu num mundo pior do que o dele, e se
começarmos a mostrar como a mudança se deu, tenho certeza
de que ele vai compreender que ainda falta muito, mas que
em 12 anos, passos adiante foram dados.
CC: O governo não soube se comunicar?
Lula: Eu acho. Eu, de vez em quando, gosto de falar de
problema histórico, para a gente entender o que de fato
aconteceu neste país. Já disse e repito: Cristóvão Colombo
chegou em Santo Domingo, em 1492, e em 1507 ali surgia
a primeira faculdade. No Peru, em 1550, na Bolívia, em 1624.
O Brasil ganhou a primeira faculdade com dom João VI, mas
a primeira universidade somente em 1930. Então, você
compreende o nosso atraso.
Qual é o nosso orgulho? Primeiro, em 100 anos, o Brasil
conseguiu chegar a 3 milhões de estudantes em universidades.
Nós, em 12 anos, vamos chegar a 7,5 milhões de estudantes,
ou seja, em 12 anos, nós colocamos mais jovens na universidade
do que foi conseguido em um século. Escolas técnicas. De 1909
até 2002, foram inauguradas 140. Em 12 anos, nós inauguramos
365. Ou seja, duas vezes e meia o número alcançado em
um século.
E daí você consegue imaginar o que significa o REUNI ao elevar
o número de alunos por sala de aula, de 12 para 18. Ou o que
significa o "Ciências Sem fronteiras", o FIES: 18 universidades
federais novas. Pergunta o que o Fernando Henrique Cardoso/PSDB
fez? Se você pensar em 146 campi novos, chegará à conclusão
de que foi preciso um sem diploma na Presidência da República
para colocar a educação como prioridade neste País.
Nós triplicamos o Orçamento da União para a educação.
É pouco? É tão pouco que a presidenta Dilma já aprovou a
lei permitindo 75% dos royalties para a educação. É tão pouco
que a Dilma criou o "Ciência Sem Fronteiras" para levar
65 mil jovens a estudar no exterior. É tão pouco que ela
riou o PRONATEC, que já tem 6 milhões de jovens se
preparando para exercer uma profissão. Isso tudo estimula
essa juventude a querer mais.
Tem de querer mais. Quanto mais ela reivindicar, mais a gente
se sente na obrigação de fazer. Quem comia acém, passou
a comer contrafilé e agora quer filé. E é bom que seja assim,
é bom que as pessoas não se nivelem por baixo. Eu sempre fui
contra a teoria de que é melhor pingar do que secar. Quanto
mais o povo for exigente e reivindicar, forçará o governo
a fazer mais. O que é ruim? A hipocrisia.
Nós temos um setor médio da sociedade que ficou esmagado
entre as conquistas sociais da parte mais pobre da população
e os ricos, que ganharam dinheiro também. A classe média,
em vários setores, proporcionalmente, ganhou menos. Toda
vez que um pobre ascende um degrau, quem está dez degraus
acima acha que perdeu algumas coisas. A Marilena Chauí tem
uma tese que eu acho correta: um setor da classe média brasileira
que às vezes também é progressista, do ponto de vista social,
mas não aprendeu a socializar os espaços públicos e então
fica incomodado.
CC: Nós entendemos que o problema é representado pela
elite brasileira. Quem se empenha contra a igualdade?
Lula: Eu sou o mais crítico do comportamento da elite brasileira
ao longo da história. Este país foi o último a acabar com a
escravidão, foi o último a ser independente. Só foi ter voto da
mulher na Constituição de 34. Tudo por aqui resulta de um
acordo, inclusive um acordo contra a ascensão social. Na
Guerra dos Guararapes, quando pretos e índios quiseram
participar, a elite disse “não, não vai entrar, porque depois
que terminar essa guerra vão querer se voltar contra nós”.
Essa é a história política do Brasil. Ocorre, porém, que a
ascensão dos pobres levou empresas brasileiras a ganhar
como nunca. Não sou eu quem lembra – em 1912,
Ford dizia: “Quero pagar um bom salário para meus
trabalhadores para que eles possam consumir”. Por exemplo,
pobre em shopping dá lucro. Muitas vezes os donos não
aceitam num primeiro momento, mas depois percebem
que é bom. Tínhamos 36 milhões de brasileiros viajando
de avião, agora temos 112 milhões.
CC: Notáveis avanços são inegáveis. Mas como vai ser daqui
para a frente?
Lula: Eu fazia debates mundo afora, com o Mantega,
o Meirelles, às vezes a Dilma. E eu dizia: esses ministros
meus, eles falam de macroeconomia, mas o que eles
não dizem é que essa macroeconomia só deu certo por
causa da minha microeconomia. O que foi a microeconomia?
Foi o aumento de salário, foi a compra de alimentos,
a agricultura familiar, foi o financiamento, foi o crédito
consignado, foi o "Bolsa Família". Foi essa microeconomia
que deu sustentabilidade à macroeconomia.
Na Constituição de 46, quando o trabalho era o assunto,
concluía-se: “Não pode dar 30 dias de férias para o
trabalhador, porque o ócio o prejudica”. Chamavam férias
de "ócio". Agora, as pessoas dizem que o "Bolsa Família"
cria um exército de vagabundos. E o futuro? Numa escada
de dez degraus, os pobres só subiram dois, um e meio,
ainda falta muito para subir. Por isso, eu tenho orgulho
da presidenta Dilma, ela sabe que muita gente vai se
bater contra ela a sustentar que, "para controlar a
inflação e fazer o País crescer, é preciso ter um pouco
de desemprego, arrocho no salário mínimo", ou seja, que
é preciso fazer o que sempre foi feito neste País e que
não deu certo.
Então, o que o governo tem de garantir é o aumento da
poupança interna, mais investimento do Estado, mais junção
entre empresa privada e pública, mais capital externo para
investir no setor produtivo. Para tanto, é indispensável dar
continuidade à ascensão dos mais pobres. Porque é isso que
também vai garantir a ascensão do Brasil no mundo
desenvolvido, com alto padrão de qualidade de vida, renda
per capita de 20 mil, 30 mil dólares, e até mais. O Brasil
não pode parar agora. Está tudo mais difícil, mas temos
agora o que a gente não tinha há cinco anos, vamos contar
com o pré-sal daqui a pouco.
CC: Temos um agronegócio muito exuberante, muito
produtivo e competitivo: é possível mobilizar essa capacidade
para estimular a indústria de equipamentos agrícolas?
Lula: Nós já temos uma indústria de equipamentos agrícolas
muito boa. Quando na Presidência, cansei de discutir com
empresários que feiras de agronegócio nós precisamos é
fazer na Argentina, no México, Nigéria, Angola, Índia.
Temos de mostrar nossa capacidade nos outros mercados.
Essa é uma área na qual o Brasil está pronto, não só
porque tem conhecimento tecnológico, mas também porque
tem capacidade de área agricultável, terra, sol e água.
Sem a vergonha de dizer que exportamos "commodities".
Hoje, a "commodity" em preço. O que nós precisamos é produzir
não só o alimento, mas a indústria de alimentos, não só a soja,
mas o óleo de soja.
CC: Permita-nos insistir: como vencer as resistências da elite,
atiçada pela mídia?
Lula: No movimento sindical, em 1969, comecei a negociar
com a FIESP, certamente a elite era muito mais retrógrada
do que hoje. Eu lembro quando nós constituímos a primeira
grande comissão de fábrica na Volkswagen nos anos 80, nós
fomos pedir a Antônio Ermírio de Moraes a criação de uma
comissão de fábricas na sua indústria química de São Miguel
Paulista, e significava trabalhador querendo mandar na
empresa dele.
Hoje, tem uma classe empresarial, mais jovem, que já
compreende a importância da negociação coletiva. Mesmo
assim, permanecem setores retrógrados. Ainda temos coronel
que mata gente por este Brasil afora por briga de terra.
Nesses dias, a "Nissan" americana não queria deixar
seu pessoal sindicalizar-se por lá mesmo e eu tive de
mandar uma carta para o presidente da empresa.
Mas voltemos à mídia.
CC: A mídia nutre essa elite.
Lula: Eu certamente não sou especialista nesta questão
da mídia e nunca tive muita simpatia dos seus donos.
Toda vez que tentei conversar com eles, cuidei de explicar
que, ao governo, não interessa uma mídia chapa-branca,
como foram no governo Fernando Henrique Cardoso/PSDB.
Eu não quero isso, não quero que tratem o PT como
trataram a turma do Collor nos dois primeiros anos do
seu mandato.
Agora, também é inaceitável a falta de respeito com Dilma.
Se querem falar mal, façam-no no editorial do jornal.
Na hora da cobertura do fato, publiquem o fato como ele é.
Nunca liguei para o dono de mídia pedindo para fazer
essa ou aquela matéria, mas o respeito há de ter, tanto mais
por parte da comunicação, que é concessão do Estado.
Respeito à instituição, e acho que eles saíram de um momento
em que lambiam as botas da ditadura e evoluíram para o
pensamento único a favor de FHC/PSDB, e contra o meu
governo e contra o da Dilma, e contra a presidenta com
agressividade ainda maior.
CC: E em termos de informação?
Lula: Quando eu cito os números da educação, por exemplo,
é porque nunca foram divulgados por essa mídia. É como se
houvesse a obrigação de omitir, sem perceber que, com isso,
se desrespeita o próprio público, que lê, ouve ou assiste.
Nem o recente IBOPE eles divulgaram. Nem comentaram a
inauguração da Rodovia Norte-Sul, que passaram três anos
criticando. Há uma predisposição ao negativismo, e isso
contribui para uma desinformação da sociedade brasileira.
É uma questão ideológica; se fosse econômica, eles deveriam
ir todo dia à igreja acender uma vela para mim, porque muitos
estão quebrados e se salvaram no meu governo. Eu estou
com a alma tão leve, eu até acho normal o que eles fazem.
Vem esse metalúrgico, que a gente supunha destinado a um
fracasso total, e é um sucesso. Vem essa mulher aí, que
a gente achava um poste, e ela não é um poste.
E essa mulher vai se eleger outra vez.
CC: Na verdade, o que está esmaecendo no Brasil e no mundo
é o espírito crítico.
Lula: Porque interessa a uma parte da elite brasileira a negação
da política. O que vem depois é sempre pior, quando você nega
a política. A ditadura brasileira foi a negação da política. O que
é muito grave, porque, se você atravessa um momento sem
nenhuma referência, sem ninguém em condições de controlar
a situação, o próprio Estado vai à deriva.
CC: Insistimos novamente: o governo não se comunica?
Lula: Vocês estão certos, não se comunica, eu tenho falado
para o Guido Mantega, para a Dilma: vendo como está o
mundo hoje, a cada dois meses o governo tem de fazer igual
uma empresa com seus acionistas, que têm fundos de pensão.
Ou seja, você tem de fazer viagens e convencer o fundo de
que a sua empresa é rentável e vale a pena investir. Então,
a cada dois meses o governo brasileiro tem de ir a Nova York,
não para falar com aposentados brasileiros, mas com
o investidor.
Já falei com o Itamaraty, com Bradesco, Santander, todos se
dispõem a articular os maiores debates brasileiros para
mostrar ao mundo realizações e potencialidades. A Petrobras
tem de viajar a cada 30 dias para onde tem investidor.
Não podemos ficar por conta de um jornalista inglês que copiou
matéria de um jornalista que vive no Rio de Janeiro e fica
procurando matéria em jornal para se inspirar.
O Brasil precisa reconhecer, enquanto vira a sétima economia
mundial com viés de ser a quinta, que lá fora já não se
fala bem da gente. José Luis Fiori escreveu um artigo comparando
Brasil e México para acabar com o complexo de vira-lata
de quem fala que o Brasil está pior que o México. O que o
México tem melhor que o Brasil? Eu quero que o México fique
cada dia mais rico, mas a comparação com o Brasil é inadequada,
porque o Brasil é maior que o México em tudo.
Dias atrás, estava aqui com meu amigo Gerdau e perguntei:
como está o setor siderúrgico? E ele: não está muito bem.
Perguntei: quanto é que você está ganhando no Brasil?
Somente aqui, respondeu. Perguntem para o Josué Gomes
da Silva, da Coteminas, onde ganha dinheiro? No Brasil.
O mercado interno brasileiro é uma bênção de Deus que
a elite não sabia existir, eles nunca imaginaram que
poderíamos ultrapassar os 35 milhões de consumidores.
CC: Que chances há de mudar essa falha do governo?
Lula: Não é fácil, eu sei o que foram meu primeiro e segundo
mandatos. Tenho dito com a Dilma que não tem de dar
ouvidos a quem fala que gastamos muito com publicidade.
Eu acho que, se foi anunciado um programa hoje, e no segundo
dia não houve repercussão, vai em rede nacional. O governo tem
de dizer o que a mídia não divulgou, porque se não disser,
o silêncio se fecha sobre o fato. Dois dias de tolerância, e
coloca um ministro em rede nacional, não precisa ir
a presidenta todo dia. Mas não fiquemos nisso.
O "Marco Regulatório" tem de ser compreendido. Não é censura,
queremos é fazer valer a Constituição de 88, tanto mais quando
entram em cena "Facebook" e companhia, eu nem sei o nome
de tudo. Existe "Marco Regulatório" de 1962. O Franklin Martins
foi feliz ao observar: “Em 62, a gente tinha mais televizinhos
do que televisores”.
Eu lembro que menino ia à casa do vizinho ver televisão, a gente
só podia sentar no chão, o sofá era do dono da casa e ele ainda
pisava no dedo da gente. Para assistir luta livre, tinha de gastar
dinheiro no bar, o dono cobrava. Hoje, acontece essa revolução
tecnológica e você não quer discutir sua regulamentação? Então,
o "Marco Regulatório" e a reforma política são dois temas de ponta
que o PT tem de assumir. Temos de convocar uma Constituinte
própria para fazer uma reforma política.
CC: O que seria esta Constituinte própria?
Lula: Não se destinaria a elaborar uma nova Constituição, e sim
discutir a reforma política, exclusivamente. O Congresso tem de
aprovar a ideia do plebiscito e, na convocação, você diz o que é.
E aí, não faltam recursos jurídicos para adotar a nomenclatura
adequada. É insuportável governar com o Congresso tomado
por tantos partidos. É preciso ter critério para organizar um
partido, tem de haver cláusula de barreira.
CC: Este problema não resulta do fato de que os partidos
brasileiros nunca foram o intermediário necessário entre a
nação e o governo?
Lula: o Brasil não tem tradição de partido nacional, a tradição
são tribos locais, com caciques regionais. Depois do PCB, o PT
tornou-se o único partido nacional cuja atuação partidária a
direção decidia. Mas o PT erra quando começa a entrar na
mesmice dos outros partidos. Erra quando usa a mesma prática
dos outros partidos. Eu não quero voltar às origens, briguei a
vida inteira para ser classe média e agora vou voltar a brigar.
O PT, tem que saber, criar esse partido não foi fácil. Lembro
de alguém que vendeu uma cabrita, que dava leite para
mamentar o filho, para legalizar o PT. E, até hoje, há gente
que anda três, quatro dias de canoa para participar de uma
convenção. A gente não pode permitir que meia dúzia de
pessoas deformem esse partido, ele é muito grande. É um
partido que o próprio povo dirige. Não é uma coisa simples,
nós temos de valorizar isso. Já disse na convenção do PT:
quero ajudar o PT a voltar ao seu leito natural. Se tem uma
coisa que o PT tem de se notabilizar é voltar à sua tradição
política. É isso que dá autoridade moral e força para a gente.
CC: Não é fácil manter a coerência na hora da coalizão…
Lula: Não é vergonha você repartir administração com outros
partidos, sempre que pastas sejam definidas na base da
afinidade. A reforma política é a briga que nós temos de ter hoje.
Não acho que tenha de ser da Dilma. Ela é candidata, acho que
a briga tem de ser de todo o partido. O Rui Falcão tem sido de
grande valia nessa luta. Agora, vou fazer campanha pelo Nordeste,
essa é a contribuição que me cabe no momento. E, se eu fosse
o governo, ficaria ouvindo todo programa de rádio, de televisão,
e o que não for verdade, pedir direito de resposta. Utilizar a
nternet e não ficar chorando “a Globo não me dá espaço”.
A gente tem outros instrumentos para dizer o que quer.
Estou muito disposto, física e psicologicamente, para rodar
o Brasil.
CC: A campanha, assumir os palanques…
Lula: Assumir os palanques. Estarei com Dilma onde ela achar
conveniente estar. Preciso tomar muito cuidado, porque haverá
na base aliada interesses de que eu não vá, porque a Dilma
não pode ir, ela é candidata e da base aliada, mas eu tenho
compromisso com o meu partido. Eu sei que isso vai ser um
problema, a gente vai ter de conversar e negociar muito.
Estou feliz, sabe por quê? Eu sempre achei que quem
deixa a presidência fica pensando: como eu estarei daqui a
algum tempo?
Porque as pessoas vão esquecendo, você vai perdendo
importância. Eu lembro que, em 2002, 2006, ninguém queria
o FHC no palanque. Nem Serra colocou. Em 2010, Serra me
apresentou como amigo dele e não colocou o FHC. Então,
eu me sinto feliz, eu estou bem, eu ainda tenho consciência
de que sou uma pessoa importante na política brasileira,
e como tal direi que Dilma é a pessoa mais talhada para cuidar
do Brasil.
CC: E essa história que a imprensa criou do “Volta Lula”?
Lula: O “Volta Lula” começou já na época que eu era presidente,
quando pediam o terceiro mandato. Eu, graças a Deus, aprendi
a ter responsabilidade muito cedo. E aprendi que, ao aceitar
o terceiro mandato, por me achar insubstituível, poderia permitir
que outros também achassem, com a possibilidade de alguém,
algum dia, tentar o quarto. Não é prudente brincar com a
democracia. Cumpri meus dois mandatos, saí cercado pelo carinho
do povo. Se, em algum momento, tiver de voltar, posso daqui
a 4 anos. Mas não é a minha prioridade. Estarei então com 72
e acho que tem de ser gente mais jovem, com mais vigor físico
e capacidade de administração. Mas em política a gente não pode
dizer que não, nem sim. Nunca me passou pela cabeça voltar.
Em todo caso, minha relação com a Dilma é muito forte, e de
muito respeito e admiração pelo caráter dela. Bem formada
ideologicamente e muito leal. Nunca iria disputar sua
candidatura. Não faltou quem quisesse minha volta, mas
quando o Rui Falcão botou em votação, deixei claro:
“Quero que saibam, sou candidato a cabo eleitoral da
companheira Dilma Rousseff para o segundo mandato
à Presidência da República”.
CC: E quanto aos adversários?
Lula: Conheço o Eduardo Campos, é meu amigo, gosto dele
profundamente. Conheço o Aécio, ele não tem a mesma
firmeza ideológica do Eduardo, tem outro compromisso,
é um representante mais afinado com a elite. Mas a Dilma
é a mais preparada. Fico triste que não conseguimos construir
algo capaz de manter o Eduardo Campos junto da gente.
Mas era o destino.
CC: E a Marina?
Lula: Eu gosto muito da Marina, como figura humana.
Foi minha companheira no PT por 30 anos, tenho por ela
um carinho muito grande, mas acho que, de vez em quando,
comete equívocos na análise política dela, meio messiânica.
Imaginei-a candidata e agora entra de vice. Nisso não
consigo entender a Marina. Mas não confundo relação
de amizade com a minha decisão política. Tenho amizade
com o Aécio mais formal do que com o Eduardo e sua família.
CC: Dilma ganha no primeiro turno?
Lula: A ganhar no primeiro turno por 51% a 49% prefiro
ganhar no segundo turno, com 65% a 35%. Reeleição é
sempre muito difícil, mas no segundo turno você pode
consolidar um processo de alianças com a coalizão e você
é eleito com mais desenvoltura, e também permite fazer
um debate mais profundo. No primeiro turno, todo mundo
fala a mesma coisa, promete tudo para o povo. Eu acho que
a Dilma está tranquila. Se em 2002 a esperança venceu
o medo, acho que agora a esperança e a certeza do que
pode ser feito pode vencer o ódio.
CC: A campanha será sangrenta?
Lula: Pelas características dos candidatos, acho que não.
De resto, o resultado de uma campanha não define apenas
vencedor e derrotados, é o grau de politização da sociedade,
é o gosto pela política, é perceber que durante a campanha
os candidatos aprenderam alguma coisa e deram um salto
de qualidade. Quando disputei com o Serra, nós tivemos
uma campanha mais civilizada do que com o Alckmin. Ele
se apresenta como cidadão refinado, mas foi de extrema
agressividade.
CC: Qual seria o adversário mais provável para o segundo
turno?
Lula: Eu acho que, em um segundo turno, será tucano. O PSDB
tem base partidária mais organizada, governam São Paulo,
Paraná, alguns estados importantes no Nordeste, e tem mais
tradição de palanque. Já o PSB tem pouco palanque estadual,
a campanha do Eduardo vai ser mais difícil do que em 1989.
CC: E o Padilha, candidato petista em São Paulo?
Lula: O Padilha é um daqueles fenômenos. Eu disse outro dia
em Sorocaba ao Padilha: “Depois de quem o precedeu,
Arruda Sampaio, Suplicy, Dirceu, Marta, Genoino, Mercadante,
você é o melhor candidato de todos nós, o mais alegre,
o mais simpático, sua capacidade de comunicação com o
povo é fantástica, unificou o partido”.
Mas é uma campanha difícil. Primeiro, porque os tucanos têm
uma base sólida em São Paulo, e há conservadorismo no
estado e isso dá quase uma garantia. Não sei se Paulo Skaff
vai ser candidato, há dois anos que faz campanha não como
candidato, mas como presidente da FIESP. Agora, o desafio
para o PT é ter os votos que o partido tem habitualmente
na cidade, todas as eleições.
CC: Fale da central de boatos a respeito do seu filho Fábio.
Lula: Ao mesmo tempo que sou defensor intransigente da
liberdade que temos na internet, acho que somos vítimas
dessa liberdade, porque o cidadão entra no seu quarto, seu
escritório, e fala a besteira que quiser. Há muito tempo vêm
denúncias; outro dia mostraram a sede da ESALQ e disseram
que era a casa do meu filho; outro dia ele era dono da "Friboi";
um dia desses ele estava fazendo negócios, inventaram que
ele tem um jato.
Conseguimos detectar o paradeiro de dez pessoas, uma era
do "Instituto Fernando Henrique Cardoso", filho do ex-ministro
Graziano. Os envolvidos foram acionados, um veio prestar
depoimento, disse: “Mas eu sou eleitor do Lula, eu só citei, não
sabia se era verdade, mas coloquei”. Muitos pedem desculpas.
O Graziano veio aqui também.
Quando, muito tempo atrás, eu fui contra a invasão do
Afeganistão pela então URSS, diziam que eu era da CIA,
depois eu era visto pela direita como o cara do Partidão. Isso
me permitiu continuar percorrendo o caminho do meio.
Mas vale acentuar que nós chegamos à excrescência da
excrescência do comportamento humano. Um dia desses,
eu vejo "O Que Sei de Lula", um livro. O autor não conviveu
comigo um único segundo para escrever a orelha do livro.
Fico pensando: o que faço com um cidadão desse? Acabo
percebendo que o melhor é a desmoralização pela mentira.
O Romeu Tuma Jr. não merece o comportamento do pai dele.
O pai dele foi um cidadão digno. Quando a minha mãe estava
para morrer, ele, meu carcereiro, me deixava sair da cadeia
às 2 da manhã para visitá-la. Então, quando um cidadão conta
uma mentira dessa, o que fazer? Processar? Acho que falta
um pouco de senso de responsabilidade no comportamento
das pessoas. De verdade, falta reconstruir a estrutura social
da família. Quando eu era pequeno, tinha vontade de comer
uma maçã embrulhada em papel azul, e ficava diante da
barraca olhando e olhando, e sabe por que eu não pegava e
não saía correndo? Para não envergonhar a minha mãe. Ela
era a minha referência de comportamento.
CC: Mas uma política social que conseguisse alcançar certo
grau de igualdade, isso não recriaria automaticamente
valores perdidos?
Lula: Há todo um conjunto de fatores viáveis, não concordo
com diminuir a idade penal e colocar mais polícia na rua para
coibir a violência. Isso não vai funcionar. Eu acho que, se
houver mais gente na escola e mais gente trabalhando, vamos
caminhar no rumo certo.
CC: Seria correto dizer que há uma concepção errada da polícia
num Estado democrático. Trata-se de instituição absolutamente
necessária, mas muito maltratada, porque ela não é para
reprimir, é para prevenir. Será que não vivemos uma crise
institucional dos poderes que haveriam de constituir um
Estado moderno?
Lula: Quando a gente fala em reforma, precisamos reformar
também o Poder Judiciário. É tudo muito lento. Mas a Justiça
pede por uma reforma, porque é justo exigir mais competência,
é preciso ter mais estrutura para chegar a um cargo na Justiça.
Quanto à polícia, tenho uma observação.
A nossa polícia sabe que, em muitos casos, o crime organizado
está mais preparado do que ela. Todo ser humano tem medo.
Há casos em que o policial tira a farda para ninguém saber que
ele é policial. Ele vai trabalhar com um pouco de medo, e o medo
faz você mais violento. Se você aborda o suspeito, já de revólver
em punho, caso este reaja, você puxa o gatilho.
Como é que você resolve isso? Nós cometemos um erro na
Constituição, que foi dar muita autonomia aos estados para
que sua polícia se desvincule com muita autonomia da PM.
Dá a impressão de que os estados saberiam lidar com a
criminalidade, mas na prática muitos estados ficam reféns
da própria polícia. Primeiro, seria preciso que os policiais se
formassem por cursos de inteligência, assim como se formam
em tiro ao alvo e arte marcial. Segundo, é preciso pagar melhor.
Acho que, no caso da organização da polícia, o problema
está na Constituição de 1988. Nas Forças Armadas, nós
liberamos 7 mil, 8 mil fardados por ano, que poderiam ser
chamados diretamente para a polícia. Mas não, têm de prestar
concurso. É preciso rediscutir a respeito. Sem deixar de partir
o pressuposto de que nenhum governador quer abrir mão do
controle da polícia. Decisivo seria definir o papel de cada um.
Porque, quando um governador prende um bandido, ele gosta
de aparecer na televisão, mas, quando ele não prende,
o governo federal é o culpado. Essa ponderação explica-se
a outros campos. A educação. Quem é que cuida? O governo
federal, estadual ou prefeitura? E no ensino técnico? Saúde?
Nós precisamos definir tudo isso.
Temos de repactuar os entes federados. Construir um pacto
federativo, não só a partir da discussão financeira, mas
também de acordo com a responsabilidade de cada um.
Penso que, no segundo mandato, a Dilma terá de fazer coisas
novas, é importante promover debates que ainda não foram
feitos. Só se fala em "política tributária". Eu tentei implementar
duas vezes, ninguém quis. Dilma tem de fazer um esforço
muito grande para destravar este país.
CC: Até que ponto o senhor pode influenciar Dilma na escolha
dos futuros ministros?
Lula: Eu não quero influenciar a Dilma. Faço política por uma
transferência de confiança. Eu confio na Dilma. Se for eleita,
vai fazer suas escolhas, vou torcer para dar certo. Se achar
que ela está errada, vou dar uns palpites. Se em algum
momento ela resolver discutir comigo alguns nomes, eu
também não terei dúvidas em ajudá-la.
CC: Digamos que a presidente não queira ouvir ninguém,
quem quer que seja.
Lula: Não existe isso.
CC: Admitamos uma sugestão não solicitada: “Este cara
é muito bom”.
Lula: Vamos supor que a Dilma seja eleita e eu resolva indicar
o Belluzzo. E ela falasse “não”. O que iria acontecer? Iria ficar
um arranhãozinho na nossa relação de amizade. Daí, eu preferir
não indicar. É mais saudável, nem eu nem ela teremos decepções.
Agora, se o partido vier discutir comigo quais nomes vai indicar,
eu direi o que acho a respeito. Com ela, não. A não ser que a
escolha me pareça absurda e então não hesitarei:
“Este é problema”.
CC: Como analisar o avanço na relação dos BRICS?
Lula: Neste mundo globalizado a gente tem de procurar
parceiros. Acabou o tempo em que o mundo pobre esperava tudo da
Europa e dos Estados Unidos. Então, eu penso que o Brasil
tem de fortalecer as suas relações. Eu sou da tese de que a
gente tem de criar um colchão de proteção do Brasil em
suas relações externas, do ponto de vista estratégico, do
ponto de vista da segurança, econômico, do ponto de vista
estratégico do desenvolvimento científico-tecnológico.
Porque quem já tem não quer repartir com a gente.
Por isso, o Brasil há de fortalecer cada vez mais sua participação,
sobretudo na América do Sul. E ter aqui, na América do Sul,
algo muito forte na área do comércio e da interação das nossas
empresas. Ter empresas fortes e bancos de desenvolvimento
fortes. O BNDES tem de arcar com um papel mais importante
e a gente tem de construir o Banco Sul. Acho que temos de
azer o mesmo com a África, porque agora, no século XXI,
a África dará um salto de qualidade. E com os BRICS,
precisamos tomar decisões políticas.
Nós somos uma espécie de pêndulo do planeta; então, não
podemos ficar dependendo do dólar para fazer negócio.
Temos de construir, e não esperar que o mundo construído
no século XIX, no começo do século XX, venha nos salvar.
Nós podemos fazer a diferença. Eu acho que esse acordo
da Rússia com a China, esse negócio do gás, foi um tapa
de pelica na cara da "Aliança do Atlântico".
Acho que os BRICS devem funcionar como uma espécie de
segurrança na relação de cinco economias importantes. Por
que eu falo isso? O Mercosul, quando cheguei à Presidência,
não valia nada. A ALCA é que estava na moda. Nós não
implantamos a ALCA e o Mercosul passou de 10 bilhões para
49 bilhões de fluxo de comércio exterior. A América do Sul
não valia nada, o Brasil não conversava com ninguém,
ninguém conversava com o Brasil.
CC: Não é de interesse da elite que esses dados apareçam.
Lula: O Brasil é o primeiro produtor, e primeiro exportador,
de carne processada, suco de laranja, tabaco, o segundo de soja.
Tudo que você imaginar, o Brasil está entre os cinco do mundo.
Vamos gostar deste País!"
FONTE: entrevista de Lula a Luiz Gonzaga Belluzzo e Mino Carta,
em "CartaCapital". Transcrita no portal "Viomundo" (http://www.viomundo.com.br/politica/lula-5.html).
2 comentários:
Democracia e política, vcs leêm seus textos, eles frequentemente estão cortados na lateral direita de quem lê.
Geraldo Reis
Obrigada pelo alerta. No meu computador aparece normal.
Tentarei solução
Maria Tereza
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