Por Marcelo Gleiser
Na física de partículas, uma
"descoberta" é tão rara que a chance de outra explicação é de uma em
3,5 milhões
“Como não poderia deixar de ser,
nesta semana escrevo sobre a descoberta sensacional do bóson de Higgs,
anunciada na última quarta feira, 4 de julho, pelos cientistas do laboratório CERN,
em Genebra, na Suíça. Começo repetindo a história de como o "bóson de Higgs"
ficou conhecido como "partícula de Deus".
Obviamente, uma partícula elementar
não tem nada a ver com Deus. O apelido vem do título do livro de Leon Lederman,
o prêmio Nobel que durante anos caçou a partícula (a busca pelo bóson de Higgs
durou ao todo 45 anos!).
Lederman conta que, originalmente,
queria dar ao livro o título em inglês "The Goddamn Particle"
("A partícula Amaldiçoada por Deus" ou simplesmente "A
Desgraçada da Partícula"). A ideia era demonstrar sua frustração em não
tê-la encontrado. Porém, o editor do livro achou que, com a exclusão de
"desgraçada" do título, o livro venderia bem mais. A coisa vingou
-para o livro de Lederman e para a partícula.
Mas por que tanta empolgação com o
bóson de Higgs, que inclui bilhões de dólares gastos na busca por uma mera
partícula?
Essencialmente, o bóson de Higgs era
a peça que faltava no chamado “Modelo Padrão”, que descreve tudo sobre as
partículas que conhecemos no Universo. Achá-lo significa completar esse modelo
com enorme sucesso.
O papel do Higgs é único entre as
partículas: ele é responsável por "dar massa" a todas as outras. Vale
lembrar que, na física moderna, as entidades essenciais são os campos.
Partículas são excitações desses campos, como pequenas ondas na superfície de
um lago. O campo de Higgs estaria por toda a parte, como o ar na nossa
atmosfera. Ele interage com os campos de outras partículas: por exemplo, o
campo dos elétrons ou o dos fótons (o campo eletromagnético), as partículas de
luz. Essa interação tem intensidade que varia de campo para campo. É essa
intensidade variável que determina a massa das partículas e as suas diferenças.
Por que, então, o nome de "bóson"?
As partículas que conhecemos podem ser divididas em dois grupos, chamados
genericamente de “bósons” e “férmions”. "Bóson" homenageia o físico
indiano Jagadish Chandra Bose, que desenvolveu, junto com Einstein, as
propriedades dessas partículas. Elas gostam de existir em grupos com muitas
delas. O “Higgs” e os “fótons” são “bósons”.
Já os “férmions" (em homenagem ao
físico italiano Enrico Fermi) são mais exclusivos e, no máximo, aparecem em
pares. Os elétrons e os prótons são “férmions”.
Ninguém "viu" um bóson de
Higgs, pois eles se desintegram em outras partículas em minúsculas frações de
segundo. O que se "observa" são os vários produtos dessas
desintegrações. Os resultados são estatísticos, devido aos bilhões de colisões
e desintegrações que ocorrem. Na física de partículas, uma
"descoberta" é um evento tão raro que a chance de surgir outra nova
explicação é de uma em 3,5 milhões.
O interessante é o que está por vir.
Sabemos que a partícula é um bóson. Mas não sabemos se corresponde à previsão
mais simples do “Modelo Padrão” ou se é algo mais exótico. Todos torcem pelo
exótico, pois terão abertas portas para nova física. Depois de 45 anos, seria
uma pena encontrar só o ‘Higgs’.”
FONTE: escrito
por Marcelo Gleiser, professor
de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de
"Criação Imperfeita". Artigo publicado na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/53306-encontrado-o-boson-de-deus.shtml)
[Imagem do Google adicionada
por este blog ‘democracia&política’].
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