PARA ANALISTAS, BRASIL SE FIRMA NO CENÁRIO GLOBAL MESMO COM SANÇÕES AO IRÃ
“Apesar de o Conselho de Segurança da ONU votar nesta quarta-feira uma resolução prevendo novas sanções contra o Irã, a iniciativa do Brasil em busca de uma solução diplomática para a questão nuclear iraniana marca o reconhecimento de uma maior relevância do país em grandes questões globais, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil.
O Brasil - que no mês passado, ao lado da Turquia, havia obtido um acordo com o Irã, rejeitado pelos Estados Unidos - tentou, sem sucesso, evitar a votação e investir no caminho do diálogo entre os países envolvidos na questão.
"Mesmo que a posição do Brasil não prevaleça, o país vai obter o reconhecimento como um importante ator global, que vai ter influência nas grandes questões internacionais", diz Michael Shifter, presidente do instituto de análise política Inter-American Dialogue, com sede em Washington.
Segundo Shifter, a atuação do Brasil na busca por um acordo com o Irã marca um ponto de virada.
"Mostra que o Brasil vai ter um papel influente na maioria das questões internacionais sensíveis. Até agora, o Brasil já tinha um papel em questões como G20, aquecimento global. Mas o Irã é uma questão mais sensível, que envolve segurança", afirma Shifter.
"Há um reconhecimento generalizado, mesmo por parte daqueles que dizem que o Brasil pode ter sido ingênuo na negociação com o Irã, de que o Brasil vai estar envolvido (nas grandes questões)." Para o jornalista e pesquisador Douglas Farah, do International Asessment and Strategy Center, a postura do Brasil ao negociar com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, pode ter tido um impacto negativo em algumas partes do mundo.
"Há um amplo consenso de que o Irã não é um parceiro democrático, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou um entusiasmo excessivo (na visita a Teerã)", diz.
"Dito isso, o Brasil provou que pode ser um ator importante no cenário global, que pode ser um interlocutor em situações em que outros fracassaram", afirma Farah.
VOTAÇÃO
A votação no Conselho de Segurança está marcada para as 10h em Nova York (11h em Brasília), e a expectativa dos Estados Unidos, país que vem pressionando pela adoção de novas sanções, é de que a resolução seja aprovada com pelo menos 12 votos entre os 15 membros do conselho.
Todos os cinco membros permanentes, com direito a veto (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Rússia e China) já concordaram com a resolução.
Ainda não está claro como votarão Brasil, Turquia e Líbano, países que têm vagas rotativas, sem direito a veto, e se opõem às sanções. Esses países podem votar contra a resolução ou optar pela abstenção.
A falta de apoio desses países não é suficiente para impedir as sanções mas, segundo analistas, prejudica a imagem de união em torno do tema que os Estados Unidos gostariam de transmitir.
SANÇÕES
Na terça-feira, em visita ao Equador, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, disse que as novas sanções serão "as mais significativas que o Irã já enfrentou".
As novas sanções endurecem as restrições financeiras e inspeções de cargas já em vigor, expandem o embargo de armas e incluem 40 empresas e um alto funcionário ligado ao programa nuclear a uma lista de pessoas e companhias sujeitas a congelamento de ativos e proibição de viagens.
As medidas buscam pressionar o Irã a interromper seu programa de enriquecimento de urânio, alvo de desconfiança dos Estados Unidos e de outros países. O temor é de que o Irã busque secretamente desenvolver armas nucleares, alegação negada por Teerã.
Apesar das três rodadas de sanções anteriores, o Irã continua se recusando a interromper seu processo de enriquecimento de urânio.
ACORDO
No mês passado, durante visita do presidente Lula a Teerã, o Brasil e a Turquia fecharam um acordo pelo qual o Irã se comprometia a enviar urânio com baixo nível de enriquecimento ao território turco e receber em troca o material enriquecido a níveis suficientes para uso médico, mas não militar.
O acordo tinha como base uma proposta feita no ano passado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), mas recusada pelo Irã na época.
No entanto, apenas um dia após o anúncio do acordo, os Estados Unidos circularam a proposta de resolução contra o Irã no Conselho de Segurança, alegando que o pacto fechado em Teerã não era satisfatório, especialmente porque o governo iraniano não se comprometia a interromper seu processo de enriquecimento de urânio.
Terça-feira, Ahmadinejad afirmou que, caso as novas sanções sejam aprovadas, seu país vai desistir de manter negociações sobre o programa nuclear.
Ainda na terça-feira, a embaixadora brasileira na ONU, Maria Luiz Ribeiro Viotti, voltou a defender, em um debate no Conselho de Segurança, o acordo firmado em maio e uma solução diplomática para a questão.
Viotti disse que o Brasil "não acredita que este seja o momento de adotar novas sanções contra o Irã".
DIVERGÊNCIA
A decisão dos Estados Unidos de ir adiante com as sanções, apesar do acordo, foi mal recebida pelo governo brasileiro, e nos últimos dias declarações de ambos os lados indicam um aumento da tensão nas relações bilaterais. Clinton chegou a dizer que os Estados Unidos tinham "divergências muito sérias" com o Brasil sobre a questão.
"O governo Obama ignorou a iniciativa do Brasil e da Turquia. A iniciativa deveria ao menos ter sido explorada", diz o professor Zachary Lockman, chefe do departamento de estudos islâmicos e de Oriente Médio da New York University (NYU). "Obviamente o Brasil e a Turquia não estão felizes com isso", afirma Lockman.
Segundo Farah, há "um grande problema de comunicação entre o governo Obama e o governo Lula".
"O Brasil pensava que a negociação com o Irã iria ajudar, representar um avanço no processo. O governo Obama surpreendeu o Brasil ao não aceitar o acordo", diz Farah. "Acho que vai acrescentar uma significativa dose de tensão nas relações entre os Estados Unidos e o Brasil." No entanto, segundo Michael Shifter, as divergências observadas na questão iraniana são um sinal de uma mudança nas relações bilaterais, que vai exigir um ajuste de ambos os lados.
"O Brasil está se afirmando no cenário global, e os Estados Unidos terão de aceitar essa realidade", afirma Shifter.
"Isso não significa que os dois países não poderão cooperar em outras questões. Mas obriga a uma abordagem diferente da tradicional, na qual os Estados Unidos definiam a agenda e o Brasil seguia", diz o presidente do Inter-American Dialogue.”
FONTE: divulgado hoje (09/06) pela agência britânica de notícias BBC, com a colaboração de Camila Viegas Lee, de Nova York. Publicado no portal UOL.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário