A MERCANTILIZAÇÀO DA USP
Por Paulo Moreira Leite, diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília
"Conversa sobre mensalidades em universidades publicas está de volta quando aumenta entrada de pobres. Por que será?
A descoberta de que duas décadas de gestão tucana levou a USP a descer a ladeira nas avaliações acadêmicas levou nossos coxinhas e playboys a acionar sua ideia fixa: privatizar a maior, mais tradicional e mais influente universidade do país.
O professor Wanderley Guilherme escreveu certa vez que a elite brasileira só tem um ponto de convergência política: revogar a CLT.
Poderia acrescentar outro: cobrar mensalidades de quem estuda na USP e demais universidades públicas.
O argumento é conhecido. "Já que alunos de famílias com dinheiro e maior acesso a cultura têm mais facilidade para ingressar em universidades públicas, o ensino gratuito nessas instituições nada mais é do que uma forma inaceitável de privilégio, que deveria ser abolido sem demora. Seria uma imoralidade".
Houve uma época na qual, para ilustrar seu pensamento, essa turma costumava contar o número de carros nos estacionamentos da Cidade Universitária, num exercício vergonhoso de impressionismo para quem pretende fazer uma discussão séria.
Já lembrei neste espaço, mais de uma vez, que as estatísticas da FUVEST demonstram que o acesso de famílias de renda mais baixa à maioria dos cursos da universidade é muito maior do que se imagina. Se há cursos onde a porta de entrada é muito estreita – como Engenharia, Medicina – na maioria das faculdades o determinismo social é menos importante do que se acredita para definir quem entra e quem fica de fora. Vale o desempenho escolar. Com uma competência muito maior do que a arrogância presunçosa de muitos habitantes de bolhas nobres consegue imaginar, os pobres e até muito pobres conseguem seu lugar.
Esse processo, bastante antigo, foi reforçado em anos recentes pelas políticas públicas que garantem acesso especial a estudantes da rede pública.
Do ponto de vista político, a cobrança de mensalidade ajuda a transformar as univer$idade$ num clube onde só entra quem pode ficar $ócio. Elas perdem o caráter de estabelecimento público, de todos os cidadãos, para ter ares de um universo à parte, exclusivo. Alguém acha isso bom para o país?
Ao tentar debater mensalidades, coxinhas e playboys tentam fugir do debate necessário: será que os habitantes do patamar superior da pirâmide têm dado sua contribuição -- em $$ -- pelo desenvolvimento do país? Será que retribuem numa medida razoável, quando se considera aquilo que usufruem do país? Que tal pensar nas grandes fortunas? Nas heranças? Ou em alíquotas de imposto de renda adequadas, capazes de diferenciar salários médios e altos de rendas milionárias?
O pior é que, na prática, a cobrança de mensalidade não gera nenhum benefício social nem ajuda a diminuir qualquer tipo de privilégio. É uma forma – descarada ou enganosa, conforme o olhar interessado – de restaurar a elitização do ensino público de qualidade. Ou seja: já que os pobres estão conseguindo entrar nas universidades do Estado, é preciso arrumar um jeito de colocá-los em seu devido lugar, isto é, do lado fora. É disso que se trata.
Vamos aos números: universidades como a PUC paulista, por exemplo, que têm direito a diversas formas de auxílio e benefícios do Estado, cobram R$ 2000 mensais de seus alunos de Direito. Em outras escolas, como a FGV, a mensalidade chega a R$ 4 000. Num país onde o salário médio encontra-se em torno de R$ 1900, pode-se imaginar quem poderá pleitear uma vaga. E se você acredita na fantasia das bolsas para os mais carentes, lembre-se que, por definição, elas são limitadas pelo valor e pelo volume de beneficiados, sob o risco de comprometer o orçamento final. Você sabe como é.
O argumento de que faltam recursos para saúde pública e ensino básico, e por isso seria razoável sacrificar o ensino superior, é tão vergonhoso que sequer deveria ser pronunciado.
Vivemos num país onde os pobres pagam a maioria dos impostos e nada mais justo que possam usufruir dos benefícios que eles podem gerar – como uma universidade pública, de qualidade, para seus filhos e seus netos. Mesmo que o acesso não seja amplo como o desejável, a criação de qualquer obstáculo a seu ingresso é vergonhosa e moralmente inaceitável."
FONTE: escrito por Paulo Moreira Leite, diretor da Sucursal da revista "ISTOÉ" em Brasília. É autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa". (http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE).
Por Paulo Moreira Leite, diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília
"Conversa sobre mensalidades em universidades publicas está de volta quando aumenta entrada de pobres. Por que será?
A descoberta de que duas décadas de gestão tucana levou a USP a descer a ladeira nas avaliações acadêmicas levou nossos coxinhas e playboys a acionar sua ideia fixa: privatizar a maior, mais tradicional e mais influente universidade do país.
O professor Wanderley Guilherme escreveu certa vez que a elite brasileira só tem um ponto de convergência política: revogar a CLT.
Poderia acrescentar outro: cobrar mensalidades de quem estuda na USP e demais universidades públicas.
O argumento é conhecido. "Já que alunos de famílias com dinheiro e maior acesso a cultura têm mais facilidade para ingressar em universidades públicas, o ensino gratuito nessas instituições nada mais é do que uma forma inaceitável de privilégio, que deveria ser abolido sem demora. Seria uma imoralidade".
Houve uma época na qual, para ilustrar seu pensamento, essa turma costumava contar o número de carros nos estacionamentos da Cidade Universitária, num exercício vergonhoso de impressionismo para quem pretende fazer uma discussão séria.
Já lembrei neste espaço, mais de uma vez, que as estatísticas da FUVEST demonstram que o acesso de famílias de renda mais baixa à maioria dos cursos da universidade é muito maior do que se imagina. Se há cursos onde a porta de entrada é muito estreita – como Engenharia, Medicina – na maioria das faculdades o determinismo social é menos importante do que se acredita para definir quem entra e quem fica de fora. Vale o desempenho escolar. Com uma competência muito maior do que a arrogância presunçosa de muitos habitantes de bolhas nobres consegue imaginar, os pobres e até muito pobres conseguem seu lugar.
Esse processo, bastante antigo, foi reforçado em anos recentes pelas políticas públicas que garantem acesso especial a estudantes da rede pública.
Do ponto de vista político, a cobrança de mensalidade ajuda a transformar as univer$idade$ num clube onde só entra quem pode ficar $ócio. Elas perdem o caráter de estabelecimento público, de todos os cidadãos, para ter ares de um universo à parte, exclusivo. Alguém acha isso bom para o país?
Ao tentar debater mensalidades, coxinhas e playboys tentam fugir do debate necessário: será que os habitantes do patamar superior da pirâmide têm dado sua contribuição -- em $$ -- pelo desenvolvimento do país? Será que retribuem numa medida razoável, quando se considera aquilo que usufruem do país? Que tal pensar nas grandes fortunas? Nas heranças? Ou em alíquotas de imposto de renda adequadas, capazes de diferenciar salários médios e altos de rendas milionárias?
O pior é que, na prática, a cobrança de mensalidade não gera nenhum benefício social nem ajuda a diminuir qualquer tipo de privilégio. É uma forma – descarada ou enganosa, conforme o olhar interessado – de restaurar a elitização do ensino público de qualidade. Ou seja: já que os pobres estão conseguindo entrar nas universidades do Estado, é preciso arrumar um jeito de colocá-los em seu devido lugar, isto é, do lado fora. É disso que se trata.
Vamos aos números: universidades como a PUC paulista, por exemplo, que têm direito a diversas formas de auxílio e benefícios do Estado, cobram R$ 2000 mensais de seus alunos de Direito. Em outras escolas, como a FGV, a mensalidade chega a R$ 4 000. Num país onde o salário médio encontra-se em torno de R$ 1900, pode-se imaginar quem poderá pleitear uma vaga. E se você acredita na fantasia das bolsas para os mais carentes, lembre-se que, por definição, elas são limitadas pelo valor e pelo volume de beneficiados, sob o risco de comprometer o orçamento final. Você sabe como é.
O argumento de que faltam recursos para saúde pública e ensino básico, e por isso seria razoável sacrificar o ensino superior, é tão vergonhoso que sequer deveria ser pronunciado.
Vivemos num país onde os pobres pagam a maioria dos impostos e nada mais justo que possam usufruir dos benefícios que eles podem gerar – como uma universidade pública, de qualidade, para seus filhos e seus netos. Mesmo que o acesso não seja amplo como o desejável, a criação de qualquer obstáculo a seu ingresso é vergonhosa e moralmente inaceitável."
FONTE: escrito por Paulo Moreira Leite, diretor da Sucursal da revista "ISTOÉ" em Brasília. É autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa". (http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE).
2 comentários:
CONCORDO COM O TEOR DA ESCRITA COM ALGUMAS RESSALVAS!
DEFENDO A UNIVERSIDADE PÚBLICA PARA AS CLASSES POBRES, COMPROVADOS NA FORMA DA LEI! AS VAGAS "PAGAS" DEVERIAM SER RESTRITAS, CARAS, DE FORMA A COLABORAREM NO CUSTEIO DAS VAGAS DOS POBRES! OU ALGO MAIS RADICAL, A PARTIR DE UMA CERTA RENDA,NÃO HAVERIA ACESSO DOS PRIVILEGIADOS ÀS VAGAS PAGAS PELO CONTRIBUINTE! É UM ABSURDO PAGARMOS FACULDADES COMO MEDICINA PARA OS FILHOS DA BURGUESIA ESTUDAREM!
Danilo,
Creio que a melhor solução está no sentido que você aponta, exceto quanto ao radicalismo de impedir o acesso, mesmo pagando, a partir de determinado nível de renda. Seria muito polêmica a definição da legislação e impraticável o controle. Além disso, o nível de renda dos pais pode variar ao longo dos seis anos do curso (caso citado da medicina). Não seria justo expulsar o aluno cujos pais tiveram eventual subida de renda no ano.
Maria Tereza
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