quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A ARMADILHA DA ACOMODAÇÃO

"Nos tornamos mercado relevante, a sexta maior economia mundial, pelo critério do Produto Interno Bruto (PIB), e posições ainda mais relevantes no tocante a mercados específicos, como o automobilístico (4º mundial)

Por Antonio Corrêa de Lacerda, no “Terra Magazine”

“O Brasil vem conquistando avanços importantes em vários campos, em especial no econômico-social, o que nos tem propiciado maior autonomia das políticas econômicas para enfrentar as adversidades do ambiente externo.

O sucesso tem se traduzido em nível elevado de aprovação do governo, o que mostra que a sociedade reconhece os progressos. O governo da presidente Dilma Rousseff vem consolidando importantes conquistas que se viabilizaram, especialmente, ao longo dos últimos dois decênios. O controle da inflação, mais recentemente acompanhado de maior crescimento do nível de atividades, vem refletindo na melhora do emprego, com auxílio das políticas sociais, o que tem gerado distribuição de renda e minimizado a nossa ainda elevada desigualdade.

No entanto, o principal risco que enfrentamos, ao contrário do passado recente, não advém dos fatores externos, mas de caráter interno, que é o risco da acomodação. A conjugação de fatores, econômicos, políticos, sociais etc tende a levar-nos a sentimento de acomodação geral e a não realizar as transformações necessárias. Aqui há claro conflito, entre o conforto do presente e a sustentabilidade futura. Não se trata de escolhas excludentes entre si, mas de ações complementares. Com habilidade e competência, é plenamente possível preservar os ganhos correntes, porém sem comprometer o futuro.

A principal contradição em jogo é que nos tornamos mercado relevante, a sexta maior economia mundial, pelo critério do Produto Interno Bruto (PIB), e posições ainda mais relevantes no tocante a mercados específicos, como o automobilístico (4º mundial) e outros. Porem, não estamos aproveitando a potencialidade desse imenso mercado de consumo para viabilizar a ampliação da produção doméstica, a geração de centros de pesquisa e desenvolvimento e tecnologia, o que nos propiciaria empregos e renda de melhor qualidade e sofisticação e maior sustentabilidade das contas externas.

Dadas as condições adversas de competitividade sistêmica, estamos perdendo substância em elos importantes da cadeia produtiva. A consequência é aumento rápido das importações, que substituem a produção local. Trata-se de processo silencioso e nem sempre perceptível de desindustrialização. Apesar do avanço do PIB de mais de 10% nos últimos três anos, a produção industrial permaneceu estagnada no acumulado do período e o déficit comercial de produtos industrializados deve ultrapassar os US$ 100 bilhões este ano.

Parece grande contradição, pois acaba de ser anunciado que o Brasil recebeu volume recorde de investimentos diretos estrangeiros no ano passado e se mantém dentre aqueles que mais são alvo das grandes empresas em pesquisas recentes.

A questão é que nem sempre o investidor que vem de fora atende aos interesses de localização e inovação. Muitas vezes, apenas reproduz o padrão vigente de baixo conteúdo local. Parcela substancial do investimento externo é voltada para projetos associados à exploração de recursos naturais, que são finitos e agregam pouco valor.

É preciso avançar em agenda que contemple questões mais abrangentes e de interesse geral. Trata-se de equívoco, no caso do debate da desindustrialização, encarar o problema como algo setorial, ou demanda corporativa. Não há antecedentes na história econômica mundial de países com as nossas características e que tenham alcançado níveis avançados de desenvolvimento sem o apoio de indústria competitiva.

A industrialização representou o grande salto no século passado e um fator preponderante que nos propiciou chegar aonde chegamos no panorama mundial. Falta-nos novo impulso para criar a indústria do século 21, que preserve os segmentos nos quais já temos tecnologia e ‘know how’ e outros, novos, os quais ainda não dominamos.

É isso que deve nortear nossas ações, envolvendo as políticas públicas, o setor privado, a área acadêmica e os institutos de pesquisa, em esforço conjunto e inovador. É também o que deve nortear o nosso relacionamento externo, no que se refere a acordos com os países e o nosso padrão de comércio. É também muito importante atentarmos para a característica do investimento que mais nos interessa, que é aquele que venha complementar as nossas cadeias produtivas, agregar valor e gerar novas competências. Precisamos compensar o ônus da remuneração ao investimento externo que, no ano passado, representou despesa de US$ 40 bilhões, com exportações e outras receitas que garantam o equilíbrio intertemporal do balanço de pagamentos.

Para isso, temos que sair do conforto de os outros nos descobrirem e nos elegerem como suas prioridades para atender às estratégias [deles], mas atrair o investimento que viabilize nossas prioridades e interesses. Carecemos de projeto mais amplo e ambicioso, que combine a expansão do mercado com aumento do valor agregado local e das inovações: um grande salto de desenvolvimento, sob pena de abrirmos mão de garantir a sustentabilidade futura.”

FONTE: escrito por Antonio Corrêa de Lacerda, economista, mestre e doutor em economia, professor-doutor do departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política, da PUC-SP. Autor, entre outros livros, de "Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil" (Saraiva). Foi presidente do COFECON e da SOBEET. Artigo publicado no portal “Terra Magazine”  (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5583800-EI7095,00-A+armadilha+da+acomodacao.html).

Nenhum comentário: